Luiz Flávio
A imigração italiana para o Brasil se deu no final do século 19, quando a população da Itália passava por grandes crises econômicas e sociais. No Estado do Pará os imigrantes começaram a chegar no final do ano de 1800 e o período de maior chegada desses imigrantes se deu entre 1920 e 1930.
Há 150 anos, em 17 de fevereiro de 1874, chegava ao porto de Vitória, na então província do Espírito Santo, uma embarcação a vela chamada La Sofia. A bordo, 388 pessoas oriundas da península itálica, na maioria das regiões do Veneto e de Trento.
Historicamente, esse é considerado o marco inicial da imigração italiana no Brasil, já que a partir dali e até 1920 — considerado, segundo o IBGE, o momento áureo da imigração — o país recebeu cerca de 3,3 milhões de imigrantes. E o contingente italiano representava 42% do total.
Se a chegada se deu em 17 de fevereiro, o desembarque dos italianos só começaria quatro dias depois, devido aos procedimentos de quarentena. Por isso, o dia 21 de fevereiro é, oficialmente no Brasil, o Dia Nacional do Imigrante Italiano, instituído em 2008.
“Nesse momento na Itália surgiam propagandas enganosas fomentando a saída de italianos do seu país em direção a outros países como o Brasil, para fugir da miséria que se alastrava pelo país na época. Essa imigração acaba ocorrendo através de navios nada confortáveis e em alguns casos famílias eram separadas e muitos italianos iam para destinos não desejados por eles”, comenta Márcio Neco, professor e historiador.
Os que vinham para o Brasil eram empregados em fazendas pelo interior do país. Segundo o historiador, a vinda desses imigrantes era usada para dar início a um processo de “embranquecimento” da sociedade nas últimas décadas do século 19, processo que se intensificou no início do século 20.
No Pará, essa imigração foi estimulada pelo auge da era de ouro da borracha, quando muitas famílias de italianos chegaram no Estado. “Embora a maioria deles fosse de colonos, alguns partiram para a atividade comercial e muitos deles começaram a interagir com os hábitos e culturas amazônidas”. A maioria dos imigrantes italianos aportou em estados do Sul e Sudeste do país. No Pará muitos vieram da Calábria, Basilicata e Campânia, outros vieram do Vêneto, Lombardia, Ligúria, Emilia Romagna, Piemonte e da Sicília.
Grande parte dos italianos que chegavam aqui era direcionada para colônias agrícolas, muitas delas situadas à margem da estrada de ferro Belém-Bragança. Como a colônia Anita Garibaldi e Iaretama. “Muitos foram para hospedarias localizadas no distrito de Outeiro, onde tinham que passar por um grande período de quarentena e de vigilância sanitária para em seguida poderem começar a trabalhar”.
Outra forte influência italiana na região se deu na religião com a chegada de missões de ordens como Capuchinhos, Barnabitas, Salesianos e Jesuítas à região. Essas ordens italianas atuaram fortemente na criação de escolas e fundação de hospitais.
“É bom lembrar que bem antes dessa imigração iniciada no final do século 19, a influência italiana no Estado já era grande, vide os projetos desenvolvidos na capital pelo arquiteto italiano Antônio Landi no século 18, que influenciou toda a arquitetura da nossa cidade. Já no século 19 tivemos Domenico De Angelis e Goivanni Caprese na construção do Theatro da Paz, que vieram para cá bem antes dessas famílias”.
ASSOCIAÇÕES
Posteriormente, esses imigrantes italianos fundaram muitas associações aqui, como a Societá Italiana de Beneficenza, criada em 1912 pelo cônsul italiano da época em Belém, onde começaram a se organizar e em 1928 criaram uma sede na antiga avenida 15 de Agosto hoje Presidente Vargas, na esquina da Manoel Barata.
Na década de 1920 os registros mostram, segundo o historiador, a presença de mais de 1.000 italianos no Estado do Pará organizados. “Com o fim da Segunda Guerra Mundial, essa presença foi reduzindo já que esses italianos foram muito hostilizados no país”, destaca. “Muitos retornaram à sua terra como voluntários para servir à pátria na Guerra”, conta.
Nessa época muitos italianos foram em direção ao oeste paraense, principalmente para Óbidos onde abriram comércios. “Hoje temos poucos italianos residindo em Belém, mas a sua cultura está impregnada em nossa cidade sobretudo em restaurantes e na religião com santos italianos como San Genaro, com a realização inclusive de festivais culturais e gastronômicos. É uma forma dos italianos que ainda vivem aqui manter suas relações afetivas com sua terra de origem e celebrar suas memórias”.
