Grande Belém

Preço do açaí dispara e pesa no bolso do paraense

Descubra como a Reforma Tributária pode encarecer o açaí e prejudicar as comunidades tradicionais que dependem dessa atividade.
Descubra como a Reforma Tributária pode encarecer o açaí e prejudicar as comunidades tradicionais que dependem dessa atividade. Foto: Irene Almeida/Diário do Pará

Trayce Melo e Pryscila Soares

Em Belém, a capital mais chuvosa do Brasil, os primeiros meses de cada ano são sempre marcados pelas fortes chuvas do inverno amazônico. Além das chuvas, outro índice em alta nesse período é o do açaí, um dos alimentos mais consumidos pelos paraenses e que vem conquistando cada vez mais os mercados nacionais e internacionais.

Segundo a pesquisa realizada pelo Dieese/PA, o litro do açaí do tipo médio apresentou reajuste de 9,84% em janeiro último, na comparação com dezembro de 2023; já no balanço comparativo dos últimos 12 meses (janeiro/2023-janeiro/2024) o litro do produto acumula alta de 9,29%. Ainda segundo a pesquisa, o preço ficou em uma média de R$ 19,82 no último mês do ano passado, mas alcançou os R$ 21,77 em janeiro deste ano.

As pesquisas também identificaram que existem diferenças de preços entre feiras, supermercados e pontos de vendas espalhados pela cidade. Na última semana do mês de janeiro/2024, o litro do açaí do tipo médio foi encontrado com os seguintes preços: nas feiras livres oscilaram entre R$ 12,00 a R$ 18,00; já nos supermercados oscilaram entre R$ 26,00 a R$ 29,99.

Grosso

Já o litro de açaí do tipo grosso também ficou mais caro no mês passado e foi vendido a R$ 32,46. Em dezembro de 2023, custava em média a R$ 30,03. O aumento foi de 8,09%; já no comparativo de preços dos últimos 12 meses, o produto acumula alta de 8,45%.

Previsão

Nos próximos meses, os paraenses devem preparar o bolso, pois o Dieese/PA prevê que os preços devem continuar subindo.

Quem comprou o produto nos últimos dias, na Feira do Açaí, um importante entreposto comercial que acontece durante todas as madrugadas no complexo do Ver-o-Peso, percebeu que o fruto está mais caro e com menor qualidade. Os preços variam a cada dia e durante a madrugada, influenciados por variáveis como chuva, procura, oferta, frete e qualidade do produto, explicam os vendedores do produto.

Donos de pontos de venda relataram que alguns chegaram a fechar seus estabelecimentos por conta do valor do paneiro, que chegava a custar R$ 200,00 e a saca R$ 1000,00.
“Para teres ideia, na quinta-feira eu nem bati açaí por conta dos valores, que estavam muito altos”, lamenta Rivaldo Rodrigues, de 28 anos, que tem um ponto de açaí no bairro do Guamá.

“Hoje vou ter que abrir, preciso trabalhar. Infelizmente, vou precisar fazer ajustes nos valores, estou levando a lata do açaí do Marajó, que é de qualidade, por R$ 180,00. Vou precisar vender o litro por R$ 30,00 para tentar lucrar algo”, completou.

Rivaldo Rodrigues, dono de ponto de açaí. Foto: Irene Almeida/Diário do Pará

Estratégia

A Roane Araújo, de 29 anos, conta que também não abriu seu ponto de açaí no Tapanã. “Estou pagando por um preço mais alto, então como sei que tem muita gente que não tem condição de pagar R$ 25,00, por exemplo, no litro, então faço açaí popular a R$16,00 e o grosso a R$ 20,00 ou R$ 22,00, dependendo do valor que eu pego aqui. Hoje, por exemplo, eu vou ter que fazer R$ 25,00”, relata.
“Na verdade, desde janeiro que notei esses valores mais elevados. Antes de janeiro eu pagava R$ 50,00 ou R$ 60,00. Agora a gente não compra por menos de R$ 100,00.

Paneiro do fruto custa, no geral, entre R$ 70 e R$ 80 mas atualmente chega a até R$ 200

Na madrugada de ontem (16), a equipe do DIÁRIO pesquisou os valores comercializados na Feira do Açaí, que variavam de acordo com cada localidade. A peneira do açaí congelado de Macapá (AP) chegava a custar de R$ 100,00 até R$ 150,00. Já o açaí do Marajó em natura chegava de R$ 160,00 a R$ 180,00.

O vendedor Paulo Jeová, de 58 anos, que trabalha há mais de 20 anos nesse ramo, conta que o açaí vem de várias regiões, dependendo da época. “No verão vem do Marajó, de Igarapé-Miri e de Abaeté. Durante esse período, está vindo de regiões mais afastadas, como Macapá e Anajás”, explica.

“Quando dá menos açaí na feira, dá mais caro e quando dá mais açaí, fica mais barato. Hoje estou vendendo o açaí congelado de Macapá pelo valor de R$ 130,00. Mas você encontra aqui na feira um açaí de melhor qualidade, que vem do Marajó em natura por R$ 180,00”, disse Paulo Jeová.

