Luiza Mello
Aumenta a pressão para que a ex-ministra Damares Alves apresente provas sobre as denúncias de abuso sexual contra crianças supostamente ocorridas em municípios do Marajó. Além da solicitação feita pelo Ministério Público Federal, que determinou, na segunda-feira (11), que essas provas sejam entregues em três dias, agora foi a vez de o Ministério Público do Pará (MPPA) cobrar do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos os arquivos que a ex-ministra declarou estarem sob a guarda do governo federal. O delegado geral da Polícia Civil do Estado do Pará, Walter Resende de Almeida, que é também gestor da polícia judiciária, responsável pela apuração das infrações penais narradas pela ex-ministra, solicitou todos os documentos referentes às apurações feitas por Damares e sua comitiva quando estiveram em visita ao Pará.
A Polícia Civil solicita, além de documentos, mídias e demais provas que possam subsidiar os procedimentos investigatórios. Um dos motivos foi o fato de Damares ter dito possuir imagens gravadas sobre as denúncias feitas no sábado, dia 8, mediante uma plateia de famílias evangélicas na cidade de Goiânia, Goiás. Fotos registradas no evento mostram crianças presenciando o momento em que ela descreve as barbaridades, segundo ela, presenciadas na região marajoara.
“Eu vou contar uma história para vocês, que agora eu posso falar. Nós temos imagens de crianças brasileiras de três, quatro anos que, quando cruzam as fronteiras, os seus dentinhos são arrancados para elas não morderem na hora do sexo oral”, relatou. Ela disse ainda que as meninas e meninos comem comida pastosa “para o intestino ficar livre na hora do sexo anal”, afirmou a ex-ministra. Ela disse ainda que crianças do Marajó são traficadas para o exterior e submetidas a mutilações corporais.
Imediatamente após a repercussão da fala da ex-ministra, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão determinou que o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos preste informações sobre todas as denúncias de violência contra crianças que recebeu desde 2016. A solicitação da Procuradoria inclui que as denúncias devem ser reportadas “detalhadamente” e incluiu as “em trâmite ou não, nos últimos sete anos (2016-2022), envolvendo tráfico transnacional de crianças e estupro de vulneráveis”. Nada foi apresentado ou comprovado até o momento de fechamento desta edição.
No documento encaminhado ontem ao governo de Jair Bolsonaro, o Ministério Público do Estado do Pará solicita que seja encaminhada toda a documentação existente no prazo de 5 dias. O MPPA pede também que sejam anexados todos os “eventuais esclarecimentos a respeito de medidas tomadas sobre os fatos alegados, a fim de que os relatos sejam investigados e todas as providências cabíveis adotadas”, diz o ofício, assinado por promotores de Justiça de Breves, Afuá, Anajás, Chaves, Bagre, Curralinho, São Sebastião da Boa Vista, Gurupá, Melgaço, Oeiras do Pará e Portel.
No documento, o Ministério Público do Estado do Pará ressalta que até o presente momento “nenhum dos fatos relatados pela ex-ministra Damares Alves foi encaminhado formalmente aos Promotores de Justiça que atuam na região do Marajó”. E prossegue: “o MPPA reitera seu compromisso na garantia de direitos infantojuvenis e registra que, continuamente, vem reforçando sua atuação nesta região, ciente das dificuldades e dos desafios, especialmente no que concerne ao enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes”.
A declaração da ex-ministra, gravada em vídeo pelos fiéis presentes ao encontro, foi divulgada nas redes e compartilhada nas mídias sociais pelo filho de Bolsonaro, Flávio e pelo deputado federal Mário Frias (PL-SP). “Sobre a Ilha de Marajó, todo mundo pergunta: por que o Bolsonaro está fazendo o maior programa de desenvolvimento regional na Ilha do Marajó? Porque ele tem uma compreensão espiritual que vocês não têm nem ideia. Fomos para Ilha do Marajó, e lá nós descobrimos que nossas crianças estavam sendo traficadas por lá. Marajó faz fronteira com o mundo, Suriname, Guiana”, disse o filho do presidente.
