Pará

Mães solo dão lição na maternidade e nos negócios

Tereza Silva, empresária. Foto: Wagner Almeida / Doário do Pará.
Tereza Silva, empresária. Foto: Wagner Almeida / Doário do Pará.

Diego Monteiro

Conciliar a maternidade com o empreendedorismo é um grande desafio, conforme opinião unânime entre as mulheres entrevistadas pelo DIÁRIO. Isso se deve, em parte, à dificuldade natural de se destacar no mercado de trabalho, mas que se intensifica quando essas empreendedoras desempenham o papel de mães solo, enfrentando dupla jornada na missão de cuidar dos filhos e de suas empresas.

Segundo estudo recente divulgado pelo Instituto Rede Mulher Empreendedora (RME), sete em cada dez empreendedoras brasileiras optam por abrir um negócio após se tornarem mães. A principal razão, segundo as entrevistadas, é a busca pela independência financeira para dedicar mais tempo ao cuidado dos filhos e da família, uma tendência que vem crescendo nos últimos anos, garante o RME.

Uma análise ampla do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) revela que mais de 10,1 milhões de negócios em todo o Brasil são liderados por mulheres, das quais 52% são mães. Dentro desse grupo, uma parte significativa são empreendedoras responsáveis pelo sustento da casa, ou seja, quando não há um parceiro nessa responsabilidade.

No contexto regional, o Sebrae no Pará destaca que 77% das mulheres proprietárias de pequenas empresas são mães. Além disso, a dificuldade de ingressar no mercado formal de trabalho sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) foi um dos motivos que impulsionou muitas a iniciar no ramo do empreendedorismo, visto como uma boa alternativa de sustento.

A empresária e mãe Flávia Raiol, 42, que também atua como mentora da RME no Pará, revela que cerca de 90% das mulheres que realizam mentoria atualmente são mães solo, provenientes da periferia de Belém e Região Metropolitana. “Nosso foco está justamente nessas mulheres, para que elas tenham oportunidades, pois são batalhadoras, têm habilidades, sabem fazer, mas carecem de oportunidades”.

Flávia Raiol, mentora de mulheres empreendedoras. Foto: Wagner Almeida / Doário do Pará.

OPORTUNIDADE

Flávia enfatiza que os dados divulgados pelas instituições acima refletem a realidade do país e destacam também as especificidades de cada região. “Ser mulher, empresária, mãe solo e nortista é um grande desafio. Mas o objetivo é fazer disso uma mola para impulsioná-las a criar mais, comercializar produtos, mas também ter um tempo para cuidar de si, do filho e criar esse tempo de qualidade”.

Os números do Portal da Transparência do Registro Civil mostram que, só no Pará, mais de 11,7 mil recém-nascidos foram registrados sem o nome do pai. O dado corresponde a 8,96% do total de crianças que vieram ao mundo entre janeiro e dezembro do ano passado. A mesma plataforma conclui que nos cinco primeiros meses de 2024, os bebês sem registros dos genitores superaram 3,5 mil casos.

Mas esses dados, de acordo com Flávia, são apenas detalhes, visto que muitas outras mulheres se tornam mães solo mesmo com o registro do pai na certidão de nascimento da criança. “Então o empreendedorismo passa a ser fundamental para elas, pois dependendo do nicho, dá para conciliar o cuidar do filho com a dos negócios, e ainda ganhar um bom dinheiro com essa rotina”, explica a mentora.

Lays Sampaio, 35, é empresária, dona de um dos pontos de açaí mais movimentados do bairro do Marco e que leva o próprio nome. Há 11 anos, ela teve sua primeira filha, Maria Eduarda, e há 8, nasceu Manuela Sampaio. Hoje, quem vê ela se desdobrando para conseguir dar atenção para as duas sozinha, nem imagina que grande parte do tempo a empreendedora não para de trabalhar.

O trabalho começa de madrugada, por volta das 4h30, quando Lays sai para negociar a fruta na Feira do Açaí, e só termina à noite. “Dependendo do movimento, tem dia que fecho meia-noite”, lembra. “Sou de família de empreendedores, então não poderia fazer outra coisa a não ser isso. Ou seja, me dedico para oferecer o melhor produto e ao mesmo tempo não deixar faltar nada para minhas filhas”.

