
Independente de qual for a geração, em algum momento, por algum motivo, seus representantes vão buscar e até mesmo se apaixonar por algo do passado e trazê-lo de volta ao presente, à rotina. No início dos anos 2000, a estética, música, moda dos anos 70 e 80 viraram febre por um tempo e uma onda de “revival” tomou conta de temáticas de festas, álbuns e uma sorte de outras coisas.
Pois agora a geração Z, que são os nascidos entre 1995 e 2010, está absolutamente encantada pelas câmeras fotográficas digitais não profissionais, lançadas no início deste século, de poucos megapixels de resolução, e também pelas analógicas, aquelas de filme fotográfico, que precisa mandar revelar em casas especializadas. Faça um teste: observe com alguma atenção o movimento de qualquer lugar frequentado pelo público jovem, seja escola, shopping, em uma festa à noite, e não vai ser difícil encontrar pelo menos um deles empunhando um equipamento do tipo para registros e mais registros.
O afã é tanto que tem quem já faça coleção de diferentes modelos – usados, é claro, visto que os itens saíram de linha e não são mais fabricados, mas que são comercializados, principalmente pela internet, por valores consideráveis.
Os motivos para explicar essa volta ao passado podem ser vários. Há psicólogos que creditam essa curiosidade à restrição do uso de smartphones no ambiente escolar, e essa é a maneira que os estudantes estão encontrando de continuar registrando fotograficamente suas rotinas.
Quem trabalha com comunicação, publicidade, fotografia, já aposta que a própria boa sensação de nostalgia pelo uso pode ser a grande responsável desse retorno, bem como o apreço pelo visual nada perfeito de duas décadas atrás – em paralelo ao por vezes irritante excesso de processamento de imagens que o telefone celular proporciona.
Companheira de todos os rolês
A publicitária Beatriz Araujo, de 26 anos, dificilmente sai de casa sem pelo menos um dos nove exemplares de máquinas fotográficas digitais antigas que coleciona. E para quem achou muito, ela avisa: já teve 15! O interesse pelos equipamentos vem da infância, das lembranças do pai fotografando todos os momentos em família, sempre.
“Fui crescendo e entendendo a importância desses registros, comecei a me encantar cada vez mais. Ver os álbuns antigos e reviver memórias me despertou esse desejo de também eternizar momentos”, conta ela.
Foi justamente com a esquecida Cybershot, da Sony, uma verdadeira obsessão dos anos 2000, que o pai tinha guardada, o seu primeiro contato com essa forma mais simples de fotografar. Virou companhia certa de Beatriz em todo lugar.
“É muito sobre a memória afetiva, sabe? Lembrar do meu pai usando aquela câmera para registrar nossos momentos me faz querer reviver isso. É uma forma de conexão, de manter essa vivência viva — e, quem sabe, passar adiante para as próximas gerações”, analisa a publicitária.
Por conta da procura em crescimento, ela admite que trata-se de um hobby caro de manter. Por isso, é preciso pesquisar. “Gosto muito das instantâneas, como as Polaroids, mas são as mais caras por causa dos filmes e acessórios. Antes de comprar qualquer coisa, pesquiso bastante para achar os melhores preços. Já as analógicas são um pouco mais complicadas aqui em Belém, especialmente por causa dos filmes, que normalmente peço online. É uma paixão meio ‘carinha’, mas vale a pena”, garante.
Imagens menos perfeitas, mais reais
Já o também publicitário Leandro Scantlebury, de 28 anos, relata que sua paixão por fotografia começou com os álbuns de família, e até hoje ele lembra da expectativa por ter filmes revelados após algum evento ou festa com muitas fotos tiradas.
Como as máquinas digitais eram bem caras, ele lembra que por muito tempo eram as analógicas que registravam a rotina da família. Inclusive a primeira câmera que Leandro teve, uma analógica, pertencia à sua mãe, que lhe repassou o item, guardado até hoje.
“Como os recursos eram um pouco mais limitados, a gente prezava por registrar o que de fato importava, o que foi totalmente abandonado pelas inúmeras facilidades que os celulares proporcionam hoje. Ganhamos em qualidade de imagem, mas perdemos a essência dos momentos e a espontaneidade”, pontua ele, que é dono de três câmeras “de filme” e duas digitais, as cinco em pleno funcionamento. “Cada uma tem uma boa história na minha vida”, garante o publicitário.
