Pará

Os guardiões da fé e da segurança de Nossa Senhora

Criada há 50 anos, a Guarda de Nazaré possui 2.200 homens que trabalham em toda a programação relacionada ao Círio e da Igreja Católica. Um “chamado” que exige preparação e dedicação. Foto: Soraya Montanheiro
Criada há 50 anos, a Guarda de Nazaré possui 2.200 homens que trabalham em toda a programação relacionada ao Círio e da Igreja Católica. Um “chamado” que exige preparação e dedicação. Foto: Soraya Montanheiro

Cintia Magno

Sempre que se avista a Imagem Peregrina de Nossa Senhora de Nazaré, seja em meio à multidão do Círio ou nas inúmeras visitas e celebrações realizadas com a presença da representação da padroeira dos paraenses, logo próximo se avista também homens vestidos com a farda que identifica a Guarda de Nossa Senhora de Nazaré.

Criada a partir de uma inspiração do Padre Giovanni Incampo, a guarda católica voluntária teve sua primeira participação oficial em 1974 e neste ano, em novembro de 2024, completa cinco décadas de história.

Durante as missas que costumava frequentar desde criança, Walmir Vieira da Silva lembrava de ouvir o Padre Giovanni fazer o chamado aos homens que desejassem participar como voluntários da guarda que se iniciava.

Nos primeiros anos da década de 1970, porém, Walmir era ainda um jovem, com menos de 18 anos, e que apenas acompanhava o surgimento de uma organização que tem papel tão importante nas celebrações do Círio de Nazaré. Já naqueles anos iniciais, porém, ele viu despertar a vontade de ele próprio se tornar parte daquele coletivo, o que veio a se concretizar cinco anos mais tarde, em 1979, para lhe acompanhar por toda a vida.

“É um orgulho que eu tenho. Eu ainda não tinha nem completado 18 anos quando eu entrei para a Guarda. De lá para cá eu sigo esse caminho, graças a Deus”.

Dos 50 anos que a Guarda de Nazaré está prestes a completar, seu Walmir conhece de perto 45. Aos 63 anos de idade, ele continua a integrar a guarda mariana, um convite que ele recebeu e que continua a aceitar, todos os dias.

“O pai do meu padrinho era Guarda, então, ele faleceu e, naquela época, tinha que colocar outro guarda no lugar. E esse, que veio ser meu padrinho, resolveu me convidar. Eu já tinha vontade de ser da guarda, mas não tinha idade”, recorda. “Ele disse, ‘vamos lá na reunião?’. Naquela época a reunião ocorria onde agora é o estacionamento (da Basílica Santuário), antes era o Cinema Moderno. Já estava próximo do Círio, foi dia 25 de setembro de 1979, eu ainda ia completar 18 anos em dezembro, mas ele conversou com outros membros fundadores, eles liberaram e estou aqui até hoje”.

Ao longo dos anos de dedicação à guarda, Walmir, que atualmente é Diretor de Igreja da Guarda de Nazaré, viu muitas mudanças ocorrerem, novas ideias chegarem, mas o que sempre permaneceu entre todos foi o desejo de servir a Nossa Senhora de Nazaré.

“Mudou muita coisa. Na Guarda foi passada muita coisa pra gente que serviu e que está servindo até hoje porque os ensinamentos ficam”, considera. “Com o tempo vai mudando, vem guardas novos, outra mentalidade, vão abrindo as ideias, mas isso é uma dedicação. Eu comparo o serviço da Guarda de Nazaré que parece um sacerdócio, tem que ter perseverança”.

A perseverança em se dedicar não só a proteger a Imagem de Nossa Senhora de Nazaré nas procissões, mas de também seguir o seu caminho em direção aos ensinamentos de seu filho Jesus Cristo acompanha quem decide abraçar a missão de se tornar Guarda. Atual coordenador da Guarda de Nazaré, Oscar Pimenta Filho lembra que quando a guarda foi criada a ideia inicial era prestar um serviço voluntário que garantisse proteção, mas, com o tempo e o trabalho de coordenadores que passaram pela organização, o coletivo foi se voltando cada vez mais para a evangelização, para além da força.

“A guarda vai fazer 50 anos dia 8 de novembro e ela foi criada através de uma inspiração ao Padre Giovanni Incampo, com a ajuda do Doutor Nelson Ribeiro, diretor da Festa de Nazaré na época. O motivo da criação, na verdade, foi para minimizar a participação dos militares nas procissões e, de lá para cá, a Guarda tem mudado, tem alterado a forma de agir”, lembra.

Crédito Foto – Soraya Montanheiro

“No passado, começou realmente com a ideia de fazer força, mas de um tempo para cá a gente tem mudado isso, desde a época do ex-coordenador Toscano, Guto Nobre, Edmilson, Miguel Abrahão, Guilherme Azevedo e Renato Neves. Então, a força realmente conta, porém, o principal para a gente, hoje, é a parte de evangelização, onde a gente entende que o guarda, estando na igreja, consegue estar preparado para se porventura aparecer algum momento de estresse no meio da procissão, ele ter o discernimento, a calma, a tranquilidade para resolver da melhor forma possível”.

