JORNADA COP+

Produto chave da sociobioeconomia paraense, mandioca reúne tradição e inovação

De origem amazônica, a mandioca é um alimento essencial na dieta de mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo.

Joanna Martins e Paulo Reis
Joanna Martins e Paulo Reis

De origem amazônica, a mandioca é um alimento essencial na dieta de mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo. A planta de raiz comestível e rica em amido é, historicamente, um dos principais alimentos dos povos indígenas do Brasil e continua sendo amplamente consumida. No Pará, ela faz parte da cultura alimentar e do cotidiano de várias famílias, sendo utilizada como alimento de subsistência por ser acessível, além de contribuir para a economia e a cultura do país. Mapear e fortalecer essa cadeia produtiva é um dos objetivos da Jornada COP+, movimento pela transição justa na Amazônia Brasileira, liderado pela Federação das Indústrias do Estado do Pará ( FIEPA).

A palavra mandioca tem origem indígena e deriva do termo “mandi’óka”, da língua tupi, que significa “casa de mani”. Sua raiz contém importantes nutrientes, como cálcio, fósforo e vitamina C. As folhas, além de nutritivas, são ricas em proteínas e possuem alto teor de lisina, um aminoácido essencial.

Os principais produtores da raiz no mundo são Nigéria, Congo, Tailândia, Gana e Brasil. De acordo com o IBGE, o Brasil contribui com quase 6% da produção global, entre 18 e 20 milhões de toneladas por ano. O Norte lidera a produção nacional, e o Pará é o estado brasileiro com maior produção. Em 2023, último dado consolidado pelo IBGE, a região foi responsável por 36% da safra, sendo mais da metade no Pará (57%). Foram produzidas quase 4 milhões de toneladas (3.769.677), o que gerou mais de R$4 milhões.

O principal polo produtor da raiz no Brasil está no Pará. É o município do Acará, que fica a mais de 100 quilômetros de Belém. A cidade responde por cerca de 600 mil toneladas anuais, o que equivale a um quinto da produção nacional (20,5%).


O Brasil exporta relativamente pouco da mandioca in natura, e mais seus derivados industrializados, como a fécula de mandioca e farinha. Ou seja, no próprio país, há o beneficiamento do produto, o que gera maior desenvolvimento e  faz com que a mandioca já seja exportada com valor agregado. Segundo o Comex Stat, em 2023, o Brasil exportou cerca de 6,2 milhões de dólares em fécula, tendo como principais destinos os Estados Unidos, a Bolívia e o Paraguai. Já as exportações de farinha de mandioca totalizaram 2,8 milhões de dólares, com destaque para os Estados Unidos, o Japão e a Guiana Francesa como principais compradores.

Entre saberes ancestrais e inovação amazônica

Além do papel crescente da mandioca na balança comercial, sua valorização cultural e econômica também avança por meio de iniciativas como a da empreendedora Joanna Martins, fundadora da Manioca. A empresa trabalha com doze tipos de matérias-primas da região, sendo a mandioca a principal. Além disso, também promove educação alimentar, com difusão de conhecimento sobre ingredientes nativos e gastronomia amazônica.

Base da alimentação indígena e popular, a raiz é a inspiração da Manioca desde a fundação. “A mandioca sempre foi uma paixão da nossa família. O nome da empresa vem de uma lenda indígena, a lenda da oca de Mani. Crescemos ouvindo o meu pai dizer que o tucupi seria o tempero do século XXI”, relembra Joanna.

Tucupi, farinhas, farofas, molho de pimenta e shoyu amazônico, todos feitos com derivados da mandioca, são alguns dos produtos da empresa, que une saberes tradicionais e inovação. “A gente quer conectar o nosso gigantesco país com a região amazônica através dos nossos sabores. A principal motivação da Manioca foi tornar acessível o que antes só podia ser provado aqui em Belém ou em outros estados do norte”, conta.

A marca iniciou comercializando produtos de pequenos produtores, mas, com o crescimento, passou a fabricar seus próprios insumos, adquirindo matéria-prima diretamente de agricultores locais. A empresa também desenvolve o programa Raízes, que oferece assistência técnica, contratos de compra e apoio ao desenvolvimento rural, garantindo segurança para os produtores e melhorando a qualidade dos produtos.

Desafios e oportunidades da cadeia produtiva

Apesar de sua importância, o alimento ainda enfrenta barreiras culturais. “O que falta para a mandioca ser mais valorizada é a gente acabar com a nossa síndrome de vira-lata, de achar que o que vem de fora é melhor do que aquilo que é nosso. Temos um alimento nutricionalmente equilibrado, com carboidratos, fibras, minerais e vitaminas e sensorialmente muito gostoso”, afirma Joanna.

Além disso, a mandioca enfrenta desafios logísticos e estruturais. Por ter um baixo valor agregado, ela precisa ser processada próximo à área de produção. Caso contrário, o custo do frete acaba sendo superior ao valor do próprio produto, o que prejudica principalmente os pequenos produtores.

