REPORTAGEM ESPECIAL

Mineração tem papel estratégico na transição energética

Com aumento da demanda por tecnologias verdes, mineração assume papel vital na produção de energia limpa e sustentável.

Planta da Alunorte, maior refinaria de alumina do mundo fora da China, localizada no município de Barcarena. Foto Divulgação
Planta da Alunorte, maior refinaria de alumina do mundo fora da China, localizada no município de Barcarena. Foto Divulgação

Os acordos assinados pelo Brasil durante as últimas conferências da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) sinalizam o compromisso com a busca pela mudança de matriz energética no país. Durante a COP28, edição em que o Brasil foi confirmado como a sede da COP30, pela primeira vez um documento final da conferência do clima foi marcado pelo o que a própria UNFCCC classificou como o ‘início do fim’ da era dos combustíveis fósseis: o acordo dos países membros em fazer a transição energética para fontes de energia renováveis, eliminando gradualmente o uso de combustíveis fósseis. E entre os elementos que precisam convergir para que essa transição seja possível, a mineração tem um papel estratégico.

Diante da urgência de migrar para soluções mais limpas de geração de energia, as demandas por tecnologias que possibilitem isso impulsionam também a necessidade de matérias-primas oriundas da mineração. Quando se analisam outras fontes de geração de energia que possam substituir a gerada pela queima de combustíveis fósseis, as opções disponíveis resultam em uma nova demanda neste processo produtivo.

A Gerente de Assuntos Minerários do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), Aline Nunes, lembra que importantes fontes de energia limpa como a energia eólica e a energia solar demandam uma boa capacidade de armazenamento, o que, por sua vez, exige a utilização de equipamentos que têm nos produtos minerários um elemento essencial. “A energia eólica e a solar são intermitentes. A gente não consegue capturar 100% do tempo. Então, o que a gente precisa fazer é capturar durante o dia e armazenar para ter energia para ser usada quando não houver sol, no caso da energia solar, por exemplo”, contextualiza.

“Então, a gente precisa aumentar essa matriz mais limpa, mas, para isso, a gente vai precisar da tecnologia e dos elementos para construir aparatos como as turbinas, os painéis e, principalmente, os sistemas de armazenamento, que são as baterias. E para armazenar a gente também vai precisar dos aparatos de carregamento. E é aí que entra a mineração porque toda essa tecnologia tem uma dependência enorme de uma grande quantidade de minerais, de metais”.

Aline Nunes, Gerente de Assuntos Minerários do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM). Foto Cintia Magno (2)
Aline Nunes, Gerente de Assuntos Minerários do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM). Foto Cintia Magno

Entre os minerais necessários para alimentar essas ‘novas’ formas de energia, alguns são classificados como minerais críticos, na medida em que se configuram como um elemento essencial para a economia e que, em caso de ausência, pode causar impactos econômicos e até mesmo ambientais para o país. Nesse contexto, o Brasil acaba se destacando, já que é apontado como um dos principais produtores de minerais críticos que são essenciais para a transição energética.

“O Brasil pode não estar no primeiro ou segundo lugar, mas ele ocupa posições muito importantes. Ele é o quarto em grafite, em lítio também está entre os 10 primeiros, no próprio níquel ele é o 8º, em cobre ele é 14º”, destaca Aline Nunes. “E o Brasil tem uma característica que poucos têm: ele tem uma diversidade maior, ele tem mais minerais que ele consegue atender com mais capacidade, então, ele é mais diversificado neste portfólio. A maior parte dos minerais necessários para toda essa produção de equipamentos e tecnologia, praticamente a gente atende a todos”.

Diante de tais condições geopolíticas favoráveis, o Brasil pode ocupar uma posição de protagonismo neste processo de transição energética para uma matriz menos poluente. Para se ter uma ideia do cenário, de acordo com uma projeção realizada pela International Energy Agency (IEA), até 2040 a demanda por cobre, lítio, níquel, cobalto, grafita e terras raras deve aumentar em mais de 80% no mundo.

“Já deu para perceber como esses minerais são fundamentais na construção de toda essa tecnologia para a transição. Sem eles, a gente não consegue fazer essa transição energética”, reforça Aline Nunes, do IBRAM. “Como o Brasil está estabelecendo essas metas para a transição energética, a gente vai precisar aumentar essas matrizes, esses equipamentos. E aí vai ter uma demanda elevada, muito mais elevada do que a gente tem hoje por esses minerais”.

DESCARBONIZAÇÃO

Atento a este cenário, o setor da mineração não apenas vem se posicionando como aliado na corrida rumo à transição energética, como também já vem adotando medidas de descarbonização em seus próprios processos produtivos. No ano em que o Brasil, e o Estado do Pará, irão sediar a 30ª edição da Conferência do Clima da ONU, algumas entregas já são apresentadas por empresas com atuação em território paraense, rumo a uma economia de baixa emissão de carbono em seus processos produtivos.

O Vice-Presidente Sênior/COO de Bauxita & Alumina da Hydro, Carlos Neves, destaca que a Alunorte tem atuado em diferentes frentes, considerando várias alternativas, para promover cada vez mais a produção de uma alumina de baixo carbono.

