Aos 60 anos, José Ribeiro de Jesus sofreu um desmaio em frente à casa onde reside, no bairro do Parque Verde, em Belém, e foi levado ao Hospital Metropolitano de Urgência e Emergência, em Ananindeua, onde foi submetido à tomografia e encaminhado pela Regulação ao Hospital Ophir Loyola (HOL).
Diante dos resultados dos exames de imagem, o Grupo de Neurocirurgia Vascular e Neurorradiologia Intervencionista do HOL realizou uma microcirurgia para tratamento da malformação arteriovenosa cerebral (MAV) com paciente acordado, no último dia 7 de setembro.
O procedimento foi transmitido de forma simultânea, em alta resolução, pela primeira vez para o auditório do Hospital, entregue pelo governo do Estado no último dia 31 de agosto. O idoso não sofreu danos neurológicos e recebeu alta hospitalar sete dias após a cirurgia.
“Nem sabia que existia essa doença. Eu não sentia nenhuma dor. Um dia acordei com uma ardência na testa, desmaiei e convulsionei. Só acordei num hospital. Só sei o que a minha família me contou. Só tenho a agradecer aos médicos que me atenderam com muita referência. A cirurgia foi um sucesso, e considero um presente de aniversário”, disse José Ribeiro, que completou 61 anos na última terça-feira (12).
Falha genética – Considerada uma doença rara, a MAV é uma anomalia originada por falha nas conexões entre artérias e veias, formando um emaranhado de vasos. A partir da sétima semana de vida embrionária essa condição faz os pequenos capilares arteriais e venosos se juntarem, formando uma comunicação direta entre veias e artérias. Geralmente, a doença se manifesta entre os 20 e 30 anos de idade. No Pará, o “Ophir Loyola” atende cerca de 70% da demanda.
A falha acomete de 0,04% a 0,08% da população mundial. Segundo o coordenador do Serviço de Neurorradiologista Intervencionista do HOL, Eric Paschoal, “a disfunção sofre influência genética tem alta incidência em asiáticos ou descendentes, tal como ocorre na região Norte em razão do ancestral ameríndio, que compõe 54% da identidade genética do indivíduo nortista”. Ainda segundo o especialista, a mudança no comportamento biológico da lesão ocasiona um sangramento, que assume caráter inflamatório e pode levar a um acidente vascular cerebral hemorrágico.
O Hospital acolheu o primeiro caso de malformação arteriovenosa cerebral para tratamento com a técnica em 2017. Na ocasião, um estudante de Direito foi submetido a uma intervenção cirúrgica, conseguiu finalizar a graduação e vive sem nenhuma sequela. O grupo de especialistas do HOL tem reconhecimento nacional e internacional pela expertise no tratamento, em especial com o uso da técnica Awake Surgery (microcirurgias com pacientes acordados) e monitoramento neurofisiológico durante o ato cirúrgico. Os procedimentos são realizados com excelência em poucos centros do Brasil e de outros países.
Aprimoramento – A equipe aprimorou a técnica original utilizada nos Estados Unidos, e vem se destacando na área médica. A metodologia usada em José, associada ao monitoramento da atividade cerebral em tempo real, permitiu que a malformação fosse ressecada sem causar danos ao cérebro. Inicialmente, o paciente foi submetido a uma avaliação neuropsicológica e neurofisiológica antes da anestesia, e recebeu eletrodos em todo o corpo e na superfície do cérebro.
“Após a abertura do osso do crânio, os anestesiologistas reduziram o nível de sedação para que acordasse e respondesse aos comandos da neurofisiologista Vanessa Bastos, de São Paulo. Ela aplicou testes para avaliar as funções eloquentes do cérebro, responsáveis pela linguagem, memória, visão, interpretação e movimento. Com essa técnica conseguimos fazer uma ressecção segura e sem déficits. Usá-la é uma grande desafio em termos de excelência em Neurocirurgia. Portanto, requer muito conhecimento anatômico do cérebro e das técnicas de dissecção e de microcirurgia”, explicou Eric Paschoal.
O Hospital Ophir Loyola conta com um Programa de Neurocirurgia Vascular e Neurorradiologia Intervencionista, avaliado como um dos melhores do Brasil. Além da microcirurgia e neurofisiologia, serviços de hemodinâmica e radioterapia para o tratamento da malformação arteriovenosa cerebral, o HOL dispõe de um programa de treinamento com simuladores virtuais e de silicone para aperfeiçoar o especialista e treinar o médico residente. O Hospital também realiza pesquisa de avaliação da genômica, por meio de parceria com o Laboratório de Biologia Molecular da Universidade Federal do Pará (UFPA).
Segundo o médico e professor Eric Paschoal, em breve a técnica Awake integrará um programa de pesquisa destinado a beneficiar, prioritariamente, pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). “Iremos publicar um artigo científico para apresentar o maior registro de casos no mundo, e que obtiveram excelentes resultados após tratados por nossa equipe. Isso demonstra o quanto a instituição é pioneira em diversos tratamentos neurocirúrgicos na região Norte, e até em nível nacional. Esse é mais um trabalho evidenciando que o ensino, a pesquisa, a extensão e ação social andam de mãos dadas para o melhor desfecho”, afirmou o especialista.