Apaixonada pelo tema, Joanna também atua na educação e divulgação científica da cultura da mandioca. Ela é líder do Comitê de Sociobioeconomia da Jornada COP+, que reúne representantes dos setores privado e público, do terceiro setor, profissionais e acadêmicos, e debate os desafios e oportunidades para o desenvolvimento do setor no Pará. “Por conta da Manioca, acabei me tornando pesquisadora no tema. Hoje, dou aulas, escrevo conteúdos e estou finalizando um livro sobre a mandioca e seus coprodutos na Amazônia, que deve ser lançado no início do ano que vem”, revela.

Para Joanna, valorizar a mandioca é mais do que reconhecer um alimento. É reconstruir o olhar sobre o Brasil originário. “É preciso que a gente, enquanto brasileiro, olhe para o que é nosso, e reconheça o valor real. Valor muitas vezes é uma construção. E a gente foi levado a acreditar que só produto europeu ou americano tem valor. Mas a mandioca tem sabor, tem história, tem nutrição. Se a gente reorganizar esse pensamento, vai perceber que ela vale muito mais do que muitos produtos por aí que a gente paga caro e que nem são tão bons assim.”

O Comitê de Sociobioeconomia é uma iniciativa que deve se estender para além da COP 30. A Jornada também possui o Programa de Sociobioeconomia, em parceria com o Instituto Bem da Amazônia (IBA) e o Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) da Universidade Federal do Pará. Entre as ações do programa está a criação de uma plataforma georreferenciada sobre as redes produtivas da região e a elaboração de estudos e relatórios sobre o setor produtivo da bioeconomia.

Sustentabilidade e cultura familiar como base

Outro exemplo de inovação no setor é o trabalho de Júlio Lobato, formado em Administração de Empresas e representante da Amazon Flavors. Atuando há uma década na promoção dos sabores amazônicos no Brasil e no exterior, a empresa investe em práticas sustentáveis e no fortalecimento da agricultura familiar, oferecendo apoio técnico a pequenos produtores para o cultivo da raiz, e a produção de derivados, como farinha e tucupi.

Júlio Lobato, formado em Administração de Empresas e representante da Amazon Flavors
Júlio Lobato, formado em Administração de Empresas e representante da Amazon Flavors

Entre os produtos desenvolvidos, além da tradicional farinha, estão o tucupi in natura, molhos e chutneys concentrados, que valorizam a tradição indígena e a biodiversidade regional. Com sede no Pará e foco na exportação, a Amazon Flavors é reconhecida por inserir ingredientes amazônicos no mercado internacional. “A gente quer levar para o Brasil e para o mundo os nossos sabores e nossa diversidade culinária”, destaca Júlio.

Mas apesar dos avanços, o fortalecimento dessa cadeia produtiva ainda enfrenta obstáculos. “Levar um alimento tipicamente indígena e amazônico para o Brasil e para o mundo é um grande desafio. Enfrentamos dificuldades com metodologias de uso, envase e vida útil. Quando falamos de mandioca, nos referimos à farinha e ao tucupi, que é o caldo extraído da raiz”, afirma.

A empresa também promove práticas agrícolas mais responsáveis, como o abandono das queimadas e o uso de áreas já cultivadas. O trabalho também valoriza a agricultura familiar.

“Nós compramos de doze famílias de agricultores, nós damos assistência técnica com as mudas que eles precisam ter para fazer uma boa mandioca, um bom tucupi e a partir daí fazer com que esse agricultor tenha um lucro em cima disso. A gente trabalha no mercado sustentável de baixo impacto, nos próprios terrenos que as pessoas já costumam plantar mandioca, não é extrativismo agroflorestal”, explica Júlio Lobato.

Segundo a Embrapa, a produção de mandioca no Brasil tende a crescer nos próximos anos, impulsionada pela mecanização, industrialização de derivados e pelo aumento da demanda internacional por amidos tropicais. O uso de espécies mais produtivas e tecnologias adequadas pode elevar a produtividade em até 50%, especialmente na Região Norte. No cenário global, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) aponta que o cultivo vem crescendo cerca de 2% ao ano nas últimas duas décadas, tendência que deve continuar devido à importância da planta para a segurança alimentar, sua resistência às mudanças climáticas e seu uso crescente nas indústrias de alimentos, rações e biocombustíveis.

Clayton Matos

Diretor de Redação

Clayton Matos é jornalista formado na Universidade Federal do Pará no curso de comunicação social com habilitação em jornalismo. Trabalha no DIÁRIO DO PARÁ desde 2000, iniciando como estagiário no caderno Bola, passando por outras editorias. Hoje é repórter, colunista de esportes, editor e diretor de redação.

Clayton Matos é jornalista formado na Universidade Federal do Pará no curso de comunicação social com habilitação em jornalismo. Trabalha no DIÁRIO DO PARÁ desde 2000, iniciando como estagiário no caderno Bola, passando por outras editorias. Hoje é repórter, colunista de esportes, editor e diretor de redação.