
Os discos de vinil marcaram a revolução na indústria fonográfica mundial. Criado em 1948, a pedido da gravadora americana Columbia Records, a tecnologia substituiu os discos de Goma-Laca, conhecido como “78 rotações”. Se consolidou no mercado mais tarde em vários tamanhos, cores e encartes. Apesar das novas mídias, vendedores, colecionadores e admiradores dos discos mantêm viva a “cultura do vinil” em suas amplas coleções.
Antes chamados de “Long Playing Record”, em português “disco de longa duração”, o LP é uma chapa de policloreto de vinil (PVC) mais maleável que a tecnologia anterior. No disco, as ondas sonoras são literalmente desenhadas, formando microssulcos que, ao passar da agulha, revelam o som gravado.
A relação de Leo Bitar com os discos de vinil remonta à infância, quando, influenciado pelo pai, brincava de ouvir os LPs de histórias infantis e música brasileira. Não demorou muito tempo para que, estimulado pelo patriarca, que sempre comprava discos, ele começasse a escolher os próprios vinis e a iniciar sua coleção. Durante a adolescência, Leo se interessou pelas artes e, através do teatro, uniu as duas paixões e começou a trabalhar com sons para espetáculos.
O ofício teatral o levou a estudar a música e suas tecnologias, período marcado pela criação dos CDs e a transição de uma indústria fonográfica analógica para a era digital. Morando em São Paulo, no início dos anos 1990, os vinis começaram a “jorrar” em sebos, já que a maioria das pessoas começava a trocar de mídia.
“Eu tinha um bom equipamento de toca-discos, o vinil ainda soava melhor para mim do que o CD. Então, eu comecei a comprar discos que eu não tinha oportunidade. Nos anos 80, eu comprava Beatles, Rolling Stones, David Bowie, tudo em vinil brasileiro. Quando fui morar em São Paulo, os vinis começaram a chegar aos sebos, comecei a comprar vinis originais de época americanos, ingleses, japoneses que muitos tem uma prensagem e qualidade melhores que as do Brasil”, relembra o colecionador.
Assim, a coleção ganhou forma e encorpou em número de discos. De volta a Belém, já no início dos anos 2000, percebeu que a antiga tecnologia voltou a ser fabricada no país, dessa vez, com alguns selos independentes querendo lançar novos artistas em LPs. Foi no ano de 2014 que o colecionador abriu o selo fonográfico “Discosaoleo”, pioneiro em Belém. Localizado na travessa Campos Sales, o espaço também funciona como uma loja especializada em vinis, além de local para apresentações culturais autorais e diversas.
“Aqui na loja tem de tudo: música erudita, black music, música de novela, tem jazz, tem música dos anos 80, música do Norte, música paraense, mas tem muito mais música brasileira e Rock and Roll, que é o que as pessoas mais procuram. Hoje em dia tem dois estilos de público, uma moçada nova que está começando a fazer a coleção, mas que acha o maior barato parar para ouvir um disco; e tem os colecionadores, que procuram discos raros e prensagens mais antigas”, relata Leo Bitar.
Segundo o proprietário, o sucesso dos vinis ainda nos dias de hoje é explicado, principalmente, pela qualidade sonora das gravações, que é superior às demais tecnologias fonográficas, como as fitas cassete, CD, MP3, e as atuais plataformas digitais. Além disso, os vinil funciona como um livro, uma mídia física que demanda certos cuidados e um momento específico para ouví-lo.
“No vinil, a gente tem um corpo maior de som, uma profundidade sonora maior e o palco sonoro, os timbres dos instrumentos, soam melhor que qualquer outra mídia. A outra coisa é o próprio objeto, que você pega, coloca na vitrola e coloca a agulha para tocar. É um ato de paixão, de uma poesia. Quando fazes isso, tu te sentas com a capa e para olhar a fotografia, a arte, a ficha técnica, a produção e continua ouvindo. Tu paras um pouco a vida para ouvir o disco, muito diferente do digital, é como um livro”, explica o pesquisador de sonoridades.
VENDA
Em Belém, ainda há alguns espaços que resistem e continuam a vender os discos de vinil a um preço acessível. Um deles é o estabelecimento do “Nando Vinil”, localizado próximo ao Mercado de São Brás. A relação dele com os LPs iniciou ainda na década de 1980, quando começou a vender os discos com o pai em frente ao instituto Lar de Maria, onde existia uma feira. Com o falecimento do genitor, ele passou a vender os discos ao lado do mercado e posteriormente dentro, onde ficou por mais de 20 anos.