Lia Daniella Lauria é filha de Renato Lauria, natural da região de Tortora, na Calábria; e de Assunta Lauria, nascida em Maratéa, província de Potenza, região próxima da Calábria. “Os dois nasceram e casaram nessa região em 1949 e depois vieram para o Brasil. Meu pai foi carabinieri, da guarda do Rei, e lutou na Segunda Guerra Mundial”.
Ela conta que após a guerra, a Itália ficou devastada e, como seu pai tinha posses, rumou para o Brasil. “Meu pai tinha um primo empresário que veio primeiro para o Pará e que mandou buscá-lo. Primeiro moraram em São Paulo. Depois minha mãe veio e foram morar em Fortaleza, onde nasceram meus três irmãos mais velhos e depois vieram para Belém, onde eu nasci”.
Renato e Assunta abriram um restaurante na Sociedade Italiana, que funcionava na rua Manoel Barata, no centro da capital. A família também tinha uma fábrica de torrefação de café. “Em seguida eles abriram a Pizzaria Napolitana, que fez história em Belém, funcionando no Largo de Nazaré, esquina da Praça Justo Chermont com a avenida Generalíssimo Deodoro. Foi a melhor pizza de Belém por muitos anos e fechou em 2001 depois de 24 anos e da morte de meu pai”.
Desde que era bebê, Lia sempre ia anualmente para a Itália, para onde chega a ir de 2 a 3 vezes por ano atualmente, já que quase todos os seus parentes permanecem no país. “Já tirei minha cidadania italiana faz mais de 20 anos. Os italianos são um povo muito alegre e adoro falar das minhas origens, cozinhar as receitas da minha terra para meus amigos. Ano que vem farei 30 anos de casada e vou comemorar na minha terra, de frente para o Mediterrâneo, na cidade onde minha mãe nasceu e meus pais casaram”.
“Várias famílias de imigrantes se estabeleceram em Belém”
O engenheiro agrônomo aposentado Ítalo Claudio Falesi nasceu em Belém no dia 28 de outubro de 1932 e completará 92 anos de idade este ano. Seus avós Domenico e Giuseppina Falese e seu pai Francesco Falese, aportaram em Belém no ano de 1912 vindo da cidade de Castrovillari, na Calábria. Comerciante, Domenico fundou em Belém a Alfaiataria Falese, na rua Santo Antônio, próxima a então avenida 15 de Agosto, atual avenida Presidente Vargas. “Além da alfaiataria, comercializava também banha de porco, muito comum no Brasil devido a falta de óleo de cozinha”, conta Ítalo.
Em 1914 seu pai, Francesco, se alistou como voluntário para participar da Primeira Grande Guerra Mundial pelo Exército italiano, sendo ferido em 1917, quando deu baixa. Em 1921, casou em Castrovillari, província de Cosenza, Calábria, com Antonietta, voltando para Belém. Do casal, nasceram 6 filhos – entre eles Ítalo- sendo 3 mulheres e 3 homens. Do segundo matrimônio nasceu mais uma filha.
FAMÍLIA
Ítalo adquiriu a cidadania italiana em 2009 e em consequência duas filhas e cinco netos também adquiriram a mesma cidadania. Viúvo, ele foi casado com Ruth Dias Falesi por 67 anos e teve 5 filhos, que lhe deram 15 netos e 5 bisnetos. Ainda possui primos morando na Itália.
“Várias famílias de imigrantes se estabeleceram em Belém, atuando em diferentes ramos do comércio. Além de Belém imigrantes foram para o baixo Amazonas, principalmente para as cidades de Óbidos, Oriximiná e Santarém. A colônia italiana fundou a Sociedade Italiana, funcionando inicialmente na rua Manoel Barata próxima a atual avenida Presidente Vargas”.
O local, conta, era frequentado por familiares e amigos brasileiros dos imigrantes. “A Sociedade Italiana mantinha em funcionamento a Escola Dante Alighieri, cujos filhos estudavam a língua italiana e a história. Com a II Grande Guerra Mundial, após a entrada da Itália nesse conflito, a Sociedade Italiana foi fechada”, recorda Falesi, que é professor aposentado da Universidade Federal Rural da Amazônia e pesquisador aposentado da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).