
Belém - No dia 28 de fevereiro de 1998, o Presídio São José, localizado no coração de Belém, foi palco de uma das rebeliões mais violentas e marcantes da história do sistema prisional do Pará. O motim, que durou 28 horas, resultou em mortes, reféns e cenas de extrema violência, culminando no fim do uso do prédio como presídio e deixando um legado de trauma e transformação para a cidade.
A rebelião foi liderada por José Augusto Viana David, conhecido como Ninja, um preso respeitado entre os detentos por seu histórico de assaltos a bancos. Ninja, que havia sido preso após matar uma bancária durante um assalto ao Banco do Brasil na Padre Eutíquio, planejou a revolta como uma tentativa de fuga. No entanto, o motim rapidamente escalou para um cenário caótico, com presos tomando reféns, incluindo um padre e agentes prisionais, e confrontos violentos entre os próprios detentos.
Os Reféns e a Tensão
Entre os reféns estava o padre José Maria, que havia entrado no presídio para celebrar uma missa, e a agente de pastoral Maria do Socorro, além de sete agentes prisionais. A tensão era palpável, tanto dentro quanto fora do presídio. Ruth Helena Henriques Rodrigues, 65 anos, moradora da rua localizada aos fundos do presídio, lembra do clima de medo que tomou conta do bairro. “Eles quebraram nove das 16 vidraças da minha casa, atirando objetos de lá de dentro. Lá de cima, a gente via os presos encapuzados sufocando uns aos outros. Era horrível”, relata. Ruth e sua família tiveram que deixar a casa e se refugiar na casa de um irmão no bairro do Promorar, só retornando uma semana depois, com escolta policial.
A Morte de Ninja e o Fim da Rebelião
Em meio ao caos, os presos discutiram entre si, e um dos detentos acabou atirando e matando Ninja, o líder do motim. Para provar para a polícia que o líder havia sido morto e que a rebelião poderia ser encerrada, os presos protagonizaram uma das cenas mais chocantes da história recente de Belém. “Eles amarraram o corpo do Ninja e o desceram por uma corda, balançando-o diante dos olhos da polícia e da imprensa”, conta Antônio Melo, repórter fotográfico do Diário do Pará, que cobriu o evento. “Foi uma cena surreal, que marcou a todos que estavam lá”.
O Legado da Rebelião
A rebelião resultou na morte de três pessoas, incluindo Ninja, e na descoberta de armas, armas brancas e um túnel de fuga de 4 metros dentro do presídio. Após o fim do motim, os presos foram transferidos para outras unidades prisionais, e o São José foi desativado em 2000. O prédio, que havia sido construído em 1749 e funcionado como presídio desde 1843, foi restaurado e transformado no Espaço São José Liberto, dedicado à cultura e ao artesanato.
Memórias de Quem Viveu o Presídio
As lembranças do presídio, no entanto, não se resumem à rebelião. Therezinha da Luz Maia, 92 anos, que cresceu nas proximidades do São José, recorda com nostalgia os tempos em que o presídio fazia parte do cotidiano do bairro. “Os presos pediam cigarros e a gente levava. Era uma convivência tranquila, até aquele dia”, diz ela, referindo-se à rebelião. Já Ruth Helena lembra dos presos que trabalhavam na limpeza das ruas e na fabricação de móveis de madeira, uma prática comum antes do motim.
O Memorial da Cela Cinzeiro
Hoje, o Memorial da Cela Cinzeiro, instalado em uma antiga cela do presídio, preserva a memória desse capítulo sombrio. Objetos encontrados após a rebelião, como armas caseiras e fotos da época, contam a história de um dos episódios mais trágicos da história recente de Belém. Para muitos, como Ruth Helena, visitar o memorial é uma forma de refletir sobre o passado e o futuro. “É triste lembrar, mas é importante não esquecer”, diz ela.
A rebelião de 1998 marcou o fim de uma era para o Presídio São José, mas também deixou um legado de reflexão sobre as condições do sistema prisional e a violência que permeava a instituição. Hoje, o Espaço São José Liberto, com sua beleza e tranquilidade, contrasta com o passado sombrio do local, mas mantém viva a memória daqueles que viveram e sofreram dentro de seus muros.