Com a deterioração do patrimônio, Nando Souza resolveu se mudar para os arredores do mercado, onde até hoje vende não somente os vinis, mas todo tipo de antiguidades, como CD, VHS, VCD, DVD, câmeras analógicas, máquinas de datilografia e toca discos. Detentora de mais de 40 mil discos de vinil à venda, a loja recebe todos os tipos de cliente.
“Aqui tem todos os estilos música, bolero, Jovem Guarda, merengue, cumbia, brega, lambada, carimbó, guitarrada, música paraense, MPB, Pop, Soul, Flash Back, Mid Back, Rock nacional e internacional, é uma infinidade de opções. Hoje até criança vem comprar comigo, principalmente para trabalhos de escola, além de muitos colecionadores. Tenho clientes de toda Belém, dos interiores do estado e até do Rio e São Paulo que vem comprar vinil”, conta o vendedor.
Segundo o proprietário, o bom tratamento dos clientes é o diferencial para conquistar sempre novos públicos e ampliar a cultura do vinil. “Quando apareceu o CD, muita gente deixou o vinil, mas eu nunca deixei de vender. As vendas caíram, mas eu acompanhei também outros tipos de mídia. O vinil é algo diferente porque você o som, mas também avalia a capa, as informações da produção do disco e também há uma certa emoção em colocar um disco para tocar porque o som é muito bonito”, afirma Nando.
CULTURA
A história da sonoridade paraense está intrinsecamente ligada aos discos de vinil. Foi na década de 1950 que o técnico de som autodidata Milton de Almeida Nascimento construiu a pioneira Sonora Paraense Alvi Azul. Movida à válvulas, a precursora das atuais aparelhagens foi responsável pela popularização de ritmos popularmente regionais, como o Carimbó, o Merengue, Lambada e demais sonoridades amazônicas feitas para dançar “agarradinho”.
À época, as aparelhagens eram formadas por um tripé de profissionais: o controlista, ou DJ; o animador, responsável por alvoroçar o público; e o discotecário, quem escolhia os discos e faixas a serem tocadas. Para tocar nas casas de festa, o criador chegou a acumular mais de 10 mil discos, entre LPs e compactos, com uma extensa diversidade de gêneros musicais que iam desde o Rock ao Brega. A tecnologia também foi responsável pela divulgação dos próprios Sonoros. Em discos de acetato eram gravadas os chamados “prefixos”, vinhetas que anunciavam à comunidade local que a aparelhagem tocaria por ali.
“Essa cena das aparelhagens de hoje deve-se muito ao que meu pai construiu anos atrás. Ele era autodidata e percebeu que a Amazônia precisava de uma sonorização. Antes era tudo feito nos “tambores da Amazônia”, nos quintais da Matinha, Terra Firme, Guamá, sem sonorização, somente o som dos instrumentos acústicos. Foi daí que surgiu a ideia de montar os primeiros Sonoros para ampliar as músicas da Amazônia”, conta o DJ Junior Almeida, filho do criador das aparelhagens.
Segundo o discotecário, o pai contava que o famoso Mestre Verequete, na época ainda pouco conhecido, não tinha condições de produzir um disco de vinil. Por isso, o artista andava junto com ele nas festas do Sonoro Alvi Azul para que a apresentação do grupo fosse gravada em uma fita que seria tocada no dia posterior, a única forma de divulgar a produção de um dos maiores mestres de Carimbó do estado do Pará.
Atualmente, os DJs Junior Almeida e Moreno Vinil mantêm um trabalho de discotecagem orgânica e analógica. Utilizando o disco de vinil, eles fazem um trabalho 100% original, sem filtro que sai direto da fita para o público. O intuito é salvaguardar a memória das sonoridades Amazônicas através da música regional e das antigas práticas do antigo Sonoro.
“Foi um legado que me deixaram e eu percebi que não precisava mais montar uma aparelhagem, mas contar a história dela. A gente viaja muito hoje e a gente leva os discos e faz a discotecagem mostrando toda a nossa produção de vinil da Amazônia, misturando o nosso carimbó com os sons internacionais, como lambadas, merengues, cumbias e assim vai”, relata o DJ Junior, também colecionador.