No bairro da Terra Firme, uma iniciativa simbólica tem ajudado a devolver às crianças aquilo que deveria ser inegociável: o direito à infância. Em sua 5ª edição, o “Pipaço Contra o Trabalho Infantil” reuniu moradores, organizações sociais e mais de cem crianças na Ocupação Abrigo, no Conjunto Liberdade, na tarde deste sábado (7). O evento acontece às vésperas do Dia Mundial contra o Trabalho Infantil – dia 12 de junho – e une brincadeira, arte e denúncia social, como uma resposta direta à realidade de muitas crianças da região: a perda precoce da infância para o trabalho.
A atividade é organizada pelo coletivo Chalé da Paz com apoio de várias instituições parceiras, como a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), o Movimento República de Emaús, a AMATRA8, o Instituto Peabiru, a Associação de Moradores do Abrigo (MOA), o projeto Tela Firme, a Incubadora e o Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH).
De acordo com Francisco Batista, idealizador da iniciativa, a inspiração para o projeto surgiu de uma cena marcante. “O Chalé é um espaço coletivo. Então a gente constatou que a pipa é um lazer democrático, por ser algo que garante que eles possam participar, e eles amam isso aqui. Então pensamos: vamos aproveitar o que eles gostam, esse momento lúdico, para falar um pouco sobre uma realidade tão cruel, que é o trabalho infantil”.
O evento reuniu uma roda de conversa com os pequenos sobre o tema, seguida de oficinas de construção de pipas. A realidade denunciada nas oficinas está muito próxima das crianças que participam do Pipaço. “Nós temos uma quantidade de centenas de crianças em situação de trabalho infantil na Terra Firme. Crianças que catam latinha, que estão na feira, que vendem produtos, que trabalham no comércio com carga horária estourada, o dia todo. E isso a gente constata, é uma realidade”, afirma Francisco.
Para Maria de Nazaré, presidente da Associação MOA, o trabalho com crianças na comunidade é contínuo. Sobre o impacto direto do trabalho infantil na vizinhança, ela é enfática: “convivo com as crianças quase todos os dias, então eu as vejo trabalhando. Quando a mãe não tem oportunidade, acaba tendo mais filhos, e a criança larga a escola para ajudar em casa. Isso é muito comum aqui dentro”, comentou. Mesmo reconhecendo que o trabalho infantil ainda é uma realidade resistente, ela enfatiza que o projeto faz a diferença. “A gente conversa com as crianças, está com elas no dia a dia. Essa presença é importante”.
Para Miriam Vilhena, 46 anos, moradora da comunidade há nove anos, o evento representa uma tentativa de resgatar a infância que está se perdendo. Ela levou o neto de 5 anos, Ariel Caio, para participar da atividade. “É a primeira vez dele aqui. A Maria chamou e eu vim ajudar. As crianças não brincam mais. Então, quando tem algo assim, é importante trazer eles para viverem a infância. Meus netos, todos os seis, têm a infância preservada. Eles brincam, estudam, e gostam disso. Quando eu disse para o Ariel que viria ajudar na associação, ele logo disse: ‘Posso ir com a senhora?’. Ficou todo empolgado. O negócio dele é brincar”.
E, na pipa do Ariel, a mensagem escrita ficou ainda mais clara: “quero brincar”. “Eu gosto muito disso, de estar perto de novos amiguinhos. Gosto de brincar”, contou.
*Fotos: Mauro Ângelo – Diário do Pará