Cintia Magno
Não apenas na janela localizada em vídeos e transmissões televisivas, mas também nos eventos culturais e artísticos, a presença do profissional intérprete de Libras é uma realidade cada vez mais comum e vem aquecendo um mercado que até pouco tempo atrás não via uma demanda tão considerável. Diante da necessidade de se promover a inclusão nos mais variados espaços e serviços, profissionais habilitados para trabalhar com tradução e interpretação de língua de sinais, assim como os que estão aptos para lecionar essa língua, tendem a vivenciar um mercado cada vez mais aquecido.
O coordenador do Curso de Licenciatura em Letras – Libras da Faculdade de Letras Estrangeiras Modernas da Universidade Federal do Pará (FALEM/UFPA), Huber Kline Guedes Lobato, considera que a área vem ganhando bastante visibilidade no cenário atual, mas o marco inicial desta demanda se deu a partir de 2002, quando houve a promulgação da Lei 10.436, que reconhece a Língua Brasileira de Sinais (Libras).
“Isso, na verdade, já tinha desde a década de 90 com a inclusão, mas a partir da lei de 2002 a gente percebeu uma visibilidade muito grande. Essa língua começou a chegar nas escolas inclusivas e, a partir de 2005, com a promulgação do Decreto 5.626 (que regulamenta a Lei de Libras), essa língua começa a ser uma disciplina nas licenciaturas nas universidades e, com isso, ela começa a adquirir uma visibilidade muito grande”.
Não demorou para que essa visibilidade chegasse, também, à televisão e aos espaços culturais que foram se moldando para que se tornassem cada vez mais acessíveis. “É claro que há uma certa solicitação da comunidade surda e uma série de documentos também que fazem com que esses segmentos possam, ao longo do tempo, ir se adequando, mas a gente percebe um estopim e uma visibilidade muito grande dessa língua”.
FORMAÇÃO
Para que essa demanda seja atendida, o professor lembra que o profissional precisa estar habilitado a trabalhar com a língua de sinais e, para isso, existem dois caminhos. No Brasil, dois cursos específicos formam profissionais na área de Libras: o curso de licenciatura em Letras/Libras, como é o caso dos cursos ofertados na UFPA e na Universidade do Estado do Pará (Uepa), e o curso de bacharelado em Letras/Libras.
O curso de licenciatura é voltado para a formação de futuros professores de Letras/Libras. Ou seja, ao final do curso, esse profissional poderá trabalhar com o ensino da Libras ou com a língua portuguesa específica para surdos. Já o curso de bacharelado é específico para tradutor intérprete de Libras, então, ele forma esse profissional que é o intérprete e que está presente nos conteúdos de vídeo ou fazendo a interpretação simultânea em shows, eventos, congressos.
O professor Huber Kline explica que o curso de bacharelado chegou a ser ofertado no Estado do Pará, pela rede pública de ensino superior, em 2008, porém, depois disso não houve mais oferta, sendo mantidos apenas os cursos de Licenciaturas em Letras/Libras.
Dessa forma, o que costuma ocorrer é que, ao mesmo tempo em que cursam a licenciatura, alguns alunos se interessam em fazer também cursos para atuar também como intérpretes e tradutores, algo previsto no decreto de Libras.
“Como há essa carência em relação ao bacharelado, os alunos vão fazendo aquilo que está previsto no Decreto 5.626/2005, que determina qual a formação desse profissional”, explica.
“Ele pode se formar por meio de cursos de educação profissional, cursos de extensão universitária e cursos de formação continuada, desde que seja uma instituição de educação superior que oferte esse curso em parceria com uma Secretaria de Educação. Então, existem esses cursos específicos para a formação de tradutores e intérpretes”.
HABILIDADES
Mais do que o interesse de atuar na área, o professor lembra que esses profissionais intérpretes e tradutores de Libras precisam exercitar algumas habilidades demandadas pela profissão, e que são as mais diversas, envolvendo desde um processo cognitivo, até a habilidade prática.
“Seria a habilidade de resolver problemas em um curto prazo, uma capacidade interpretativa e cognitiva porque esse intérprete, principalmente, precisa ouvir a mensagem para poder transpor isso para a língua de sinal, ou ele precisa ver a mensagem para transpor isso de forma oral”, considera.
“Essa habilidade pode ser simultânea, onde o profissional ouve ou vê e logo faz a interpretação para a Libras. Ou ela pode ser de forma consecutiva, quando a pessoa ouve, dá uma pausa, elabora e organiza as suas ideias, e faz a interpretação em Libras. Esse seria o papel do intérprete de Libras. Já o tradutor tem um tempo maior para fazer essa tradução”.
Para ambos os profissionais – tradutor ou intérprete – é necessário um planejamento prévio. Huber destaca que ambos os trabalhos vão requerer dedicação e estudo, tanto estudos específicos da língua de sinais, como o estudo da outra língua que o profissional vai ter que interpretar ou traduzir e quanto maior for o número de línguas que ele souber, muito mais qualidade vai ter o seu trabalho.
