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Pará também pode sofrer com as mudanças climáticas

Pará também pode sofrer com as mudanças climáticas

Carol Menezes

Os eventos climáticos extremos que arrasaram boa parte do Rio Grande do Sul no início deste mês de maio renderam não apenas imagens de extremo desespero, mas também um enorme alerta de que as mudanças climáticas definitivamente não irão chegar – elas já estão aqui. Isso significa que ocorrências tipo inundações, enchentes, secas, estiagens e toda a sorte de situações extremas, caso não haja uma mudança imediata nas práticas e nas políticas ambientais, poderão tornar-se cada vez mais frequentes, alcançando diferentes regiões do Brasil.

E o Pará não fica de fora dessa temerosa possibilidade, especialmente se as temperaturas do planeta aumentarem de forma permanente.

Pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), Paulo Barreto cita um consenso entre climatologistas de que o que houve no RS é indicativo de mudança climática, o que torna eventos extremos mais frequentes e mais intensos. “Temos visto isso no Brasil, secas e inundações na Amazônia, no próprio Rio Grande do Sul ano passado teve, depois de vários anos de seca”, complementa.

“O que se sabe por enquanto é que essas coisas podem piorar, e a gente não sabe até que ponto. Tem projeções de aumento de temperatura, a esperança no passado era: vamos fazer coisas que vão mitigar esse risco. Mas o mundo inteiro não está fazendo tudo o que pode”, confirma.

Paulo é categórico: o mundo teria que reduzir as emissões dos gases de efeito estufa, que evitaria os piores cenários, e ao mesmo tempo promover adaptações, dado que a coisa já está acontecendo, é preciso pensar no que pode ser feito para que, quando acontecer, a humanidade não sofra tanto.

“O caso do Brasil é um pouco atípico na comparação com outros países, porque tem muito desmatamento, e o desmatamento responde por metade das emissões em nosso país. Nos outros países as maiores emissões estão no setor de energia, porque queima combustível fóssil. O Brasil tem muita hidrelétrica, que tem, relativamente, baixas emissões, mas o Brasil queima florestas. A redução forte do Brasil teria que vir muito da redução do desmatamento. Então a Amazônia responde muito, porque a maior parte acontece lá, embora tenha no cerrado também”, detalha.

Números estão caindo, mas seguem altos

O pesquisador lembra que o Brasil por vezes pôs em prática políticas corretas, especialmente enquanto Marina Silva foi Ministra do Meio Ambiente pela primeira vez, entre 2003 e 2008. Em 2012 o país alcançou a menor taxa de desmatamento da história, de 4,5 mil quilômetros quadrados – hoje é o dobro, muito embora já tenha havido uma redução pela metade entre 2023 e 2022, com Marina de volta ao MMA.

FOTO: TAMARA SARÉ / AGÊNCIA PARÁ

Paulo Barreto só vê saída com o desmatamento zerado, e lembra que boa parte dos que atuam no agro já entenderam que há áreas antropizadas suficiente para produção, e que o fim da derrubada de árvores não irá prejudicar a economia – embora reconheça que, até mesmo por questões ideológicas, há aqueles que não querem entender.

“Se desmatou tanto que, se usar bem a área, pode até ter sobra de área desmatada para plantar árvores, isso é muito importante. Nós já chegamos a essa situação, precisamos plantar. O sul da Amazônia já está mais seco, às vezes tem chuva demais em algum lugar. Plantio ajuda inclusive que a chuva não tenha o enorme impacto que tem hoje. A floresta funciona como amortecedor das águas, ela chega ao solo mais lentamente, há uma melhor absorção. Quando não tem, cai tudo de uma vez no rio, e daí temos as enchentes”, relaciona, explicando ainda que o fato de países europeus e os Estados Unidos estarem vivendo dificuldades pelo desmatamento quase que total de certas áreas, a ponto de precisar importar alimentos, é suficiente para entender a gravidade que envolve a prática.

“A produtividade agrícola no mundo tem caído, isso gera inflação. Isso não é brincadeira. Quem desmatou em excesso já está sofrendo. Essa desconexão tem a ver com ideologia, às vezes até com religião, mas a Ciência está mostrando que a política tem que mudar. O custo para lidar com esses danos é enorme, são bilhões, e quem vai pagar somos nós, com impostos”, justifica. “Se a política não mudar rapidamente, esses problemas continuarão se agravando. A adaptação também envolve sistemas de alerta, de vigilância, gente treinada para tirar pessoas rapidamente de áreas de risco, isso vai custar dinheiro, vai ter que estar nos orçamentos e vai custar bastante”, aponta Paulo Barreto.

Combinação desastrosa

Doutor em Ciências Ambientais pelo Instituto de Geociências e atual coordenador do curso de Geografia da Universidade do Estado do Pará (Uepa), Rodrigo Rafael corrobora o entendimento do pesquisador do Imazon, entendendo que os eventos devastadores no sul do Brasil resultam da junção entre eventos extremos, relacionados às mudanças climáticas, que são considerados anomalias climática, e a falta de políticas públicas de prevenção e/ou mitigação de impactos por desastres ambientais de cunho climático.

