MERCADO

Os desafios de ser mãe no mercado de trabalho no Pará

Descubra os impactos da maternidade na carreira das mulheres no Brasil. Conheça os desafios enfrentados por mães durante o processo seletivo.

Renata Alves, 30.Foto: Wagner Almeida / Diário do Pará.
Renata Alves, 30.Foto: Wagner Almeida / Diário do Pará.

De acordo com o levantamento “Mães 2024”, da plataforma de recrutamento Catho, 86% das mulheres no Brasil já foram perguntadas pelo menos uma vez sobre filhos durante uma entrevista seletiva para emprego. O estudo ouviu 967 mulheres, sendo destas 504 mães. Conforme os dados, a maior parte das entrevistadas residem no Estado de São Paulo e desempenham a função em cargos de assistente e analista.

Os números do levantamento mostram também que 75% das entrevistadas mães foram questionadas sobre com quem os filhos ficariam durante o horário de expediente e 50% das mulheres em geral foram perguntadas se a maternidade estava nos planos de vida da entrevistada. Além destes números reveladores, 40% das mães entrevistadas afirmaram que perderam oportunidades de promoção e desenvolvimento de carreira por terem filhos, enquanto 86% foram julgadas por ser mãe dentro do ambiente de trabalho. Outra situação desoladora é que 23% das mães já foram desligadas após o fim da licença-maternidade.

Estes resultados ressaltam os desafios e a discriminação que enfrenta o público feminino no mercado de trabalho, especialmente para aquelas que são mães ou desejam prosseguir no caminho da maternidade um dia. O DIÁRIO ouviu mães.

DIA A DIA

A vendedora Geovana Ribeiro, 32 anos, é mãe do Renê, 15, e do Geovane, 9. A vendedora precisa conciliar o horário do trabalho em uma loja de calçados no Comércio com a hora de deixar e buscar os filhos na escola. Além da função de vendedora, ela também é técnica de enfermagem e divide-se praticamente em uma jornada tripla ao longo do dia. “É um dia a dia constante e temos que saber administrar o tempo”.

Já a atendente Stheffany Dias, 25, tem uma história marcada por incompreensão no mundo do trabalho. Mãe solo das gêmeas Evellyn e Esthella, 5, ela foi dispensada de um emprego anterior por precisar ficar com uma das filhas que adoeceu por dias. O atestado médico de acompanhamento pode ter resultado no encerramento de contrato, presume Stheffany. “Como mãe e trabalhadora, eu me senti desrespeitada. Mulheres mães têm muitos desafios em gerenciar uma rotina puxada e tem patrão que não entende”.

Mãe solo das gêmeas Evellyn e Esthella, 5, ela foi dispensada de um emprego anterior por precisar ficar com uma das filhas que adoeceu por dias.
Mãe solo das gêmeas Evellyn e Esthella, 5, ela foi dispensada de um emprego anterior por precisar ficar com uma das filhas que adoeceu por dias. Foto: Wagner Almeida / Diário do Pará.

A comerciante Rubilene Souza, 38, trabalha no ramo de confecções femininas há 12 anos. Mãe da Alice, 5, a funcionária afirma que se dividir entre trabalho e maternidade é um desafio diário. “É uma vida bem corrida”. Rubilene afirma que nunca sofreu qualquer tipo de discriminação ou empecilho no mundo do trabalho, mesmo quando a filha ainda era bem menor. “Neste sentido, eu nunca tive dificuldade. Sempre tive patrões compreensivos que deram apoio”.

A vendedora Janaína Silva, 38, mãe do Matteo, 1, e Ester, 7, presenciou uma situação que evidencia o preconceito na contratação de mães com crianças pequenas no mundo do trabalho. Durante uma entrevista para uma grande rede de supermercados da capital paraense, a recrutadora perguntou se Janaína tinha filhos e quantos eram.

A vendedora Janaína Silva, 38, mãe do Matteo, 1, e Ester, 7, presenciou uma situação que evidencia o preconceito na contratação de mães com crianças pequenas no mundo do trabalho.
A vendedora Janaína Silva, 38, mãe do Matteo, 1, e Ester, 7, presenciou uma situação que evidencia o preconceito na contratação de mães com crianças pequenas no mundo do trabalho. Foto: Wagner Almeida / Diário do Pará.

“Lembro quando a recrutadora disse que eu tinha um filho muito pequeno e que qualquer coisa entraria em contato. Ali eu senti na hora que não me aceitaram”, comentou.

Mãe do Renato, 15, do Renan, 14, e do Ricardo, 10, a autônoma Renata Alves, 30, divide a tripla maternidade com a rotina na venda de pipocas na região do Comércio. Mãe solo, Renata se dedica aos filhos pela manhã e pela tarde segue com o trabalho das vendas. “É aqui que consigo tirar a renda para o sustento dos meus filhos”.

Andressa Silveira, 23, trabalhava como babá, mas precisou largar o emprego na reta final da primeira gravidez. Mãe solteira da Ágatha, 5, e da Éloa, 3, ela encontra-se desempregada em busca de recolocação no mercado. A dificuldade enfrentada por ela é encontrar uma pessoa de confiança para cuidar das duas filhas para que ela possa sair para trabalhar. Além disso, Andressa também afirma que muitas empresas perguntam nas entrevistas se você tem filhos. “Somos mães que queremos oportunidades para trazer dinheiro para casa. É uma grande dificuldade achar emprego por conta destas perguntas que fazem nas entrevistas”.