PROTAGONISMO

Um dos momentos mais marcantes na vida da empresária foi quando se tornou Microempreendedora Individual (MEI). “Desde então tenho um rendimento de quase sete salários mínimos, dependendo da temporada, já tirando o pagamento dos funcionários e das despesas para manter o negócio de pé. Então é algo que vale muito a pena mesmo em um meio onde os homens predominam”, pontua.

A empresa da Lays tem grande importância para o cenário econômico no Pará, visto que esse produto chega a injetar algo em torno de US$ 1,5 bilhão no estado. Além disso, o território paraense é responsável por 95% do açaí produzido no Brasil e quase 50 empresas comercializam o fruto para outras regiões do país, o que representa mais de 1,2 milhão de toneladas do fruto em um ano.

“Tenho ciência da importância da minha empresa em diversos aspectos: o primeiro é que sustento a minha casa e minhas filhas; garanto açaí na mesa dos paraenses; depois que de alguma forma contribuo para a economia girar dentro do estado; e por fim, pois gera emprego e renda, já que hoje possuo funcionários e que depende do meu trabalho para poder sustentar suas famílias”, esclarece Sampaio.

A história de Lays é uma das várias realidades que compõem o cenário de muitas empreendedoras paraenses, como é o caso da Elma Cavalheiro, 48, que se identifica com os dados e as histórias apresentadas, e acrescenta: “empreender e ser mãe não é fácil, mas é o que me mantém confiante, viva e feliz”. Atualmente, a empresária divide seu tempo com o estúdio de podologia e saúde.

Lays Sampaio, empreendedora

Elma também faz parte da Casa MAB, uma rede de apoio para mães chamada “Mercado Autoral Belém”, que reúne mais de 40 empreendedores criativos de diversos segmentos. Segundo ela, o espaço carrega algo em comum, pois reúne empresárias que estão inseridas dentro do contexto “Quatro Ms”: Mulheres, Mães, Microempreendedoras e Marcas Registradas.

INDEPENDÊNCIA

Ao longo dos anos, além de tomar conta do próprio negócio, Elma Cavalheiro teve outra tarefa “full time”: ser mãe de Anna Paula Alcântara, que hoje tem 25 anos. Segundo ela, a experiência da maternidade, da criação da filha, o cuidado da casa e tudo o que implica em um bom funcionamento do lar são semelhantes ao gerenciamento de uma empresa, pois requer disciplina, sacrifícios e noção de gestão.

Elma Cavalheiro, podóloga. Foto: Wagner Almeida / Doário do Pará.

“Sabemos que são coisas diferentes, mas posso provar que é parecido, como do ponto de vista da gestão de crises, gerenciamento de prioridades, coordenação de demandas, criação de metas, acompanhamento do desenvolvimento e das falhas, correções a tempo de propor e fazer melhorias. É uma loucura, mas é uma loucura muito gratificante”, ressalta.

Desta forma, empreender requer estratégia, garante a gestora. “Primeiro é entender que uma boa administração de tempo é fundamental, ainda mais que a minha filha é mulher e requer um cuidado mais especial. Além disso, saber que ser dona do próprio negócio tem que trabalhar muito, tanto que eu faço tudo: abro o estúdio, faxino, sou atendente, eu sou a cara da minha empresa. Sou tudo!”.

Atualmente, a empresa da Elma vai muito bem e, por causa da grande demanda, ela abriu uma filial. “Para este ano estamos com uma agenda de eventos. Vou participar do Mercado Autoral e da Pará Negócios. Estamos com um novo empreendimento, com uma nova unidade dentro de um shopping. Então é uma vida de desafios, cansativo, mas se fizer tudo certinho a vitória vem”, finda.

Semelhante a história da Elma Cavalheiro, o Sebrae/PA destaca ainda outra informação, de que a necessidade de cuidar dos filhos influenciou na decisão de abrir o próprio negócio para a maior parte dessas mulheres, sendo que 72% considera que “influenciou muito” e 9% “influenciou um pouco”. E por causa dessa responsabilidade dupla, 82% disseram que já se sentiram sobrecarregadas.