Damares denunciou ainda que Jair Bolsonaro teria sido “alvo de ataques” por combater abuso sexual contra as crianças: “A guerra contra Bolsonaro que a imprensa levantou, que o Supremo levantou, que o Congresso levantou, acreditem, não é uma guerra política. É uma guerra espiritual”, completou sem apresentar provas ou indícios para as declarações.
APURAÇÃO
Com grande repercussão na mídia nacional, a fala da ex-ministra está sendo apurada por diversas fontes e autoridades nacionais. Ontem, durante o programa Estúdio I, da Globonews, a apresentadora Andrea Sadi revelou que fontes da Polícia Federal informaram que fizeram uma busca nos registros oficiais sobre denúncias de violência sexual e nada encontraram sobre as revelações feitas pela bolsonarista, eleita senadora pelo Distrito Federal no último dia 2 de outubro.
A Secretaria de Segurança Pública do Pará (Segup) também informou não ter encontrado nenhum registro sobre tais manifestações feitas por ela. Um documento assinado pelas delegadas das delegacias Especializada no Atendimento da Mulher (Deam) e no Atendimento da Criança e do Adolescente (Deaca), de Breves, Ana Paula Lobato Perdigão e Maria Anéxia Soares Menezes revelam que, formalmente através das redes de proteção ou por qualquer outro meio “nunca chegou na unidade policial”, que foi reativada em 4 de agosto deste ano, “qualquer relato a respeito do tráfico de crianças na região do Marajó Ocidental”.
As delegadas dizem ainda que as denúncias sobre violações de direitos de crianças e adolescentes são “prontamente apuradas e reprimidas e que os crimes de violação sexual de vulneráveis, endêmicos desta região, estão sendo apurados rapidamente” completando que foram realizadas 10 prisões de envolvidos e outras aguardam decisões judiciais.
Segundo o documento, a Polícia Civil do Pará tem atuado “incansavelmente para salvaguardar a vida das crianças e adolescentes paraenses”. Segundo o texto, se forem verídicas as denúncias feitas por Damares, e chegarem até a Delegacia, serão “prontamente investigadas”.
Movimentos sociais do Marajó repudiam fala da ex-ministra e mostram indignação
Somando ao coro das entidades policiais e judiciárias, os movimentos sociais do Marajó também expressaram sua indignação com a publicação de uma nota de repúdio ao ato de verborragia da ex-ministra: “Nós, marajoaras, representantes dos movimentos sociais e da sociedade civil, viemos, novamente, por meio desta carta manifestar o nosso total repúdio e indignação diante das graves afirmações proferidas, por uma gestora pública, que mais uma vez direciona ao Marajó palavras maldosas que alimentam cada vez mais os estigmas carregados pela nossa população historicamente atacada e atingida pelo modelo desigual de desenvolvimento social e econômico do país, que centraliza recursos e distribui misérias para as regiões do norte e nordeste”.
De acordo com a nota assinada por ao menos 33 representantes sociais, o repúdio se dá em razão de que, conhecedores dos problemas ligados à exploração sexual na região marajoara e constituindo um tema caro a moradores locais, “as afirmações realizadas desmerecem um esforço coletivo de uma rede de proteção criada na região e essa rede desconhece que possa ter ocorrido o fato relatado pela senadora eleita”.
As entidades classificaram como infundadas as afirmações de Damares e sem provas factíveis: “na rede de proteção local não há registros desse tipo de violação de direitos. Resta crer que esse fato relatado pode ter sido fabricado no calor do período eleitoral”.
Entre as entidades que assinaram a nota de repúdio estão: Conselho Nacional das Populações Extrativistas do Pará; Comissão de Justiça e Paz de Breves; Coletivo de Pretas e Pretos do Arquipélago do Marajó (CPPAM); Faculdade de Serviço Social – UFPA /Campus Marajó do Breves; vice-presidência do Memorial Chico Mendes; Programa Direitos Humanos, Infâncias e Diversidade no Arquipélago do Marajó (DIDHAM); Grupo de Estudos, Pesquisas e Práticas em Educação na Amazônia (Gepea/UEAP); Federação de Trabalhadores Rurais Agricultores Agricultoras Familiares do Estado do Pará/Fetagri; Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação, Infância e Filosofia – Gepeif/UFPA; entre outros.