Ele pontua que o estado do RS, desde 1941, quando houve uma grande enchente e alagamento de várias cidades em função de um El Niño intenso, criou algumas estruturas de contenção. Porém, com o passar dos anos, foram criadas outras estruturas, a exemplo das barragens, que não levaram em consideração altos índices pluviométricos – tanto que o rompimento da barragem 14 de julho, no dia 2 de maio, acabou por influenciar na área atingida pelo alagamento e intensificação dos danos às cidades.

Ainda segundo o professor, o Guaíba tem hidrodinâmica de lago e rio, funciona como se fosse um lago com um rio passando no meio. E recebe grande volume de água dos rios tributários, por isso, quando ventos de intensa velocidade circulando de sul para norte, como o ciclone extratropical de baixa pressão (convergem nuvens e umidade), estão atuando sobre a região sul do Oceano Atlântico, próximo a Argentina e RS, dificulta o escoamento da água do rio para o oceano, potencializando ainda mais o processo de enchente e alagamento de áreas.

“Some-se a isso a falta de políticas públicas de redução, mitigação e prevenção de impactos ambientais e sociais ocasionados pelos efeitos das mudanças climáticas. É importante dizer que o planeta sempre busca o que chamamos de homeostasia ou equilíbrio dinâmico. Assim, o ponto de não retorno é uma previsão de condições extremas apontadas em modelos de previsão climática futura. Mas o comprometimento e concretização de políticas de prevenção ambiental, e o respeito aos acordos e compromissos internacionais de desmatamento zero e redução das emissões de CO2 podem alterar esse cenário de extremo climático”, avalia.

Para trás

Rodrigo Rafael atesta que no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) houve retrocesso no posicionamento do Brasil em relação às mudanças climáticas, ao cumprimento da legislação ambiental vigente, e até mesmo a revogação de decretos que englobavaM questões ambientais relevantes – sem falar no descumprimento a acordos internacionais que governos anteriores haviam firmado, a exemplo do Acordo de Paris, em 2015. O posicionamento foi obviamente danoso ao país, pois houve aumento das taxas de desmatamento, mais emissão de gases poluentes à atmosfera, mais incêndios criminosos e focos de calor, além de outros crimes ambientais, estes amplamente divulgados nos diferentes canais de comunicação.

“Todos esses danos ambientais refletem direta e indiretamente na potencialização das mudanças climáticas, para a maior ocorrência de anomalias climáticas e eventos extremos em todo o país. Em 2022 o aumento de queimadas na Amazônia influenciou para uma maior poluição atmosférica na região centro-oeste, sul e parte da sudeste do país, e a ocorrência de uma inversão térmica na cidade de São Paulo”, relembra.

Riscos

O Pará está na faixa intertropical e o clima e tempo atmosférico sofrem influências diretas da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), da Zona de Convergência do Atlântico Sul, de linhas de instabilidade vindas no Oceano Atlântico, além dos eventos La Niña e El Niño. Em 2023 foi registrada uma das piores secas na região amazônica e várias comunidades foram atingidas em Santarém, no arquipélago do Marajó, entre outras regiões do estado do Pará. Ou seja, o estado já vem sendo impactado, frequentemente, por eventos relacionados às mudanças climáticas.

Foto: Wagner Almeida / Diário do Pará.

“Além dos eventos de seca, devido ao El Niño, tivemos enchentes de menor proporção em relação ao RS, em Marabá, por exemplo, que atingiu mais de duas mil famílias em janeiro de 2022. É importante falarmos de racismo ambiental, porque são pessoas, grupos ou população que encontram-se em vulnerabilidade econômico e social que mais estão suscetíveis às catástrofes naturais e os que mais sofrem com os efeitos das mudanças climáticas”, atenta o coordenador do curso de Geografia da Uepa.

No caso do estado do Pará as populações que encontram-se em maior de risco ambiental ou expostas ao risco ambiental relacionadas às enchentes dos rios, altos índices pluviométricos ou mesmo secas severas é a população ribeirinha, são os povos originários, que residem nas margens dos principais rios, e a população urbana que vive às margens dos canais, nas periferias, onde não há saneamento básico, nem esgoto ou sistemas de drenagem eficazes de escoamento das águas das chuvas.

“Belém possui cotas altimétricas muito baixas, muito próximas do nível do mar. Então, se tivermos, de fato, uma oscilação para mais na temperatura média do planeta, de meio grau, um grau, um grau e meio, a gente tem um processo de derretimento das geleiras. E isso influencia diretamente no nível do mar, para o aumento do nível do mar. Algumas cidades no mundo, como Veneza, construíram diques de contenção. Belém não tem isso, e historicamente já passou por processos de aterramento, na Doca de Souza Franco, a própria Universidade Federal do Pará, diversas áreas foram aterradas e inclusive sofrem com erosão contínua devido a correntes fluviais, principalmente quando chove muito. Se tivermos esse aumento, a nossa cidade corre o risco de boa parte dela ficar submersa”, finaliza Rodrigo Rafael.