Luiz Octávio Lucas
Neste domingo especial, em que se celebra a Páscoa, as celebrações vão muito além da troca de ovos de chocolate. O sentido principal da festa, a ressurreição de Jesus Cristo para a vida eterna, é motivo de comemoração para diferentes crenças. Professor de Ciências da Religião da Universidade do Estado do Pará (Uepa), José Roberto Mangoni pontua que a melhor tradução da palavra Páscoa é “Passagem”, e surge ainda antes da paixão e morte do filho de Deus.
“A Páscoa, na sua origem, é uma festa agro-pastoril, que celebrava o fim do inverno e início da primavera, possibilitando assim o plantio e a criação dos rebanhos. E isso ocorre em muitas culturas antigas, que tem sua vida centrada na agricultura e no
pastoreio de rebanhos”, destaca. “Em Êxodo 5, quando ainda não há a Páscoa judaica, o povo escravo pede para ir ao deserto para celebrar uma festa. Há certo consenso que a festa a ser celebrada era o início da primavera”.
Mangoni lembra que o judaísmo ressignificará essa festa para a passagem da escravidão para a liberdade, para a terra prometida. “Há uma divindade na Alemanha, Ostara, que comemora a fertilidade, um tradicional e antigo festival do campo, que celebra o evento sazonal equivalente ao início da primavera”, conta. “Ela é representada segurando um ovo na mão, sinal da vida (na mitologia aparece o ovo primordial, de onde veio toda a vida), e olhando para os coelhos, símbolo da fertilidade. Inclusive, Páscoa em alemão e inglês mantém essa terminologia”.
O cientista da religião ressalta que o Cristianismo, que nasce no judaísmo, terá na Páscoa sua festa central, mas com outro significado. “A partir da narrativa da ressurreição, celebra a passagem da morte para a vida. O Concílio de Nicéia definirá a data da Páscoa, pois com a mudança do calendário, ela não se dava mais na mesma data do judaísmo. Nicéia definirá: é o primeiro Domingo após a lua cheia que ocorre após 21 de março, e pode cair entre 22 de março e 25 de abril”, explica.
Já para o Islamismo, Jesus nunca foi morto. “Mas sim arrebatado por Deus de corpo e alma aos céus, e retornará antes do Dia do Juízo final para derrotar o anticristo e estabelecer seu reinado na terra”.
No espiritismo, Mangoni observa que se entende a Páscoa, a partir da ressurreição, como a existência da vida depois da morte e a libertação do espírito de todo materialismo e apego. “Assim, podemos dizer, que a Páscoa é uma festa de muitas culturas e religiões. O que muda são os significados: do inverno para a primavera, da escravidão para a
liberdade, da morte para a vida, do apego ao corpo para a liberdade do espírito. Hoje, já é muito comum fazer uso do termo “passagem” na morte: ‘Ele fez sua passagem, sua Páscoa!’”, exemplifica. “Assim, a Páscoa parte de uma narrativa agrícola e pastoril, e se aprofunda nas diferentes religiões, apontando para um algo a mais, para uma narrativa plena de esperança”.
ESPIRITISMO
Diretor da gestão do livro espírita, Carlos Augusto Corrêa vai além e pontua que para o espiritismo, a Páscoa é uma data de renovação moral e espiritual do ser, o que a diferencia de outras religiões, que têm a ideia de que a Páscoa é uma libertação do povo hebreu após 400 anos de escravidão no Egito.
“A doutrina espírita pensa diferente, que a Páscoa é uma renovação de ideia, de valores, de comportamentos, de atitudes, que a pessoa precisa ter e vivenciar isso, para deixar um pouco do homem velho de lado e construir um homem novo, com novas atitudes, comportamentos e ideias”, ressalta.
“Por ser na visão espírita uma coisa íntima, de cada ser, marcada pela vinda do nosso governador espiritual, que é Jesus Cristo no planeta, ela não promove cultos, nem rituais, nem tradições. É uma questão voltada para sua renovação espiritual”, ensina.
ADVENTISTA
Na Igreja Adventista, a Páscoa tem sentido de salvação. Diretor geral das escolas adventistas do PA/MA/AP, Henilson Erthal observa que, hoje, se tem uma configuração comercial, “que nos faz perder o foco do que é a verdadeira Páscoa. Não que a gente se oponha ao bom consumo do chocolate de domingo, as crianças se divertem com isso, mas não podemos perder de vista o sentido da Páscoa”, chama a atenção.
“Às vezes, pela correria, esquecemos de um Deus que é tão grande e que não poderia caber dentro de um corpo humano. A gente olha para um Deus que se cansa, tem sede, que precisa colocar os pés em água quente ao final do dia, um Deus que sente sono, que tem as pálpebras caídas pelas atividades e demandas emocionais e desenvolve um ministério que culmina na morte. Um Deus vestido de homem e que morre por aqueles que disseram ‘crucifica-o!’”, frisa.
“Não foram os soldados romanos que o sentenciaram, nem os judeus. Ninguém foi responsável, mas o próprio Cristo, porque demandava-se que Ele morresse para que a justiça e o amor se encontrassem”, diz o pastor. “Hoje nós podemos caminhar felizes e nos sentir salvos porque essa conta foi paga”.
Nas escolas adventistas, os estudantes assistem séries com episódios sobre a Páscoa e recebem de presente garrafas com suco de uva e pão, como uma representação da última ceia. “Nas igrejas, fazemos uma atividade evangelística relembrando cenas importantes da passagem de Jesus por esse mundo e as atitudes salvadoras dEle em prol de cada um dos humanos”.
