Pará

Povos indígenas celebram diálogo com todas as esferas do governo

Nice Tupinambá diz que povos estão sendo ouvidos e representados. Foto: Ricardo Amanajás / Diario do Pará
Nice Tupinambá diz que povos estão sendo ouvidos e representados. Foto: Ricardo Amanajás / Diario do Pará

Carol Menezes

O dia 19 de abril de 2023 é uma data que ficará marcada de várias maneiras na história do Pará e do Brasil. Além de ser a primeira vez da celebração sob a nomenclatura Dia dos Povos Indígenas (lei federal 14.402/2022) também ocorre há poucas semanas da criação da Secretaria de Estado dos Povos Indígenas (Sepi). Liderança, jornalista e fundadora do Instituto Nossa Voz, Nice Tupinambá admite que, após muitos anos tendo que ir às ruas nesse dia ou para denunciar ou para protestar, hoje é dia de cuidar mais uns dos outros.

“A gente está podendo dizer que venceu. Tem muitos desafios ainda a serem superados, mas o fato de estarmos diante de governos municipal, estadual e federal que simpatizam com a nossa causa, que estão nos ouvindo, por mais que não atenda todas as nossas demandas, só de sermos escutados, já é um grande alívio”, justifica ela, que é filiada ao PSOL-PA e participou das eleições de 2022 como candidata a deputada federal, mas não foi eleita.

Para Nice, o ano de 2023 marca o fim de um período que ela define como “horroroso”: os quatro anos de governo do ex-presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), que em várias falas ao longo de sua vida política demonstrou desprezo aos povos indígenas. “Não digo nem que fingiu que a gente não existiu, teria sido melhor que tivesse sido assim. O problema é que ele lembrou e fez questão de massacrar, de cortar direitos, de dar ordem, mesmo que indiretamente, para assassinato, para invasão, isso foi muito dolorido. O governo Bolsonaro foi o que mais matou indígenas desde a ditadura militar”, lamenta, informando que não houve registro de mortes de indígenas nos últimos quatro meses – sem mencionar o genocídio nas terras Ianomâmi. “Ali foi um acúmulo e explodiu”, revolta-se.

Para este novo momento, a liderança conta que decidiu promover no Instituto que criou e gerencia, um dia todo dedicado a cuidados. “Haverá palestras, ações de cidadania, consultas com psicólogo, enfermeiro, ginecologista, todos indígenas. É muito bom a gente poder parar e se cuidar, nos outros anos estávamos protestando brigando, gritando. O 19 de abril não deixa de ser um dia de resistência, mas é mais confortável para gente. Podemos puxar a flecha para trás e buscar velocidade de ir atrás do que queremos”, justifica.

Ciente da importância da criação da Sepi, Nice conta que em breve irá reunir-se com a titular, Puyr Tembé, que é ex-presidente da Federação Estadual dos Povos Indígenas do Pará (Fepipa) e membro da executiva da União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira, para propor algumas ações emergenciais.

Nesta pauta devem ser discutidas a ajuda urgente aos moradores de TIs pelo estado, que enfrentam desde falta de água potável e de comida ao isolamento geográfico causado por enchentes; a situação do indígena no contexto urbano, que muitas das vezes têm, por exemplo, atendimento médico negado no Sistema Único de Saúde (SUS) sob a justificativa de que esta é uma responsabilidade ou da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) ou da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai); a criação de uma lei estadual voltada à questão indigenista; e a assistência indígena que deixa a TI para morar e estudar na cidade.

“A pasta estadual é fundamental porque primeiro a gente precisa existir para o sistema, com dados, mapeando o estado. Da feita que o Estado reivindica isso para si, assume que essa não é apenas uma demanda federal”, reconhece a jornalista, lembrando que o Pará tem Territórios Indígenas (TIs) em 55 dos 144 municípios, e cerca de 33 etnias. Trata-se da maior diversidade de povos do Brasil.