Paulo Jeová, vendedor da Feira do Açaí, no Complexo do Ver-o-Peso. Foto: Irene Almeida/Diário do Pará

Já o Jorge Corrêa, de 51 anos, tem um ponto de açaí no bairro do Castanheira. Ele diz que precisou ajustar seus valores nos últimos dias. “Eu tô vendendo meu açaí por R$ 25,00 o litro. Ontem (quinta) cheguei a comprar o paneiro de açaí do Marajó por R$ 160,00. Hoje (ontem) já baixou mais, consegui comprar por R$ 140,00”, explica.

O Márcio Leal, de 44 anos, vende cerca de 200 paneiros por dia. Ele também tem um ponto de açaí no bairro do Telégrafo. “Como choveu muito e teve o feriado prolongado de Carnaval, estava quase sem ninguém para apanhar açaí. Por conta disso, a procura aumenta e encarece o produto. Estou vendendo o paneiro de açaí gelado por 120,00. Em tempos normais, fica entre R$ 70, 00 e R$ 80,00. Geralmente em uma madrugada eu vendo cerca de 200 paneiros”, relata.

Fatores

O vendedor Paulo Martins, de 47 anos, diz que todos os anos nesse período do ano o açaí encarece. Mas ele nunca tinha visto chegar nos valores atuais.

“Às vezes as pessoas confundem, mas não somos nós que determinamos os preços. Depende muito do período, da colheita, do frete, combustível, dos atravessadores e outras constantes”, explica.

 

Proprietários de pontos de venda admitem preço alto e se viram para pagar as contas

Com preços elevados e pouca oferta do produto, diversos pontos de venda tiveram de passar um período fechados, na última semana.

Os prejuízos são muitos, já que as vendas são fonte de renda para muitas famílias. Presidente da Associação dos Vendedores Artesanais de Açaí de Belém e Região Metropolitana, Carlos Noronha explica que a falta e o encarecimento do fruto são consequências da entressafra, ocasionada principalmente pelo período chuvoso.

Todos os anos, os produtores e batedores enfrentam esse problema. Mas, este ano, especialmente neste mês de fevereiro, o aumento das chuvas combinado com marés altas prejudicou ainda mais a produção e a retirada dos frutos nas áreas de plantações, conforme frisou Carlos, que é proprietário de um ponto de venda no bairro da Marambaia, em Belém, há 35 anos.

“Belém está sendo abastecida pelo açaí do Amapá, Anajás, Afuá e região do Marajó. O açaí não pode ser colhido na chuva porque estraga. É por isso que está tendo essa falta. Mas se Deus quiser vai começar a melhorar o tempo. Estava desde segunda-feira sem trabalhar, hoje (ontem) melhorou um pouco. Ainda hoje paguei R$ 200 no paneiro. E (no meu ponto) está custando R$ 30, o médio. Semana passada estava vendendo a R$ 22. Vai doer muito no bolso do consumidor”, relata.

Campina

Localizado no bairro da Campina, o ponto de venda de açaí de Raimundo Cascaes, 48, passou três dias fechado devido à falta do fruto. Para minimizar os prejuízos e complementar a renda, o empreendedor também atua como motorista de aplicativo. Lá, atualmente, o açaí está custando R$ 40, o médio, e o popular está R$ 30.

“Tem as contas que precisam ser pagas, tem os funcionários. E você tem que cortar algumas despesas mesmo. Tem que espremer o máximo do ganho para poder tentar vender, porque é complicada a questão do preço para o cliente. A gente sabe que é um costume tomar um açaí, então fica um preço muito pesado para o consumidor”, reconhece.

Raimundo Cascaes, proprietário do Açaí Cascaes Foto: Mauro Ângelo/ Diário do Pará

Produção própria

O engenheiro agrônomo e empresário Antônio Coutinho, 69, abriu há dois meses o primeiro ponto de venda de açaí, localizado na travessa 14 de Abril, bairro de Nazaré, em Belém. Diferente da maioria dos batedores, ele não está sofrendo com a falta do fruto, uma vez que produz o próprio açaí, com técnicas que permitem a produção e colheita do fruto o ano inteiro.

Foram vários anos investindo em equipamentos, maquinários e preparando o sítio no município de Santo Antônio do Tauá, para finalmente começar a produzir e comercializar o fruto. No negócio mantido pelo empresário, tudo do fruto é aproveitado. O caroço retorna para ser adubo da plantação. O açaí excedente a cada batida vira sorvete, que também é vendido no ponto.

“Temos um trabalho de pesquisa com açaí há muito tempo. Tivemos todo o cuidado antes de abrir esse ponto. O primeiro foi plantar e irrigar o açaí. Se não irrigar nesta época, não adianta só plantar porque não vai ter o fruto. Temos um período de sazonalidade de produção em função do ciclo do açaí. É uma planta que produz continuamente. A cada 24 dias ele lança um caixa. Mas se faltar água, ele interrompe esse ciclo. Aqui na rua tem uns 10 pontos. Todos fecharam e nós continuamos produzindo”, detalha Antônio.