HISTÓRIA

Marituba: a cidade que é abençoada pelo Menino Deus

O município que já serviu de moradia para os trabalhadores da Estrada de Ferro Belém Bragança, hoje se tornou um dos mais populosos e com intensas atividades econômicas. Tudo sob o olhar do padroeiro

A frente da cidade, ainda com os trilhos da estrada de ferro

FOTO: Fonte - Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, IBGE
A frente da cidade, ainda com os trilhos da estrada de ferro FOTO: Fonte - Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, IBGE

A Estrada de Ferro de Bragança (EFB) começou a ser construída em 1883 com o objetivo de aproximar as Províncias do Pará e do Maranhão e estimular o desenvolvimento da região bragantina paraense. Somando mais de 290 km de extensão, a ferrovia que ligava Belém a Bragança passava por diversas localidades, vilas de trabalhadores e colônias que, posteriormente, vieram a se transformar em municípios paraenses. É o caso de Marituba, que no próximo dia 22 de setembro celebra 31 anos de emancipação política e de fundação.

O historiador Márcio Neco lembra que o território que hoje compreende o município de Marituba é muito anterior a isso. Situado às margens da rodovia BR-316, a área já foi palco de uma série de processos históricos que ajudam a compreender, também, um pouco da história do estado do Pará e da formação da Região Metropolitana de Belém. “A territorialidade, evidentemente, sempre existiu. E como outros locais da Amazônia, ele se destacava e acabou recebendo uma denominação devido à abundância de uma fruta que existia ali, a Umari. Vem daí o nome Marituba”.

A cidade só cresce

Com o decorrer do tempo, esse território abundante foi passando por transformações e pela intensificação da ocupação urbana, onde a influência da Estrada de Ferro se faz presente. A estrada já passava pelo local quando, em 1903, o então Governador do Pará à época, Augusto Montenegro, decidiu transferir as oficinas de manutenção das locomotivas de Belém para Marituba. Uma decisão que impactou diretamente a ocupação do território. “Ele criou em Marituba um verdadeiro complexo ferroviário. Onde hoje nós temos a sede da Emater era um grande complexo ferroviário, com a oficina, com os maquinários, para a manutenção da estrada de ferro e, obviamente, esses trabalhadores precisavam estar perto, se alojar por ali”.

Em frente à oficina, portanto, foi criada uma vila operária. Daquela época, ainda é possível identificar alguns traços das antigas moradias dos trabalhadores, além do testemunho deixado pela caixa d’água que abastecia não apenas as locomotivas, como também a vila operária. “Não é mais uma caixa d’água aos nossos moldes, mas ainda está ali aquela monumentalidade que fazia parte da caixa d’água que abastecia essas locomotivas, que abastecia também os operários. Essa caixa d’água é construída em 1905 e a vila operária de Marituba é concluída em 1907”, pontua Márcio Neco.

Antiga caixa d’água

Religiosidade e a Estrada de Ferro em Marituba

O professor destaca que, além da ocupação em si, outro aspecto interessante será influenciado pela atividade da Estrada de Ferro em Marituba, a religiosidade local. “Esses operários trabalhavam o ano inteiro e tiravam o Natal para fazer uma grande confraternização por ser o período em que estavam de folga, por ser uma data importante. Por isso o padroeiro do município vai se tornar o Menino Deus, justamente por essa disponibilidade dos trabalhadores em poder folgar no Natal”, relaciona.

Como consequência, Márcio Neco aponta que em meados de 1917 os moradores da vila decidem adaptar uma casa para que se tornasse uma capela, onde justamente hoje está a Paróquia do Menino Deus. A devoção iniciada pelos operários da estrada de ferro vai se perpetuar ao longo do tempo até que, em 1956, é realizado o primeiro Círio do Menino Deus, que ocorre até hoje, sempre no dia 25 de dezembro. “Então, constitui-se Marituba com uma cidade muito apegada a essa questão da religiosidade. E uma curiosidade é que o Papa João Paulo II vai visitar Marituba, no bairro Dom Aristides”.

Emancipação e desenvolvimento de Marituba

Iniciou-se também um movimento de questionamento e defesa da emancipação de Marituba. Até 1943, Marituba ainda pertencia ao município de Ananindeua. Porém, em 1961 ela passou a fazer parte de Benevides. Entre essas idas e vindas, foi crescendo na população a necessidade de desenvolver um município próprio. “Esses vários movimentos de organização de pessoas, de lideranças, vão fazer com que, no dia 21 de abril de 1994, haja um plebiscito na cidade. E 96,1% vão optar pela emancipação de Marituba, que vai ser reconhecida, através da Lei Estadual 5.857 de 22 de setembro de 1994, no mesmo ano”, ressalta.