 

ESTRUTURA

Oscar explica que a Guarda de Nazaré é ramificada, possuindo diferentes diretorias. A presidência, atualmente, é do Padre Assis, há ainda a coordenação e várias diretorias: Diretoria de Igreja, Diretoria de Procissão, Diretoria de Patrimônio, Diretoria de Eventos, Diretoria de Saúde, Diretoria Financeira, Diretoria Jurídica e, claro, a Diretoria de Evangelização, esta última responsável pela realização das orações dos terços, dos rosários, das ave-Marias.

“A gente tem vários segmentos em que a gente consegue fazer um trabalho em cima de um regimento para que dê continuidade ao trabalho que começou há 50 anos. E hoje a Guarda passa por essa mutação, hoje o fazer força não é o principal, o principal para a gente é justamente a oração, a evangelização. E é esse trabalho que a gente tem feito”.

Atualmente, 2.200 homens formam a Guarda de Nazaré e dão continuidade a esse trabalho que vai muito além da participação nas procissões do Círio. O vice-coordenador da Guarda de Nazaré, Rodrigo Abrahão, explica que a organização tem um trabalho que funciona durante o ano inteiro dentro das igrejas que compõem a Paróquia de Nazaré, onde a Guarda desempenha o seu papel dando o suporte às missas.

“Fora esse, a Guarda também tem um trabalho social muito forte na questão da evangelização, na questão de eventos sociais, como nós tivemos no mês passado de doação de sangue, onde nós conseguimos fazer uma campanha muito massiva, arrecadando quase 400 bolsas de sangue”, lembra Rodrigo. “A gente também tem um trabalho de apoio de saúde, apoio psicológico, e durante o ano também a gente faz alguns treinamentos para poder organizar as nossas procissões, os eventos onde a guarda vai estar presente”.

A Guarda de Nossa Senhora de Nazaré foi criada, pelo Padre Barnabita Giovanni Incampo, em 08 de novembro de 1974, com o objetivo de proteger a Corda e a Berlinda Fotos: Cláudio Custódio – Ascom Guarda de Nazaré

Com a missão de levar os ensinamentos de Maria para todos, a Guarda também é responsável pelos trabalhos de visitas da Imagem Peregrina. Hoje, para que a imagem que percorre o Círio possa sair para visitar algum órgão público, empresa ou mesmo hospital, é obrigatório que se tenha pelo menos dois guardas juntamente com a imagem para fazer o trabalho de organização dos locais por onde ela vai passar.

“A Guarda faz esse trabalho sempre e a gente busca fazer um rodízio dessas escalas para que a maior quantidade possível de Guardas possa participar desse que é um momento muito importante, muito marcante, e não deixa de ser um momento grande de evangelização também, que é sempre acompanhado por um diácono ou um padre”.

 

MAIS 500 GUARDAS A CAMINHO

Ainda que o trabalho possa ser cansativo, a cada ano se observa novas pessoas interessadas em assumir essa missão coletiva e voluntária. Além dos 2.200 homens já registrados na guarda, há a expectativa de que novos 500 se unam à guarda. Os chamados aspirantes passam, hoje, pelo curso de formação e a previsão é de que a partir de 16 de junho, data da missa de formatura da nova turma, se tornem oficialmente Guardas de Nazaré.

“Cada guarda entrou na Guarda por um motivo, por um chamado, cada um tem o seu particular. Porém, o motivo que faz permanecer e continuar servindo, em geral, acaba sendo o mesmo, de servir e agradecer a Nossa Senhora por alguma benção recebida, por uma crença ou uma fé que nós temos, uma devoção à Maria. Esse é o nosso servir”, aponta Rodrigo Abrahão.

O chamado do aspirante a Guarda de Nazaré, Leonardo Padilha, veio através de uma pessoa que sempre teve importância fundamental em sua vida, a sua sogra. De uma promessa feita a ela, hoje ele passa por uma transformação.

“Eu vim para a Guarda, primeiramente, porque foi uma promessa para a minha sogra. No seu leito de despedida eu disse para ela que esse ano eu seria Guarda de Nazaré e acabei recebendo um chamado”, lembra. “E no início do ano eu tive o convite para vir para a Guarda de Nazaré, a gente sempre tem que ter um padrinho para entrar na guarda, tem que ter toda uma preparação para você entrar”.

Foto: Soraya Montanheiro

Antes de iniciar esse período de preparação, Leonardo lembra que só conhecia a Guarda de Nazaré que talvez todo mundo conheça, que é a guarda que aparece no Círio, porém, ao longo da formação ele já teve a oportunidade de vivenciar uma experiência única.

“Durante esse período de curso eu acredito que eu tenha tido tanta evangelização como eu nunca tive nos meus 47 anos de vida. Poder chegar aos sábados, no dia do curso, e encontrar mais de 500 homens de todas as classes sociais, de várias profissões e estar todo mundo cantando, orando, fazendo uma espiritualidade magnífica e extremamente transformadora”, considera.