JESUS CRISTO DOS SANTOS DOS ÚLTIMOS DIAS
Outra igreja que celebra a Páscoa é a de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Segundo o líder eclesiástico local, chamado de presidente da estaca, Felipe Barbosa, na congregação se acredita na ressurreição literal do Senhor Jesus Cristo. “Na Páscoa celebramos seu sacrifício expiatório por nós, que começou no Jardim das Oliveiras e se encerrou com sua ressurreição na manhã do terceiro dia depois de sua morte”, observa.
“Acreditamos que graças a esse sacrifício, toda humanidade pode ser salva por obediência às suas leis. Assim como Ele, todos nós ressuscitaremos. Essa nossa vida tem um fim, entre aspas, com a morte, mas acreditamos em uma ressurreição universal futura”.
Felipe Barbosa conta que a celebração deste domingo conta com uma reunião sacramental de adoração. “Para cantar hinos, lermos mensagens inspiradoras centralizadas no Senhor Jesus, sua vida, sua missão. Mas, a principal coisa que fazemos parte já do sacramento, sua ceia, nessa santa ceia, neste sacramento, um pão é dividido em vários pedacinhos e esses são abençoados e distribuídos para todos na congregação, como lembrança do Senhor Jesus”, conta. “Assim como distribuímos vários copinhos de água abençoados, que representam o sangue de Jesus. Assim rememoramos o sacrifício dEle , os acontecimentos da sexta-feira santa e sua crucificação”.
De tudo isso, o religioso observa que “a melhor maneira de presentear o Salvador é perdoando. O perdão é um bálsamo, uma cura para todas essas situações tão graves que temos vivido. O perdão cura e nosso mundo precisa muito dessa cura”.
IGREJA CATÓLICA
Ligado à Igreja de Nossa Senhora da Graça, na Cidade Velha, o diácono Silvio Ataíde observa que para falar de Páscoa, é preciso voltar aos dias que antecedem a grande celebração. “Precisa falar do que acontece a partir de quinta-feira, que é o grande momento em que Jesus é traído e se recolhe ao Getsêmani, onde os soldados o levaram preso. É quando acontece a Santa Ceia e instituição da eucaristia, com os 12 apóstolos, incluindo Judas. Neste momento em que Ele diz que haverá um traidor entre os 12, ele se recolhe ao Getsêmani e lá Ele tem a revelação do que iria acontecer com Ele, por ser divino e humano”.
O religioso então lembra os momentos vividos na sexta-feira santa, com a paixão e morte de Jesus e recorda o sábado de aleluia. “Os judeus estavam comemorando a Páscoa judaica no sábado e Jesus aproveita isso para instituir a Páscoa cristã, porque eles comemoravam a Páscoa pela morte de um cordeiro, da libertação do povo hebreu”, explica. “Essa libertação se fazia através da morte de um cordeiro, pego desde pequeno e cuidado como animal de estimação. No dia que seria sacrificado, então toda a família ao redor iria presenciar esse momento e todo mundo ficava penalizado”, pontua.
“Jesus faz desse momento, em vez do cordeiro animal, tem o cordeiro Filho de Deus, que tira o pecado do mundo. Deixou de se imolar o animal de estimação para se imolar o filho de Deus. Nessa mudança de cultura judaica para a cristã, cessa ali, descerra a cortina do antigo para a nova Jerusalém. Jesus passa nesse momento a ser venerado e adorado e não mais o cordeiro animal”.
Segundo o diácono, a celebração da Páscoa para os católicos já inicia na noite de sábado, “Obedecemos o calendário judaico, a partir das 18h já é um novo dia, por isso celebramos a Vigília Pascal, para comemorar a ressurreição de Cristo. Então, todas as igrejas são iluminadas, temos novamente o ritual que Ele deixou para nós, da Santa Ceia. ‘Fazei isto em memória de mim’”. ,
“Domingo é o grande dia da ressurreição, estávamos vivendo um tempo comum e aí já vivemos o tempo da Páscoa e entramos no período de Pentecostes, que acontece com todos os discípulos e Maria juntos, no quinquagésimo dia após a sua ressurreição. Entramos agora em uma oitava de Páscoa e depois vivemos uma preparação para o Pentecostes, quando receberemos o Espírito Santo, que é o que nos conduz. É o grande momento da ressurreição, onde nós afirmamos a nossa fé”.
RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA
Apesar das religiões de matrizes africanas não serem cristãs, o respeito à celebração da Páscoa é algo que se aprende com os antepassados, conta a religiosa do candomblé Mametu Nangetu. “Viemos de uma ancestralidade de família, de pajé, curador, benzedeira.
Eu guardo e respeito, minha avó cobria todos os santos nessa época. A gente não tem esse olhar cristão, mas respeitamos. Os rituais que poderíamos fazer nessa data, a gente adia, em respeito a Jesus, que é um grande militante, que deu um grande passo pela igualdade”, exalta.
“Tenho todo esse respeito pela grande caminhada de Jesus. Não temos atividades no domingo. Mas, a gente se reúne em família, toda sexta-feira, para fazer o almoço com peixe, vestimos branco, porque é o dia de Oxalá, e temos esse respeito. No domingo é dia de alegria, de celebrar a vida. Temos que respeitar as demais religiões pela grande cultura de paz”.
SÍMBOLOS DA PÁSCOA
Os símbolos da Páscoa vêm das relações entre as diferentes culturas:
– Pão sem fermento vem dos camponeses, o cordeiro vem dos pastores e marcava o início da primavera. Serão os símbolos centrais da Páscoa judaica. E no judaísmo o evento é familiar, e faz memória da libertação da escravidão.
– Coelhos e ovos vêm das tradições germânicas e adentram no cristianismo a partir das conquistas militares e religiosas no norte da Europa. Hoje, há uma apropriação do mercado desses elementos simbólicos, que acabam por esconder o sentido primordial.