Pará

Mais de 30 línguas indígenas sobrevivem no Pará

Marília Ferreira precisou visitar e permanecer em comunidades para entender as línguas FOTO: DIVULGAÇÃO
Marília Ferreira precisou visitar e permanecer em comunidades para entender as línguas FOTO: DIVULGAÇÃO

Luiz Flávio

O Brasil é uma nação multilíngue: além das línguas trazidas por imigrantes, das variedades regionais do português brasileiro e dos falares afrodescendentes, estima-se que no Brasil ainda sobrevivem, em graus variados de vitalidade, em torno de 160 línguas ameríndias, distribuídas em 40 famílias, duas macrofamílias (troncos) e uma dezena de línguas isoladas.

O Brasil abriga hoje apenas 20% das estimadas 1.175 línguas que tinha em 1500, quando aqui chegaram os europeus. E, ao contrário de outros países da região, como Peru, Colômbia, Bolívia, Paraguai e até Argentina, o Brasil não reconhece como oficiais nenhuma de suas línguas indígenas em âmbito nacional.

O Censo 2010 contabilizou 274 línguas indígenas atualmente no Brasil (os números do Censo 2022 ainda não foram divulgados). Mas linguistas ligados às principais instituições do país, como o Museu Emílio Goeldi, e o Museu do Índio, no Rio de Janeiro, falam em 160 a 180. Se forem levados em consideração os chamados dialetos — variações de uma mesma língua que podem ser compreendidas mutuamente — o número chega a 218.

A pesquisadora Marília Ferreira, da Universidade Federal do Pará (UFPA) estuda línguas indígenas da Amazônia paraense há mais de 35 anos. “Ao longo de mais de três décadas vi surgirem novas palavras, sem deixar de atuar na salvaguarda, manutenção e luta contra a extinção de línguas de vários povos no Estado do Pará”, destaca a pesquisadora.

A pesquisa com línguas indígenas, diz, tem sido árdua diante da globalização que atinge as aldeias e povos, mas o trabalho de descrição e documentação dos fenômenos linguísticos tem ajudado a manter essas línguas vivas. “O Pará tem mais línguas indígenas de que a União Europeia. São cerca de 34 línguas!”, contabiliza Marília.

DÉCADA

Para a pesquisadora, a língua é um universo que permite ao ser humano codificar seu universo cultural, o meio ambiente, as suas experiências no mundo. E a língua indígena hoje importa um pouco mais, em relação quando Marília começou na área.

“Estamos na Década Internacional da Língua Indígena, que começou em 2022 e vai até 2032. Essa década foi estabelecida pela Unesco porque ainda existe a necessidade de continuar sensibilizando a sociedade que essas línguas não são primitivas ou inferiores. As línguas indígenas são línguas plenas”, reforça.

A linguista e professora ressalta que outro marco importante ocorreu em 2010, com o Inventário Nacional da Diversidade Linguística. “Essa iniciativa do Governo Federal passou a estimular que o próprio indígena reconhecesse seu patrimônio imaterial e com as cotas passasse a estudar nas universidades, em graduações e pós, para que eles próprios pudessem atuar na preservação das línguas”.

É por meio da língua, reforça, que se preserva também o conhecimento tradicional milenar sobre a floresta amazônica, os meios de subsistência, a fauna, a flora, a cosmologia e outros aspectos. “O desafio hoje é formar pesquisadores indígenas que possam, com muito mais propriedade, avançar na documentação e preservação de suas línguas e culturas”, pontua.

Marília Ferreira iniciou sua carreira acadêmica trabalhando com a língua Mebengôkre, fez doutorado sobre os aspectos da morfossintaxe da língua Parkatêjê, tendo aprendido ainda na Iniciação Científica, no Museu Goeldi, em ações preparatórias para o trabalho de descrição com línguas como Urudão, Puruborá, Nheengatu e outras.

Há uma semana recebeu a notícia de que vai ocupar, a partir de agosto deste ano, a cobiçada vaga de Professora Visitante no Centro de Estudos Latino Americanos (CLAS), da Universidade de Georgetown, nos Estados Unidos. “É a primeira vez que um docente da UFPA obtém a aprovação para a Chair Fullbright-Drª.Ruth Cardoso”, comemora.

A pesquisadora afirma que descrever uma língua indígena é um trabalho que requer preparo técnico da área de Linguística, além de preparo para lidar com o outro em perspectiva intercultural, em que o respeito às diferenças e à diversidade deve ser a tônica. Para realizar viagens de campo para coleta de dados, normalmente os linguistas permanecem em área indígena por semanas ou meses.

“Esse tempo é precioso para estabelecer acordos, explicar o interesse pelo trabalho de descrição, conhecer as pessoas de um povo e de se deixar conhecer também. Uma relação de confiança que se estreita a cada contato”, detalha.

O Pará, em relação aos demais estados amazônicos, é o que mais avança nesse resgate e preservação. O grupo de pesquisadores da UFPA é considerado um dos mais atuantes do Brasil, de acordo com a pesquisadora. “Já estou finalizando o projeto de criação do Centro de Línguas Indígenas da Amazônia, que terá colaboração internacional, e vai catalogar e divulgar as línguas faladas pelos povos indígenas de toda a região”, revela.