Pará

Poon Lim, o náufrago que sobreviveu 134 dias à deriva no Pará

A história que faria do marinheiro chinês Poon Lim um homem famoso teve início ainda em 1942, ano em que o mundo ainda vivenciava os conflitos e batalhas da Segunda Guerra Mundial.
A história que faria do marinheiro chinês Poon Lim um homem famoso teve início ainda em 1942, ano em que o mundo ainda vivenciava os conflitos e batalhas da Segunda Guerra Mundial.

Cintia Magno

As histórias de sobrevivência a naufrágios quase sempre surpreendem pela capacidade de resistência que as vítimas precisam ter para se livrar de uma situação tão hostil quanto a que a imensidão do oceano pode proporcionar para um ser humano sem grandes recursos de navegação.

Entre os casos históricos que já foram registrados no mundo, um em especial chama a atenção pelo tempo em que o náufrago permaneceu em alto mar e, ainda, pelo local onde a vítima foi resgatada, a costa do Estado do Pará.

A história que faria do marinheiro chinês Poon Lim um homem famoso teve início ainda em 1942, ano em que o mundo ainda vivenciava os conflitos e batalhas da Segunda Guerra Mundial. Junto com outros cinco companheiros, Lim atuava como comissário em um grande navio mercante da Marinha Britânica.

Sua história começou a mudar quando, em novembro daquele ano, o navio em que trabalhava foi atingido por dois torpedos em pleno Oceano Atlântico. Depois de uma jornada surpreendente e que durou 134 dias, Poon Lim, à época com 25 anos de idade, foi o único sobrevivente do naufrágio, mantendo-se à deriva a bordo de uma simples jangada.

Os relatos do feito conquistado pelo jovem marinheiro estamparam diversos jornais e publicações da época. Uma edição de abril de 1945 da extinta revista ‘A Cigarra’, que circulou na cidade de São Paulo entre 1914 e 1975, narra a incrível aventura de Poon Lim. De acordo com a matéria que ocupou uma página inteira do periódico, a embarcação saiu da África do Sul, mais especificamente da cidade do Cabo, rumo à Guiana Inglesa, tendo a viagem interrompida pelo ataque de um submarino alemão.

Quando a embarcação veio a fundo, minutos após os torpedos, Poon Lim foi lançado ao mar, vendo-se obrigado a nadar auxiliado por um colete salva-vidas. A sorte do marinheiro mudou quando ele avistou uma pequena jangada que flutuava sobre barris e era coberta por uma lona. Foi nesta rústica embarcação que ele cruzou o oceano por longos quatro meses e meio até ser resgatado por pescadores na costa paraense.

Para que conseguisse sobreviver por tanto tempo, Lim precisou contar, mais uma vez, com a sorte e também com o próprio esforço. Segundo relata a matéria publicada na revista ‘A Cigarra’, assim que conseguiu subir na jangada, o marinheiro se deparou com uma carga de água e comida, porém, os suprimentos seriam suficientes para mantê-lo vivo por apenas cinquenta dias.

Depois desse período, o jovem chinês precisou contar com estratégias próprias para garantir alimento e bebida. Nos dias em que chovia, Lim armazenava água em um tanque presente na jangada, já a comida foi garantida no próprio oceano.

Segundo a matéria da Revista ‘A Cigarra’, Lim conseguiu arrancar um prego da base da jangada e o entortou para que assumisse a forma de um gancho. Depois, retirou alguns fios de corda também da pequena embarcação e, com os dois utensílios, pode improvisar um anzol. Como isca, ele utilizou pequenas conchas que possibilitaram pescar um peixe pequeno, que em seguida ele utilizou como isca para pescar peixes maiores.

Segundo relata matéria publicada no ‘História Hoje’, quadro da Rádio Nacional, emissora pertencente à Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), do Governo Federal, e que rememora fatos marcantes de cada dia do ano, Poon Lim foi resgatado no dia 5 de abril de 1943 já quase sem forças.

Para que não caísse ao mar, o marinheiro se amarrou à jangada e foi assim que ele foi encontrado por três brasileiros que navegavam próximo à capital paraense, Belém. Sem conseguir se comunicar verbalmente, já que não falava português, Lim conseguiu apenas demonstrar que sentia fome e logo foi alimentado pelos pescadores. Segundo destaca a matéria da Rádio Nacional, na época, “o marinheiro chinês estabeleceu o recorde de resistência a bordo de uma jangada”.

O recorde também é relatado pela matéria da revista ‘A Cigarra’ e por outras publicações, como uma nota que saiu na edição de 22 de outubro de 1943 do jornal Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, e que destaca que, com a sua resistência, Poon Lim “bateu todos os records mundiais de permanência a sós, no mar, numa embarcação improvisada”.

Outro registro é o do jornal ‘Diário de Natal’, de 04 de janeiro de 1963, em que o texto escrito por Frank Wright também destaca o feito inédito até aquele momento e, ainda, presta mais informações sobre o atendimento de Lim após o resgate na costa de Belém.

“Pom Lim, marinheiro da Marinha Mercante Britânica havia seis anos, vagara na sua balsa durante quatro meses e meio, na verdade, nunca houve notícia de um náufrago que aguentasse tanto tempo, sem qualquer socorro e sobrevivesse”, relatou o periódico.

“Levado para terra foi entregue, imediatamente, aos cuidados dos médicos da Beneficência Portuguêsa; examinado, nada encontraram de grave no seu organismo, exceto naturalmente, pequeno desarranjo intestinal. Em 15 dias, Poon Lim estava completamente restabelecido”.

RECONHECIMENTO

Já recuperado, Poon Lim teve seu feito oficialmente reconhecido, chegando a ser condecorado pela Coroa Britânica

Já recuperado, Poon Lim teve seu feito oficialmente reconhecido, chegando a ser condecorado pela Coroa Britânica. A edição de 13 de julho de 1943 do ‘The London Gazette’, jornal mais antigo do Reino Unido, registra que o então Rei Jorge VI conferiu a Medalha do Império Britânico ao marinheiro chinês ‘por conduta corajosa’. A publicação da coroa britânica destacou, à época, que “Poon Lim demonstrou coragem excepcional, força e recursos para superar as tremendas dificuldades com as quais se deparou durante a longa e perigosa viagem em uma jangada”.

ACERVO

As edições digitalizadas dos periódicos A Cigarra (edição de abril de 1945), Correio da Manhã (edição de 22 de outubro de 1943) e Diário de Natal (edição de 04 de janeiro de 1963) foram consultadas a partir do acervo disponibilizado pela hemeroteca digital da Biblioteca Nacional (BN), acessível através do endereço https://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/.