Cintia Magno
Quem vê o bioma conhecido pela presença de uma densa massa verde não imagina que a região onde hoje se encontra a Amazônia já foi marcada por um horizonte quase sem vegetação e onde reinavam imensos vulcões, mas é exatamente este o cenário apontado pelos estudos que seguem após a descoberta de resquícios de vulcões que estiveram ativos na Amazônia brasileira há quase 2 bilhões de anos. Entre as estruturas vulcânicas inativas já identificadas na região, a primeira delas tem por volta de 1,88 bilhões de anos e fica nas proximidades do rio Jamanxim, afluente do rio Tapajós, no Estado do Pará.
O monte arredondado com cerca de 200 metros de altura que se vê, hoje, é, na verdade, o vulcão mais antigo, neste estado de preservação, que se tem notícia. Localizado 120 quilômetros a sudoeste do município paraense de Itaituba, cortado pelo rio Jamanxim, o vulcão foi descoberto por um grupo de pesquisadores do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (IGc/USP), ainda no início dos anos 2000, e até hoje ganha repercussão em publicações científicas ao redor do mundo.
Os estudos sobre a presença de vulcões na região, que vem sendo realizados pela equipe de pesquisadores da USP desde 1998, apontam que vulcões eram frequentes naquela região do Estado do Pará, mais precisamente entre os rios Tapajós e Xingu, uma área que foi marcada pela intensa atividade vulcânica bilhões de anos atrás. Não apenas o primeiro vulcão identificado pelos pesquisadores se encontra lá, como também uma segunda estrutura vulcânica, localizada em 2001, distante 50 quilômetros do primeiro. Mas eles não são os únicos.
Ao longo dos anos, os pesquisadores já conseguiram identificar vestígios de várias outras estruturas vulcânicas que vivenciaram um período muito distante do atual, a era geológica chamada de Paleoproterozóica, e que impressionam por terem sido preservados por tanto tempo. Professor doutor vinculado ao Instituto de Geociências da USP e coordenador dos estudos que identificaram os primeiros vulcões, o geólogo Caetano Juliani explica que toda região dos arredores do Rio Amazonas possui evidências dessas atividades vulcânicas, mas elas se concentram especialmente a norte do Rio Amazonas, principalmente entre o Tapajós e o Xingu, que é onde também estão as estruturas melhor preservadas.
“Nós já identificamos muitas dezenas desses vulcões. O primeiro foi justamente no Estado do Pará, no Jamanxim, e outros que ficam no Xingu também, na região de Novo Progresso, que são todos no Estado do Pará, mas essa cobertura de rochas vulcânicas avança também para o Estado do Amazonas – e ali também foram descobertos vulcões, mas não são trabalhos nossos – e também caminhando em direção a Rondônia, no norte da Amazônia – que também não são trabalhos nossos, mas que envolvem pesquisadores da Universidade Federal do Amazonas e da Universidade Federal do Pará”.
Mais do que a presença dessas estruturas, o professor destaca que o que mais chamou a atenção, e que ainda continua despertando surpresa até hoje, é o nível de preservação delas.
“As rochas vulcânicas são bem conhecidas no mundo todo e existem rochas vulcânicas muito mais antigas do que essas, então, a surpresa que ocorreu quando nós iniciamos esse trabalho por volta de 2000 é, de fato, a preservação parcial do edifício vulcânico porque, como são rochas muito antigas, normalmente, no mundo todo, elas são destruídas por processo geológicos diversos. Então, a excepcionalidade, de fato, não é a atividade vulcânica em si nessa época, é a preservação parcial dos edifícios vulcânicos”, reforça. “Toda vez que nós apresentamos esses trabalhos no exterior, todo mundo pergunta como que isso ficou preservado todo esse tempo”.
Para que se tenha uma ideia de quanto tempo está em questão, o pesquisador lembra que a Terra tem cerca de 4,5 bilhões de anos e tais estruturas vulcânicas encontradas parcialmente preservadas na Amazônia brasileira estão ali há metade da vida do planeta, há cerca de 2 bilhões de anos. Ainda que o nível de preservação das estruturas já estudadas seja muito variável, o geólogo lembra, ainda, que se trata de uma região muito extensa, o que reforça a importância científica da descoberta.