Marituba cresceu e se desenvolveu. Márcio Neco lembra que, se no passado o município já foi considerado uma cidade dormitório, com o decorrer dos anos vem ganhando novos sentidos. “Marituba possui grandes belezas naturais que são transformadas em balneários, em locais de visitação, como a própria antiga Fazenda Pirelli, que foi comprada e desenvolveu-se ali a atividade de gado, depois a agricultura”, lembra. “E hoje em dia aquela área é uma reserva, Refúgio da Vida Silvestre Metrópole da Amazônia. Então, é interessante, em período de COP30, olharmos para Marituba como um município de preservação, como um local onde ainda é possível se ver um certo mosaico dessa Amazônia através de fauna, de flora, de recursos hídricos como o próprio Rio Uriboca”.

Memórias e histórias de Marituba

A criadora de conteúdo Izabela Nascimento, 27 anos, nunca teve dúvidas de que seu município natal guarda uma história muito mais rica do que a maioria das pessoas conhece. O que ela não imaginava é que abraçaria a missão de preservar e divulgar parte dessa memória através das redes sociais, onde ela mantém um perfil (@izabelarn) em que publica relatos, imagens e curiosidades sobre o município e de outros aspectos da história do Pará. “Tudo começou quando eu estava no ensino médio, eu queria muito ser professora. E quando eu entrei na graduação de licenciatura em história na UFPA Ananindeua, eu comecei a ter muitas desconstruções”, lembra.

Izabela cresceu no Bairro Novo, que fica próximo ao Bairro da Colônia, local que o Papa João Paulo II visitou na tarde do dia 8 de julho de 1980 (ver box). Anos antes da visita ilustre, na região funcionou uma das antigas colônias mantidas pelo Governo Brasileiro para abrigar pacientes diagnosticados com hanseníase.

Justamente pela proximidade com as histórias ligadas a esses episódios históricos, Izabela cresceu em contato com parte dessa memória. “Então, na graduação eu comecei a ter essa percepção sobre o meu local, que não é só um lugar de passagem. Então eu já tinha essa questão no meu cotidiano da universidade, mas aí a gente entra no momento da pandemia, que foi quando surgiram vários criadores de conteúdo e eu nem sabia que isso era um trabalho”.

Izabela Nascimento

Ela conta que esse trabalho começou timidamente, mas acabou ganhando uma boa visibilidade. E em meio a essa atuação, um episódio emblemático acabou servindo de bateria para que ela não apenas continuasse, como buscasse se aprimorar na área. “Perto de 2021, estávamos próximos ao Círio do Menino Deus, ainda estava na pandemia, e eu tive um estalo: eu pensei ‘poxa, eu nunca vi uma foto do Menino Deus sendo construído’. Aí eu comecei a revirar o que eu pude de locais virtuais de pesquisa mesmo, até que eu pensei ‘estou sendo ingênua, tenho que ver quem foi que criou esse monumento’”.

De volta à internet, Izabela conseguiu encontrar uma postagem em um blog que indicava o nome do artista que teria sido responsável pela estátua do Menino Deus, o escultor Genésio Gomes Moura. A historiadora e criadora de conteúdo revirou as redes sociais até encontrar o perfil do filho de Genésio. “Eu mandei uma mensagem falando que a estátua era importante para a minha cidade sem esperança dele me responder, mas ele me respondeu no dia 23 de dezembro. Ele respondeu só com ‘Oi, Isabela, tudo bem? Seriam essas fotos aqui?’”, lembra, contando como chegou às fotos raras da estátua do Menino Deus sendo construída na Praça Matriz de Marituba. “Como era Natal, ele estava na casa do pai dele e lá tem uns acervos. Depois o pai dele enviou um vídeo pra mim falando um pouco sobre como foi essa construção, quem tinha feito a encomenda. Foi sensacional”.

Com o material em mãos, ela elaborou um texto e compartilhou com o mundo as fotos. “É a minha publicação mais simples, mas é a mais simbólica para mim por ter conseguido trazer essa foto que ninguém tinha acesso e agora ela é de todo mundo. Hoje os professores usam uma sala de aula, em apresentações”, conta. “Então, tudo isso foi me dando gás para dar continuidade, eu já comecei a fazer vídeos e fui caminhando para esse universo. Acabei gostando de comunicação, e eu que queria ser professora acabei seguindo para outros rumos. Estou cursando jornalismo. Acabei juntando as duas coisas”.

Imagem do menino Deus

VISITA DO PAPA

  • A confirmação de que o principal líder da Igreja Católica realmente se faria presente veio apenas em meados de abril de 1980, quando as forças armadas passaram a visitar o local para garantir a segurança necessária para receber o Santo Padre. Surpreendendo até mesmo quem chegou a desconfiar da possibilidade de presença tão ilustre, o Papa João Paulo II chegou ao Pará em 8 de julho de 1980, deixando por onde passou memórias que perduram até hoje.
  • Em visita à região que abrigou, no passado, a antiga colônia mantida pelo Governo Brasileiro para abrigar pacientes diagnosticados com hanseníase, o Papa celebrou uma missa na Paróquia de Nossa Senhora de Nazaré de Marituba. O ponto exato em que o Santo Padre dobrou os joelhos ao chão até hoje é marcado com uma pedra onde se lê ‘Neste lugar o Papa João Paulo II ajoelhou-se para rezar em 08 de julho de 1980’.