 

‘São desafios que ajudam a querer chegar a lugares mais altos’

Outro detalhe, segundo a entidade, é que as mulheres que empreendem no Pará gastam duas vezes mais tempo diário em cuidados com pessoas da família, filhos e com afazeres domésticos se comparadas aos homens. A média do volume de horas gasto por elas nesse tipo de atividade é superior a três horas diárias; já entre os homens paraenses é de uma hora e meia por dia, ou seja, a metade apenas.

Ainda sim, Betânia Figueiredo, 58, assegura que mesmo com a agenda corrida é possível fazer tudo com maestria. “Só quem é mulher e mães solo sabe o quanto é difícil, mas são desafios que ajudam a querer chegar a lugares mais altos. Para empreender, escolhi fazer peças de macramê, que vão desde peças de decoração, vestimenta, acessórios, dentre outros que compõem a moda feminina”, específica.

Betania Figueiredo, artesã e empreendedora Foto: Wagner Almeida / Doário do Pará.

Betânia explica que após a separação e com as finanças delicadas, o empreendedorismo deu novo rumo a vida dela. “Senti a necessidade de ter uma complementação de renda para continuar cuidando das minhas filhas. Comecei nas redes sociais e aos poucos fui conquistando público. Consigo um bom rendimento com a minha loja online e nas lojas colaborativas”.

Nos mesmos moldes funcionam os negócios de Tereza Cristina, 61. Através da internet, a empresária vende diversas peças de semijoias, tanto no território paraense como para outros estados brasileiros. Cristina contou ainda que outro diferencial é o network criado, principalmente com a participação da loja em diversas feiras e eventos de grande expressividade em Belém.

Tereza Silva, empresária. Foto: Wagner Almeida / Doário do Pará.

“Portanto, faço parte de vários grupos de empreendedorismo feminismo e estou investindo cada vez mais nessa área. Ainda estou no início, pois tenho dois anos. Então estão tirando um lucro bom, mas que está escalando com o passar do tempo. Mas com o tempo, com a ajuda de mentores, aprendi muita coisa sobre o mercado e a importância de estarmos nele e ganhar cada vez mais espaço”, conclui.

 

ONDE PROCURAR AJUDA

  • Para a gerente da Unidade de Sustentabilidade e Inovação do Sebrae Pará, Renata Batista, essa é a realidade de grande parcela das mulheres, que empreendem por necessidade, devido à sobreposição de atividades, como cuidados de pessoas e filhos. A pesquisa divulgada tem como objetivo compreender o perfil de cada uma, inclusive para que medidas de aprimoramento possam ser implementadas.
  • A representante do Sebrae/PA, que auxilia mulheres paraenses na rota do empreendedorismo, esclarece que 45% das mulheres que buscam empreender no estado recorrem à instituição, que conta com o programa chamado “Sebrae Delas”, iniciativa que busca apoiar e fortificar o empreendedorismo feminino, presente nas 13 agências distribuídas pelo estado ou de forma virtual.
  • De acordo com Renata, o Sebrae é considerado um catalisador para o empoderamento por meio dos negócios, oferecendo apoio no desenvolvimento de habilidades socioemocionais, auxiliando as mulheres a cultivar, principalmente, atitudes de confiança e liderança, para que, dessa forma, possam obter autonomia e segurança para gerenciar seus negócios.
  • “A mulher interessada em adquirir conhecimento para empreender pode procurar uma das nossas agências distribuídas no Pará. Em Belém, a agência física está situada no bairro do Umarizal. No entanto, para facilitar, estamos com nossas redes sociais ativas, o site e nossa Central de Atendimento, para que possamos juntos desenvolver este negócio”, esclarece.

No site sebrae.com.br, é possível conferir todas as informações sobre como se tornar MEI, os primeiros passos para abrir uma empresa, cursos, ideias de negócios; além disso, é viável conhecer de perto o programa “Sebrae Delas”. Ou, se preferir, pode entrar em contato pelo WhatsApp no número 800 570 0800 ou por atendimento via chat, no próprio portal.