“Embora isso não seja muito conhecido mundialmente, o que nós temos de dados indicam que essa atividade vulcânica gerou rochas que cobriram mais de 1 milhão de quilômetros quadrados na Amazônia toda. Então, é uma área muito grande, que vai de Rondônia até o Mato Grosso, de São Félix do Xingu (PA) até o Amazonas. Tudo o que os nossos dados estão indicando é que para esse tipo de atividade vulcânica essa provavelmente é a maior atividade vulcânica desse tipo no mundo”.
Vulcões podem ter influenciado o desenvolvimento de reservas de minerais
Mais do que o testemunho de uma época muito distante, tais estruturas também podem guardar, debaixo deles, reservas de metais como cobre, zinco, prata e até ouro. A descoberta do primeiro vulcão localizado na Amazônia brasileira, inclusive, está ligada a estudos sobre a formação desses metais.
O geólogo e professor doutor vinculado ao Instituto de Geociências da USP, Caetano Juliani, explica que ainda no início dos anos 2000 a equipe de pesquisadores estava estudando as mineralizações de ouro na região, quando a descoberta do primeiro vulcão ocorreu.
“O que nós não esperávamos era que parte desse ouro, senão todo ouro ali dessa região amazônica, foi gerada por essas atividades vulcânicas. Isso foi uma descoberta também muito surpreendente porque a formação do ouro em rochas vulcânicas desse tipo de 400 milhões de anos para cá é muito bem conhecida, mas nunca ninguém tinha conseguido descobrir coisas mais antigas do que isso. Então, foi a primeira vez no mundo que foi descoberta essa relação tão antiga”.
Atualmente, os pesquisadores do Instituto de Geociências da USP dão continuidade aos estudos, inclusive em parceria com a Universidade Federal do Pará (UFPA), e o que se observa é que as contribuições deixadas pela presença de estruturas vulcânicas tão bem preservadas envolvem desde o interesse científico em si, até o interesse pela formação de minérios e estudos sobre a formação do solo.
“Hoje, por exemplo, nós sabemos muito bem como os continentes estão se separando, como as placas tectônicas se movimentam, mas esse período de 2 bilhões de anos é muito pouco conhecido ainda, então, há um interesse científico enorme porque é como um laboratório quase único que a gente pode usar para entender aquele período e nós estamos trabalhando sobre isso”, considera o pesquisador.
“Em segundo lugar nós temos estudos sobre a questão do solo porque como as rochas vulcânicas variam, esses tipos de rocha, quando se decompõem pelo intemperismo, geram solos diferentes e o terceiro ponto é que, de fato, com a descoberta desses vulcões e dos minerais associados, hoje a gente tem um potencial teórico para encontrar muito mais mineralizações de ouro, de cobre, de molibdênio na região. Esse é um potencial a se comprovar, mas algumas coisas desse tipo já estão sendo descobertas, principalmente no estado do Mato Grosso”.
As pesquisas desenvolvidas pelo grupo de pesquisadores do Instituto de Geociências da USP sobre os vulcões na Amazônia são financiadas pela FAPESP, juntamente com o CNPq, além de receberem apoio da Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (Fapespa), do Pará, por intermédio do Prof. Carlos Marcello Dias Fernandes, vinculado ao Instituto de Geociências da Universidade Federal do Pará (UFPA).
CENÁRIO
Na época em que os vulcões localizados na Amazônia brasileira se mantinham ativos, na era geológica chamada de Paleoproterozóica, o cenário avistado na região era bem diferente do atual. O geólogo e professor do Instituto de Geociências da USP, Caetano Juliani, aponta que naquele período histórico não existiam plantas nos continentes.
“O que nós tínhamos eram sistemas de rios, mas não tinham animais e nem nada mais”, pontua. “Então, era um cenário completamente diferente e que não se correlaciona com nada que a gente vê agora. Na verdade, a floresta Amazônica é muito nova. As plantas começaram a ocupar os continentes há mais ou menos 400 milhões de anos atrás, então o que nós tínhamos era uma coisa completamente diferente”.
“Nós temos dados interessantíssimos em que a gente consegue identificar em algumas rochas marcas de gotas de chuva, as coisas estão tão preservadas que a gente consegue identificar até onde estava dando um chuvisco há mais ou menos 2 bilhões de anos atrás”. Caetano Juliani, professor doutor vinculado ao Instituto de Geociências da USP.