Leandro analisa ainda que as próprias redes sociais, em especial o TikTok, usado principalmente por quem já nasceu na era digital, tem a ver com essa volta ao uso das máquinas digitais. E com isso, como já antecipou Beatriz, os preços subiram.
“Uma CyberShot custa em média R$ 600, e até mais de R$ 1 mil, dependendo do modelo. Já no caso das analógicas, o que custa caro são os filmes – um filme de 36 poses custa em média R$ 130 hoje em dia. Eu sempre fico de olho em alguns sites de compras da China, e quando os preços estão bons, aproveito para renovar o meu estoque”, orienta.
Leandro também sempre lembra uma máquina digital consigo quando sai à noite e garante que o item faz sucesso, e todo mundo quer sair na foto.
“Já as fotos analógicas, eu gosto de usá-las para treinar o meu olhar, pensar mais nas fotos com cuidado e no que eu quero transmitir. É bom para estimular a criatividade e ver o que eu posso fazer sem o tanto de recursos que o celular permite”, relata.
Para situações únicas, registros únicos
Fotógrafa e produtora de conteúdo com formação em Artes Visuais, Raquel Sanches, 29, é outra entusiasta das máquinas de fotografia analógicas, mas justamente por conta do alto custo, ela deixa para usar em viagens – porque se antes ela pagava R$ 6 por um filme de 36 cliques e R$ 10 pela revelação, hoje nada disso sai a menos de R$ 130.
“Antes eu colocava uma câmera saboneteira no bolso e fotografava a cidade, a chuva, o cotidiano, tudo em filme. Hoje em dia não dá mais pra fazer isso, infelizmente, então eu prefiro deixar para situações em um lugar onde talvez eu nunca volte, em uma paisagem totalmente nova, algo surpreendente mesmo”, justifica ela, que na verdade revela ter uma enorme atração por itens antigos, de um modo geral.
“Sempre senti algo mágico em casas e objetos antigos, bairros de casas históricas e espaços que guardam memórias. Sempre gostei de filmes e séries de época, acho que por ter uma afinidade grande com as artes, sempre gostei de imaginar e estudar períodos onde a pintura, a música e a fotografia eram tão valorizados e prestigiados”, explica, lembrando ainda que era o avô quem mostrava a ela, ainda criança, os relógios e câmeras analógicas que tinha em casa.
Raquel tem hoje dez máquinas antigas, entre compactas e SLRs (Single Lens Reflex), sendo duas herdadas justamente do avô, hoje já falecido, outra que o pai usava para fotografar viagens da família quando ela ainda era criança, e as demais do avó de um ex-namorado, sabendo da paixão de Raquel pelos itens, doou-lhes as que eram de seu marido quando ele partiu.
Em breve ela pretende vender algumas, até para que outras pessoas que também amam fotografia analógica possam registrar outras histórias e momentos com essas máquinas.
Assim como Beatriz e Leandro, Raquel lamenta a dificuldade em achar acessórios necessários à operação das câmeras, bem como locais para revelar os filmes fotográficos.
“Com a redução do mercado analógico, as fabricantes priorizaram os mercados da Europa, Estados Unidos e Ásia, que possuem uma cultura fotográfica muito mais forte e consomem muito mais filmes analógicos que no Brasil, logo, a importação se torna muito cara e os preços quase proibitivos no Brasil”, confirma, contando ainda que, em Belém, só há um local de revelação ainda em funcionamento.
Quanto à questão de as câmeras digitais de antigamente estarem de volta às ruas, e principalmente em festas e outros momentos de confraternização e lazer, Raquel vê a questão de forma mais objetiva.
“Sair fotografando na rua com uma câmera de R$ 5 mil, R$ 10 mil reais é um risco muito grande, então, com as câmeras digitais mais antigas, por serem compactas, elas dão mais liberdade e desprendimento de sair por aí. Inclusive a digital que teu tenho leva vantagem em relação à câmera do meu celular, porque tem muito mais zoom e profundidade de campo, além de cair no mesmo ponto: se roubarem meu celular, o prejuízo é muito alto”, encerra Raquel.