Quando se trata dos efeitos causados pela crise climática, os impactos na sensação térmica sentida pela população é apenas uma entre tantas consequências. A maior frequência ou intensidade de eventos climáticos extremos também afeta diretamente os sistemas alimentares em todo o mundo, colocando em risco a segurança alimentar.
A gerente de Políticas Públicas da ONG Pacto Contra a Fome, Rafaela Vieira, lembra que a segurança alimentar e a pauta climática estão diretamente conectadas. “As mudanças climáticas afetam diretamente a produção de alimentos, influenciando sua disponibilidade e preço. Produtos mais saudáveis, como frutas, verduras e legumes, são especialmente sensíveis a variações de temperatura, chuvas e outros fenômenos climáticos”, explica.
“Como resultado, esses alimentos podem se tornar mais caros e menos acessíveis. Hoje, por exemplo, apenas 25% dos brasileiros conseguem pagar por uma dieta saudável”.
Outro efeito destacado por Rafaela é o aumento do desperdício de alimentos devido às mudanças na temperatura, que podem acelerar o amadurecimento de frutas e verduras, resultando na redução de seu tempo de consumo ideal e no consequente descarte prematuro. “A crise climática não afeta apenas o meio ambiente, mas também o que chega ao prato das pessoas e o quanto elas precisam gastar para se alimentar de forma saudável”.
Mais do que uma projeção, os impactos da crise do clima na segurança alimentar já demonstram os seus efeitos. No Brasil, um exemplo desse cenário foi evidenciado pelas chuvas que atingiram o Rio Grande do Sul em 2024.
“As chuvas que atingiram o Rio Grande do Sul no ano passado, afetando 2,4 milhões de pessoas, foram 6% a 9% mais intensas por conta das mudanças climáticas e afetaram, por exemplo, a produção do arroz, criando uma crise em todo o Brasil”, exemplifica a Gerente de Políticas Públicas do Pacto Contra a Fome. “A seca extrema que atingiu a região Amazônica resultou em inúmeros focos de incêndios que devastaram 16,9 milhões de hectares de floresta e áreas cultiváveis”.
Diante dos riscos, que se unem a fatores já conhecidos como a pobreza e a desigualdade, Rafaela destaca que a crise climática também precisa ser encarada como uma ameaça ao combate à fome. O que significa que é necessário pensar em políticas públicas que consigam mitigar esses efeitos.
Uma boa oportunidade para o Brasil não apenas discutir o assunto, mas também assumir um protagonismo se dará durante a 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas para Mudança do Clima (COP30), que será realizada no Estado do Pará neste ano.
“O Estado do Pará, que sediará a COP30, possui uma posição estratégica para liderar iniciativas que integrem sustentabilidade climática, inclusão socioeconômica e segurança alimentar. Algumas ações que podem ser destacadas incluem incentivo a modelos sustentáveis de produção na agricultura, transição agroecológica e acesso à crédito compatível com a realidade dos pequenos produtores, incluindo extrativistas, assentados, indígenas e quilombolas”, avalia Rafaela Vieira.
“Nós, do Pacto Contra a Fome, acreditamos que é preciso pensar em ações integradas, multissetoriais e que agregem inclusive o setor privado. No Pará, temos desenvolvido iniciativas estratégicas que podem contribuir diretamente para esse legado do estado na COP, conectando políticas públicas, fortalecimento do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) e aprimoramento dos fluxos de abastecimento de alimentos no estado”.
Entre as iniciativas destacadas por Rafaela está um projeto que busca fortalecer o SISAN. “O projeto piloto do Pacto Contra a Fome no Pará, em parceria com a SEASTER e com apoio técnico e financeiro da Vale, busca apoiar o fortalecimento do SISAN, promovendo governança integrada e multissetorial para garantir que as políticas públicas de segurança alimentar sejam bem estruturadas no estado”, aponta.
“Em outra frente, que chamamos projeto CEASAs, temos como objetivo diagnosticar e propor melhorias nos fluxos de abastecimento e distribuição de alimentos na Ceasa Pará, reduzindo desperdícios e tornando o sistema alimentar mais eficiente e sustentável”.