O mercado de trabalho ainda é espaço de reprodução da desigualdade racial em todo o Brasil, não apenas sob o ponto de vista da inserção para a população negra, mas também pelo baixo índice de possibilidades de ascensão.
É o que revela o boletim especial “20 de Novembro, Dia da Consciência Negra”, produzido pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Com uma das maiores populações negras do país, 79,8%, o Pará tem 63,8% de mulheres negras trabalhando na informalidade e 63,2% de homens na mesma situação.
O Dieese mostra que, além de alta informalidade, há maior concentração de negros em profissões com baixos rendimentos.
O rendimento médio de uma mulher negra no mercado de trabalho paraense é de R$ 1.939, enquanto o de uma não negra chega a R$ 2.771. Mesma situação se repete com os homens; enquanto um trabalhador negro tem rendimento médio de R$ 2.128, o não negro alcança R$ 3.468.
Na região Norte, a população negra é maioria, mas continua recebendo salários menores, mesmo entre trabalhadores com ensino superior completo. mulheres negras e homens negros também eram maioria entre trabalhadores sem proteção social.
Em toda a região, 23,8% das mulheres negras estavam ocupadas na época levantamento e 11,9% dos homens negros ocupados tinham ensino superior completo. a população negra ocupada ganhava, em média, R$ 4.528.
De acordo com o boletim, produzido com dados levantados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a redução da desigualdade de renda no Brasil passa necessariamente pelo combate à discriminação racial. Por outro lado, as políticas para a população negra só terão efeito se ocorrerem em conjunto com ações de combate às desigualdades socioeconômicas.
LUTA E SINCRETISMO
No Pará, o Dia da Consciência Negra carrega um significado profundo, enraizado na história e na formação da sociedade paraense. A data, que marca o assassinato de Zumbi dos Palmares em 1695, é uma oportunidade para refletir sobre o legado da escravidão, as contribuições culturais e a luta por igualdade da população negra no estado.
A presença negra no Pará remonta ao século XVII, quando escravizados foram trazidos para Belém para trabalhar nas plantações de cacau e outras atividades agrícolas, substituindo os indígenas que haviam sido dizimados ou haviam fugido. Embora a maioria fosse composta por homens, mulheres e crianças também enfrentaram as duras condições do regime escravocrata.
Ao chegar, os africanos enfrentaram não apenas a separação de seus lares e culturas, mas também a invisibilidade de suas origens. O sistema escravocrata desconsiderava as diversas etnias africanas, tratando todos como um grupo homogêneo. Ainda assim, eles mantiveram vivas tradições culturais, muitas vezes de forma sutil, mesclando-as com elementos indígenas e europeus.
Esse sincretismo cultural é evidente na devoção popular a São Benedito, um dos santos mais venerados no estado. Festividades em sua honra, que combinam danças, cantos e rituais, refletem a fusão entre as crenças africanas, o catolicismo português e as tradições indígenas.
Além da religiosidade, a herança africana moldou a música, a culinária e as manifestações artísticas paraenses. Ritmos como o carimbó e o lundu têm raízes africanas e são uma celebração da resistência cultural. Na culinária, pratos como vatapá e maniçoba também contam histórias de adaptação e reinvenção.
Por outro lado, as condições de vida dos descendentes de escravizados continuam a evidenciar as desigualdades estruturais. Segundo pesquisadores da Universidade Federal do Pará (UFPA), comunidades quilombolas no estado enfrentam desafios históricos relacionados ao acesso à terra, à educação e à saúde.
A data também chama atenção para a força e a resiliência dos quilombolas, que continuam a lutar pela regularização de seus territórios, um direito assegurado pela Constituição, mas ainda distante da realidade de muitos.