Pará

Povos indígenas assumem protagonismo na bioeconomia

Povos indígenas assumem protagonismo na bioeconomia Povos indígenas assumem protagonismo na bioeconomia Povos indígenas assumem protagonismo na bioeconomia Povos indígenas assumem protagonismo na bioeconomia
Estudo mostra que nova economia para a Amazônia deve passar pelo incentivo à produção feita pelas comunidades tradicionais, a partir das perspectivas locais e culturais de cada uma delas
Estudo mostra que nova economia para a Amazônia deve passar pelo incentivo à produção feita pelas comunidades tradicionais, a partir das perspectivas locais e culturais de cada uma delas

Cintia Magno

Antes mesmo que o conceito de bioeconomia fosse entendido como um caminho para o desenvolvimento sustentável das florestas, os saberes ancestrais e as práticas dos povos originários já concentravam amplo conhecimento sobre a economia da floresta.

Não à toa, o estímulo à bioeconomia ou à transição rumo a uma nova economia para a Amazônia e para o Brasil deve passar pelo protagonismo dos povos indígenas e comunidades locais. Esse protagonismo é destacado no estudo “Bioeconomia indígena: saberes ancestrais e tecnologias sociais”, lançado em colaboração entre a Uma Concertação pela Amazônia, WRI Brasil e os antropólogos indígenas Braulina Baniwa e Francisco Apurinã.

Ao considerar os diferentes significados que o termo “economia” pode ter para os povos indígenas, o estudo pretende reforçar a importância da perspectiva dos povos originários sobre essa nova economia da floresta, defendendo a necessidade de maior visibilidade e protagonismo dos conhecimentos e saberes ancestrais gerados pelos povos originários na discussão sobre a bioeconomia.

Ainda que o termo ‘bioeconomia’ possa não ser muito claro para algumas populações indígenas, a comercialização de produtos extraídos da floresta ou produzidos nos territórios indígenas é uma realidade. Uma economia influenciada por conjuntos de valores, crenças e conhecimentos que as diversas populações indígenas detêm. “A economia indígena, por exemplo, é baseada em diferentes formas de caçar e pescar, coletar frutas e outros recursos naturais usados na produção de adornos e indumentárias, bem como o cultivo de vegetais em praias de rios e em roçados”, registra o estudo. “Esses povos possuem calendários e sistemas agrícolas tradicionais, pelos quais se orientam e trabalham. Produzem uma infinidade de manufaturas que servem para muitos propósitos, inclusive troca e venda”.

O estudo considera, ainda que, hoje, muitos povos indígenas comercializam o excedente do que produzem, um cenário diferente de um passado em que a economia indígena era dedicada apenas à subsistência e ao consumo interno. “O comércio de produtos extraídos dos territórios indígenas aumentou consideravelmente nos últimos anos, por vezes, transformando-se em grandes negócios, como são os casos do Café 3 Corações produzido pelo povo indígena Paiter-Suruí de Rondônia; da variedade de pimentas do povo baniwa do Amazonas e dos grafismos estampados nas indumentárias confeccionadas pelo povo Yawanawa do Acre”.

Para além dessas experiências, o documento ainda destaca a prática da extração de recursos como o açaí e a castanha-do-Pará, comercializados em grande escala; os festivais de cantos e danças que atraem visitantes; os diversos tipos de artesanatos produzidos, a exemplo de cocares, pulseiras, anéis, colares, brincos, cestarias, cerâmicas e artes esculpidas em madeira; além do ecoturismo que, mais recentemente, vem sendo desenvolvido.

Coautora do estudo, a antropóloga indígena Braulina Baniwa destacou, que apesar desse vasto conhecimento detido pelos povos indígenas a respeito de uma economia da floresta, essas produções ainda não recebem a devida visibilidade. Daí a importância da presença de pessoas indígenas na produção de conhecimento sobre esse tema. “Demarcar a nossa presença e os conceitos e construções do debate sobre a economia indígena, dito bioeconomia indígena ou sociobioeconomia que nós povos indígenas temos defendido, é falar da nossa ciência enquanto pessoas que também produzem conhecimento, a partir do nosso lugar”, considera.

“A tecnologia social nasce com o conhecimento milenar dos povos indígenas, a gente carrega isso de várias gerações, mas para o mundo científico, para o mundo acadêmico, existem conceitos que não reconhecem o nosso trabalho, que não reconhecem o nosso conhecimento e a nossa ciência indígena, a partir de que somente é considerada ciência a ciência ocidental. Então, quando a gente passa a ocupar esse lugar como pesquisadores indígenas, seja na academia, nas instituições e em outros lugares, passamos a demarcar os conceitos que valorizam nossa presença”.

Braulina considerou, ainda, que os povos indígenas têm um entendimento diferente do que é economia indígena para dentro dos seus próprios territórios e esse entendimento precisa ser considerado. “O desafio para o mundo da academia e da pesquisa ainda é demarcar nossos processos enquanto povos indígenas a partir do nosso entendimento. Muitas pessoas fora da Amazônia falam da Amazônia, mas nunca saberão o que, de fato, é ser da Amazônia. Eu sou uma mulher do Rio Negro, no Estado do Amazonas, então a gente também se desafia a ocupar esses lugares para trazer as nossas realidades”, apontou. “A bioeconomia é apenas um conceito dos não indígenas para falar dos nossos conhecimentos, então, precisamos também trazer os nossos conceitos para esse lugar”.

CONHECIMENTO

O economista sênior do programa de Clima do WRI Brasil, Rafael Barbieri, destacou que, desde o início, o estudo considerou que a maneira mais ajustada para se trabalhar com a temática indígena era ter indígenas pesquisadores, daí a parceria com os antropólogos indígenas Braulina Baniwa e Francisco Apurinã.

“Eles trazem um conhecimento empírico, ancestral e que só os povos indígenas têm, mas, ao mesmo tempo, como antropólogos e cientistas, eles trazem também essa perspectiva de ciência feita por indígenas, o que é uma riqueza muito grande e uma abertura de grandes portas para nós não indígenas compreendermos melhor e entendermos como isso é fundamental para se buscar uma economia, seja na Amazônia ou em qualquer outro bioma, que traga progresso material, mas que traga também a justiça climática e ambiental. Sem indígenas a gente não consegue fazer isso”.

Uma das surpresas proporcionadas por essa experiência, segundo destacou Rafael Barbieri durante o webinário, está a percepção dos povos indígenas sobre o que é economia. “Me surpreendeu muito quando, conversando com várias lideranças indígenas sobre o que é economia, que no caso indígena é praticamente a bioeconomia, as discussões eram sempre: a economia é a abundância”, pontuou.

“Para gente, economista, isso uma grande surpresa porque a economia é a ciência que estuda a formação do valor e dos preços, mas ela é balizada no pressuposto de que a gente tem recursos escassos para necessidades ilimitadas e ao entender o que é a economia para os indígenas, que é o oposto disso, abundância, é muito por conta de que as necessidades não são ilimitadas. A abundância é a diversidade de alimentos, recursos, relações que trazem consigo essa expectativa de longo prazo, de deixar para as próximas gerações e transmitir os seus conhecimentos. Ao refletir sobre tudo o que a gente está buscando na Nova Economia, eu concluo que essa Nova Economia é a economia que os povos indígenas fazem já há 10 mil anos no Brasil”.