INCLUSÃO

Para a executiva de recursos humanos especialista em carreira e diretora da Associação Brasileira de Recursos Humanos Pará (ABRH-PA), Anna Padinha, a inclusão de mães no mercado de trabalho é mais do que uma questão de equidade, é uma estratégia inteligente para as empresas. A especialista em carreira explica que a diversidade traz inovação, melhora o clima organizacional e aumenta a retenção de talentos. Investir em políticas de apoio às mães cria um ambiente de trabalho mais humano e produtivo, beneficiando tanto as organizações quanto a sociedade como um todo.

diretora da Associação Brasileira de Recursos Humanos Pará (ABRH-PA), Anna Padinha
diretora da Associação Brasileira de Recursos Humanos Pará (ABRH-PA), Anna Padinha

“Além disso, reconhecer as competências que a maternidade pode trazer, como maior adaptabilidade e capacidade de priorização, ajuda a desconstruir preconceitos e valorizar plenamente o potencial das profissionais”.

Anna Padinha ressalta que são grandes os desafios da inclusão da mulher no mercado de trabalho e por igualdades salariais e de oportunidades, sendo as mães que mais sofrem ainda com discriminação em processos seletivos, com perguntas inapropriadas sobre filhos ou planos de maternidade, que podem levar à exclusão.

“Muitas mães enfrentam ainda dificuldades em progredir na carreira, já que a maternidade é vista como um empecilho para assumir cargos mais estratégicos. A sobrecarga da chamada ‘jornada dupla’, combinando trabalho remunerado e responsabilidades domésticas, também impacta significativamente seu desempenho e saúde mental”.

Promover a inclusão das mães no mercado de trabalho exige mudanças estruturais nas empresas, pois segundo a executiva de recursos humanos, é importante lembrar que incluir é oportunizar melhorias para as mães, como oferecer creches corporativas ou auxílios para assistência infantil, além de alternativas como horário flexível ou home office. “Programas de mentoria e redes de apoio voltados para mães podem ser um diferencial importante”.

Para se reinserir no mercado de trabalho, a mãe deve buscar atualizações em sua área por meio de cursos, certificações ou workshops, e inclusive ter uma rede social profissional ativa, como o Linkedin, para participar de redes de networking, como grupos profissionais e eventos da área, sendo assim uma maneira eficaz de se reconectar ao mercado.

“É importante revisar o currículo, destacando experiências profissionais e preparar-se para entrevistas com uma narrativa que conecte essas vivências pessoais às competências profissionais. Além disso, refletir sobre as condições de trabalho ideais para o momento atual, como flexibilidade e suporte à rotina familiar, ajuda a fazer escolhas alinhadas às suas necessidades”.

DIREITOS

De acordo com a advogada trabalhista Gabriela Rodrigues, as mães trabalhadoras que estão ativas no mercado de trabalho, sejam celetistas ou contribuintes individuais, possuem uma série de direitos assegurados pela legislação brasileira. Esses direitos visam garantir a proteção da maternidade e da relação de trabalho, conforme previsto principalmente na Constituição Federal de 1988 e na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

“O respeito aos direitos das mães trabalhadoras é essencial para promover um ambiente de trabalho justo e saudável. A mãe trabalhadora, seja celetista ou contribuinte individual, tem à disposição diversas proteções legais e canais de denúncia e resolução de conflitos. Em caso de dúvida ou desrespeito, é sempre recomendável buscar a orientação de um advogado especializado para melhor condução do caso”.

As mães trabalhadoras celetistas possuem como direitos licença-maternidade, estabilidade provisória no emprego, intervalo para amamentação, mudança de função ou horário, dispensa para consultas e exames pré-natais, direito ao salário-maternidade e creche ou auxílio-creche. Para as trabalhadoras autônomas e contribuintes individuais, os direitos são mais restritos e estão vinculados à condição de seguradas do INSS, com salário-maternidade e cobertura previdenciária.

A especialista Gabriela Rodrigues destaca que, atualmente, as mães enfrentam barreiras significativas no mercado de trabalho, tanto para garantir seus direitos quanto para conciliar as responsabilidades profissionais e familiares, e que a discriminação pós-licença-maternidade é um desafio persistente. “Dados mostram que até mais de 20% das mulheres são demitidas nos primeiros meses após o retorno ao trabalho e que, em até 24 meses, quase metade delas pode sair do mercado”.

Para a advogada, os principais obstáculos incluem falta de flexibilidade no trabalho, ausência de creches no local, disparidade salarial e dificuldade para reintegração após a licença, como conciliar as atividades de trabalho com as necessidades de cuidar da criança pequena, especialmente se não houver suporte adequado. Embora iniciativas de empresas, como políticas de horários flexíveis, salas de amamentação e programas de mentoria, estejam ganhando espaço, muitas empresas ainda não implementam práticas inclusivas, deixando uma lacuna importante para as mães no mercado.

“A realidade evidencia a necessidade urgente de conscientização e políticas públicas mais rigorosas para proteger e valorizar as mães no ambiente de trabalho, ajudando-as a equilibrar maternidade e carreira de forma mais justa”, reforça Gabriela Rodrigues.