“O momento dessa estadia dentro da Guarda tem sido uma reconfiguração da nossa vida. Eu só tenho, neste momento, a agradecer a diretoria, aos padres, os diáconos que também têm um momento de ajuda espiritual, tem um momento de acolhimento para os teus problemas familiares”.

Durante a troca de experiência com guardas mais antigos, o aspirante lembra que recebeu um ensinamento que, até hoje, o toca de maneira especial. “Eu fiz uma pergunta para um guarda um pouco mais antigo e a resposta ficou muito marcada para mim. Ele virou para mim e disse: “olha, essa blusa que você está usando não é uma farda, isso aqui é um manto de Nossa Senhora. Todo mundo que você está vendo de amarelo e branco aqui, está coberto com o manto e essa cobertura não é só uma proteção, é também uma obrigação para o agradecimento, por tanta coisa que tem acontecido”, lembra.

“A minha sogra partiu há dois meses, mas eu sinto que ela me deixou em um lugar maravilhoso. Então, eu espero que eu possa contribuir para que sejam construídos mais 50 anos de história”.

Dedicação da Guarda é registrada em imagens

Foi também através de um convite que a paulista Soraya Montanheiro teve a oportunidade de não apenas fotografar o Círio pela primeira vez, como também de direcionar o seu olhar para o trabalho dedicado pelos Guardas de Nazaré. Ao longo de vários anos, ela registra parte desse trabalho desempenhado pela Guarda e ajuda a preservar a memória não apenas religiosa, mas também cultural do coletivo.

Um amigo meu, fotógrafo de festas religiosas, me convidou para conhecer o Círio de Nazaré e eu tinha um pouco de resistência de fotografar o Círio, até mesmo porque a gente não entende, quando a gente vê essas imagens, sem vivenciar o Círio. No entanto, eu fui e quando eu retornei do Círio eu fui editar as imagens e vi todo aquele contingente todo uniformizado como se fossem, realmente, guardas e eu não sabia do que se tratava”, recorda a fotógrafa.

“Aí eu retornei, no mesmo ano, para Belém para me informar. Eu cheguei na Basílica, vi um Guarda, com aquele mesmo uniforme, e eu fui descobrindo. Em uma das reuniões com a diretoria eles me explicaram e fizeram o convite para eu entender melhor o trabalho deles porque não se restringia ao Círio, eles tinham trabalho o ano inteiro, a gente viaja com a Imagem Peregrina”.

Foto: Soraya Montanheiro

Com muitos amigos em Belém, Soraya percebeu que, naquela época, alguns de seus amigos não sabiam desse trabalho da Guarda com as visitas da Imagem Peregrina e, conversando com um e outro guarda, ela foi conhecendo um pouco mais dessa atividade. De volta para São Paulo, ela não tirou da cabeça que precisava fazer alguma coisa com o material que ela tinha produzido.

“Foi aí que surgiu a ideia de fazer um livro, o primeiro livro dedicado a esse trabalho da Guarda de Nazaré. E aí eu viajei muito, foram seis anos viajando. É um trabalho totalmente pro bono (voluntário) e ele demorou tanto tempo porque, como eu bancava e eu também tinha o meu trabalho em São Paulo, então, ficava difícil eu me deslocar tanto”, lembra. “Mas eu fiz uma imersão nesse trabalho muito grande e foi quando eu comecei a conviver com a Guarda de Nazaré e entender quem é a Guarda de Nazaré e que isso tem uma importância muito grande para a cultura do Pará”.

Com a ideia de que alguém precisaria mostrar para o Brasil e para o mundo que existem homens marianos que trabalham para o outro, para a fé, a fotógrafa passou a, ela própria, compreender cada vez mais o trabalho da Guarda de Nazaré.

“Eu comecei não só a entender, como a admirar essa devoção. No primeiro Círio que eu fiz, no dia da apresentação do manto, tem uma foto dos guardas olhando para Nossa Senhora e eles olhavam para ela como se fosse a primeira vez que estavam olhando para ela e a gente vê que há um estreitamento muito fino dessa devoção de um Guarda de Nazaré e a mãe. Então, existe uma ligação estreita, um caminho muito direto, desse homem para Nossa Senhora. E eles me ensinaram a olhar assim, eu aprendi que, como eles me ensinaram, eles passam essa devoção, essa importância de cuidar da mãe, de escutar a mãe divina para todo o povo, para quem conhece eles”.

GUARDA DE NAZARÉ

Foi durante a atuação do Padre Giovanni Incampo como Pároco da Basílica Santuário de Nazaré que o Círio contou com a primeira participação oficial da Guarda de Nazaré, em 1974. Até esse ano, durante a procissão do Círio, a segurança da corda e da berlinda era realizada por militares. A Guarda iniciou com 40 membros e hoje já possui 2.200 participantes.