Ser mãe é um desafio diário. Mas para aquelas que vivem a maternidade atípica, esse desafio ganha novas dimensões. Neste Dia das Mães, entre flores e celebrações, há mulheres que enfrentam jornadas de dedicação integral, intensas e transformadoras ao lado de filhos com deficiências, síndromes ou transtornos. Mais do que mães, elas acumulam funções de cuidadoras, mediadoras e especialistas improvisadas, movidas por um amor que aprende, resiste em constante busca por inclusão e se reinventa a cada dia.
A consultora de medicamentos Fernanda Santos, de 31 anos, precisou deixar a cidade em que morava, Ulianópolis, em 2021, rumo a Belém para tentar oferecer melhores condições de tratamento ao filho Calebe Chaves, de 10 anos, diagnosticado com autismo nível três de suporte e deficiência intelectual grave.
“A maternidade tem sido desafiadora, mas também tem trazido aprendizado e propósito. Eu falo assim: ‘meu filho tem propósito’. Apesar das dificuldades em lidar com a condição dele, a gente passou a ter mais vontade de tudo. Ele me transformou muito. A maternidade é transformadora, mas quando a gente tem um filho atípico, a gente passa a ter uma visão de muita empatia com as necessidades da diversidade”, compartilha.
Desde então, ela se divide entre o trabalho autônomo, que também mudou desde que se tornou mãe, as terapias diárias no Centro Integrado de Inclusão e Reabilitação (CIIR), no bairro Val de Cans, e a tentativa de reorganizar a própria vida. “Antes, eu trabalhava na área da contabilidade. Mudei tudo. Perdi muita coisa da minha identidade como mulher, mas ganhei outra versão de mim mesma, como pessoa”, conta.
Ela lembra sobre as dificuldades, inclusive financeira. “Já vendi coisas, aceitei trabalhos temporários, tudo para não precisar deixar meu filho com outra pessoa. E, para mim, é muito gratificante ser mãe do Calebe. Todo dia ele me dá forças para continuar cuidando e lutando por ele”, diz Fernanda.
“Ele me fez uma pessoa mais forte”, expressou Maria de Oliveira, 42 anos, dona de casa. Mãe do José Pedro, de 11 anos, ela também enfrentou uma grande mudança após o diagnóstico do filho. A chegada do primeiro e unigênito filho, porém, mudou tudo – especialmente quando, aos dois anos, ele recebeu o diagnóstico de autismo. A partir dali, ela mergulhou em uma nova realidade: em luta diária por acolhimento, entendimento e tratamento.
Busca por acolhimento, entendimento e tratamento
“A Maria de Oliveira antes do José Pedro era uma pessoa normal, no sentido de uma mulher comum, com rotina de trabalho. Eu era independente, fazia as coisas para mim, pensava só em mim. Então eu parei de trabalhar, reorganizei a casa, e passei a me dedicar exclusivamente a ele. Não é fácil, mas eu faria tudo de novo”, lembra.
O que mais pesa no maternar, para ela, é conviver com os episódios de Transtorno Opositivo Desafiador (TOD), também presente na Classificação Internacional de Doenças (CID) do filho. “Essa é a nossa maior guerra. Quando o José Pedro está em crise, é como se eu estivesse diante de uma batalha. É doloroso, porque você não sabe como agir com uma criança que não se comunica e que, naquele momento, parece não reconhecer você como mãe”, desabafa.
Hoje, a rotina de Maria gira em torno do filho: terapias, escola, deslocamentos longos de ônibus e fins de semana na igreja. Ainda assim, ela encontrou um novo equilíbrio entre ser mãe e ser mulher. E também amadureceu o olhar sobre outras mães e suas batalhas invisíveis. “A maternidade me ensinou empatia. E hoje eu sei que posso sim ir ao salão, posso cuidar da minha saúde. Porque se eu não me cuidar, quem vai cuidar dele?”, considera. “Não deixei de ser mulher para ser mãe. Mas aprendi a não ser egoísta. Aprendi a cuidar dele e também de mim, porque se eu não estiver bem, ele também não vai estar. E é isso que nós, enquanto mulheres e mães, precisamos”.
Com uma mochila marrom nas costas, a dona de casa Patrícia Gonçalves, 34, sai toda quarta-feira de Santa Isabel em direção a Belém, para o tratamento de Luan Davi, de 8 anos, no CIIR. Ela conta que redescobriu a própria identidade após o nascimento do filho. Ao se tornar mãe, ela trabalhava com vendas, mas precisou abandonar o trabalho que fazia para se dedicar exclusivamente aos cuidados do filho.
Luan Davi teve o desenvolvimento interrompido com 1 ano e 4 meses de idade, após uma parada cardíaca provocada por uma crise aguda de diabetes, não diagnosticada à época. O episódio deixou sequelas que mudaram completamente a rotina da família. Hoje, o diagnóstico é de paralisia cerebral, epilepsia, autismo e diabetes. “A Patrícia Gonçalves antes do Luan era outra. Saía, se divertia. Não que tenha mudado para pior, mas a minha vida mudou, só que eu posso dizer que para melhor, porque hoje aprendo todo dia com ele”, fala emocionada.
Cada passo é uma grande conquista
Desde que se tornou mãe, se tornou terapeuta por instinto, já que “ele não se mexia, não sustentava o pescoço, não comia; agora já se alimenta, movimenta, fica em pé. E a maternidade é isso: é cansativo, mas vale a pena. Cada novo gesto dele é uma vitória, a gente comemora cada passo como uma grande conquista. Ele evolui e me dá uma fonte diária de alegria, assim como o meu outro filho, Erick David, de 2 anos”.
Já a também dona de casa Rosicleia Sousa, 35, de São Miguel do Guamá, enfrenta uma dupla jornada no cuidado com os filhos: além de Reginaldo Junior, de 6 anos, diagnosticado com paralisia cerebral, epilepsia e com deficiência visual, ela também é mãe de uma jovem de 19 anos com autismo. “No início da gravidez do Reginaldo, entrei em depressão. Não aceitava a ideia de ter outro filho com deficiência. Mas hoje vejo que Deus me deu forças e sabedoria para ser uma mãe ainda melhor”, afirma.
Com quatro filhos no total, Rosicleia Sousa define a maternidade e como se vê: uma guerreira. “Me sinto uma heroína, lutando todo dia para dar o melhor para cada um”. A rotina com Reginaldo exige cuidados redobrados desde que, há apenas dois meses, descobriram que ele não enxerga. “Foi um baque. Chorei muito, precisei de apoio psicológico. Hoje, apesar da dor, estou firme. Sei que ele precisa de mim”.
Às quartas-feiras também são dias de viagem e esperança, onde ela encontra ainda mais estímulo para o cuidado. “Saímos de madrugada. Chegar aqui é cansativo, mas cada atendimento é essencial para que ele tenha mais qualidade de vida. A minha filha faz tratamento em São Miguel, o que facilita um pouco. Mas conciliar tudo é um desafio constante”.
Apesar das dificuldades, Rosicleia reforça que ser mãe de Reginaldo é uma missão que ela abraça com amor. “É difícil, mas é também gratificante. Deus me deu um desafio muito grande, mas também me permitiu ser, agora, olhos para o meu filho. É preciso muita sabedoria. Ele é meu caçula, depende de mim, e é por ele e todos eles que eu me levanto todos os dias, pronta para mais uma batalha”.