Carlos Neves, vice-Presidente Sênior de Bauxita & Alumina da Hydro. Foto Cintia Magno

“A descarbonização é um caminho sem volta. E nós acreditamos nisso, então, nós temos a iniciativa de mudança da nossa matriz energética e a gente atua em várias áreas. A introdução das caldeiras elétricas é um pedaço da nossa matriz que a gente modificou; a introdução do gás em substituição ao óleo pesado, que é uma transição energética para a gente chegar ao carbono neutro. Agora, mais recentemente, a gente já vinha desenvolvendo e esse ano nós vamos pegar mais firme na introdução da biomassa em substituição ao carvão”.

Ainda em meados de 2017, no início da jornada de descarbonização da Alunorte, maior refinaria de alumina do mundo fora da China, as emissões da empresa estavam a uma taxa de 0.66 toneladas de CO2 por tonelada de alumínio, uma taxa que já estava a 50% da média do mercado que era de 1.2 toneladas de CO2 por tonelada de alumínio. Ainda assim, a empresa estabeleceu metas gradativas de redução das emissões, rumo ao carbono neutro. O planejamento inclui a meta de redução de 10% das emissões em 2025, 30% das emissões em 2030 e chegar ao carbono neutro em 2050.

Na ocasião do estabelecimento da meta, a empresa já tinha iniciado um processo de transição energética utilizando o gás natural. Ainda que essa forma de geração de energia mantenha a emissão de CO2, há um ganho de eficiência em relação ao óleo combustível, já que o gás natural garante a mesma quantidade de energia, porém, com uma menor emissão. O plano é que, ao final da jornada, essa forma de emissão seja totalmente substituída para que se consiga entregar a meta de carbono neutro em 2050.

Aliado a isso, a Hydro também investiu na eletrificação. Para isso, um projeto piloto foi colocado em execução, resultando na criação de uma caldeira, em tamanho real, que foi colocada em funcionamento para que se avaliasse os resultados. Constatada a eficiência, foram construídas mais duas caldeiras elétricas.

“O gás natural e a energia elétrica renovável ficaram prontos ainda em 2024, de tal forma que nós baixamos a nossa emissão anual de 4.1 milhões para 2.7 milhões de toneladas. Quer dizer, nós reduzimos 1.4 milhões de toneladas de CO2 com as ações que nós fizemos para terminar em 2024. É um volume considerável e isso tudo associado a ganho de eficiência”, aponta o Gerente Executivo de Projetos de Energias Renováveis da Hydro, Sergio Ferreira.

Gerente Executivo de Projetos de Energias Renováveis da Hydro, Sergio Ferreira
Gerente Executivo de Projetos de Energias Renováveis da Hydro, Sergio Ferreira. Foto: Cintia Magno

A outra frente de atuação adotada diz respeito a uma inovação no setor: o uso de biomassa proveniente do caroço do açaí. Através de uma parceria com a Faculdade de Engenharia Mecânica da Universidade Federal do Pará (UFPA), a refinaria instalada no município de Barcarena identificou a possibilidade de utilizar o caroço do açaí como biomassa para a produção de energia. Porém, naquele momento, não se conhecia, por exemplo, qual era o poder calorífico e a capacidade do material.

Dessa forma, a etapa inicial do desenvolvimento foi pesquisar em laboratório as características do combustível até que se chegasse à etapa atual do projeto, em que são dosadas pequenas quantidades da biomassa de caroço de açaí, misturando-as com o carvão. “Nós temos caldeira a carvão. Então, começamos a colocar um pouco de biomassa. Colocamos 5% de biomassa e 95% de carvão ao invés de 100% de carvão e fomos testando. Nesse meio tempo, está se ganhando conhecimento. Transformando isso em uma tecnologia comprovada”, considera Sergio. “Qual é o objetivo? Ter a caldeira de carvão convertida para trabalhar com 100% biomassa e substituir totalmente o carvão”.

Até o momento, a Hydro já utilizou 13 mil toneladas de biomassa de caroço de açaí em 2023, 70 mil toneladas em 2024 e, para este ano, tem a meta de utilizar 124 mil toneladas de biomassa. Nesta fase, o que a operação já conseguiu comprovar é que com até 20% de biomassa e 80% de carvão a caldeira funciona sem que seja necessário convertê-la. Isso porque já se sabe que, para atuar 100% com biomassa, será necessário modificar as caldeiras e, uma vez feito isso, não será mais possível revertê-las ao uso do carvão.

Portanto, o que se pretende, com a adição gradativa de maiores percentuais de biomassa, é maximizar a taxa de biomassa com a caldeira sem modificação para que seja possível extrair o máximo de informações reais para elaborar e confirmar o modelo. E, aí sim, depois disso, fazer a conversão das caldeiras.

“Hoje essa refinaria já sente orgulho de ser uma de mais baixo carbono – a média das indústrias desse tipo é 1.2 a 1.3, a gente já era 0.6 e, no final do ano passado, com todos esses projetos, a gente foi para 0.45. Em 2030 nós vamos para 0.2. Estamos desenvolvendo esses projetos e já olhando as novas tecnologias para fazer a gente chegar em carbono zero em 2050. Essa é a nossa jornada, que a gente acredita e que vamos continuar perseguindo para que a gente possa dar a nossa contribuição”, finaliza o Vice-Presidente Sênior/COO de Bauxita & Alumina da Hydro, Carlos Neves.