“O perfil mais comum que nós temos no Pará é do profissional que tem uma habilidade muito grande em relação à língua de sinais e, claro, também em relação à língua portuguesa, então, ele consegue trabalhar com essas duas línguas, mas também já vejo em alguns eventos profissionais que têm um domínio grande da língua inglesa, que conseguem ouvir e ler essa língua e transferir cognitivamente para a língua portuguesa e depois transpor para a língua de sinais”, considera.
“Então, quanto mais línguas ele souber, mais qualidade terá o seu trabalho porque a função do tradutor e do intérprete é trabalhar, no Brasil, com a língua de sinais e a língua portuguesa, mas também é importante que ele conheça outras línguas, inclusive outras línguas de sinais que são diferentes da nossa língua aqui do Brasil”.
Além da Língua Brasileira de Sinais (Libras), o professor lembra que também existe, por exemplo, a língua de sinais americanas nos Estados Unidos, a língua de sinais francesa na França, a língua gestual portuguesa em Portugal e se esse profissional conhecer alguma dessas outras línguas, ele vai conseguir fazer esse trabalho com ainda mais desenvoltura .
Demanda também é crescente na licenciatura
Se o mercado, hoje, tem buscado mais profissionais capacitados para atuar como intérpretes e tradutores de Libras, é natural considerar que haja um aumento na demanda também pela formação.
O professor do curso de Letras/Libras da Universidade do Estado do Pará (Uepa), Ozivan Perdigão, explica que os cursos de licenciatura não graduam pessoas para serem tradutoras de Libras, eles formam licenciados, ou seja, professores de Libras. “O licenciado atua em sala de aula, no ensino fundamental maior e no ensino médio”, esclarece. “O curso de Letras/Libras é um curso para licenciatura, para formar professores de uma língua visual, que é a Libras. Apesar de o curso transitar dentro dessas discussões de educação especial e da educação inclusiva, o seu objetivo maior é formar professores de língua de sinais”.
Na Uepa, o professor lembra que o curso de licenciatura em Letras/Libras tem a duração de quatro anos e possui em sua grade curricular disciplinas voltadas para o campo de estudos linguísticos e literatura. “Incluindo tanto a literatura amazônica, quanto a literatura visual – que já entra no campo da língua de sinais-, como a literatura portuguesa, a literatura brasileira. Essas aulas são todas adaptadas para o campo da Língua de Sinais porque a ministração é em Libras e língua portuguesa”.
O professor lembra que a Libras já é reconhecida há mais de 20 anos no Brasil e, desde então, muitos avanços já foram conquistados, mas outros ainda precisam ser alcançados. Diante de uma demanda crescente, o que se espera é que os serviços públicos também sejam cada vez mais estruturados com os profissionais habilitados a atuar com a Libras.
“A demanda existe e aumenta cada vez mais. Ela cresce em função de várias necessidades não só no campo da educação, mas na área da saúde, na área jurídica, em que é necessário ter um profissional que saiba a língua de sinais”, pontua. “Inclusive, há um movimento de egressos do curso pela criação de concursos para efetivos para atuar como professores de língua de sinais nas escolas”.
SAIBA MAIS
PERFIS
Decreto 5.626/2005, que regulamenta a Lei de Libras e estabelece qual deve ser a formação do profissional que atua com a língua de sinais, prevê as nomenclaturas de tradutor e intérprete de Libras, que são dois perfis diferentes. Os dois trabalham com a língua de sinais, mas atuam de forma diferente. Entenda:
Tradutor
O coordenador do Curso de Licenciatura em Letras – Libras da UFPA, Huber Kline, explica que o tradutor tem um tempo maior para fazer a tradução do que ouviu ou viu para a Libras. Se, por exemplo, ele precisar fazer a tradução de um cartaz, ele terá um tempo para estudar, para ver os sinais, para conversar com as pessoas surdas e poder fazer a tradução desse material. O mesmo ocorre com um vídeo que está sendo preparado para ser postado na internet, o tradutor terá um tempo maior para organizar as ideias e fazer a tradução para Libras. “O tradutor trabalha com texto escrito, com vídeos sinalizados, com narrativas de surdos e diversos materiais, mas ele tem esse tempo para estudar e fazer aquela tradução específica”.
Intérprete
O intérprete atua de forma mais simultânea. A interpretação em Libras ocorre no momento em que a pessoa surda está presente, seja fazendo a narrativa ou acompanhando um evento e, naquele momento, o profissional atua no contexto de interpretação simultânea.
Licenciado em Letras/Libras
O profissional que tem a formação no curso de Licenciatura em Letras/Libras é o habilitado para ser professor, para estar em sala de aula trabalhando com o ensino da Libras ou com o ensino da língua portuguesa específica para surdos.
ÁREAS DE ATUAÇÃO
O profissional habilitado a trabalhar como tradutor e intérprete de Libras pode atuar:
No campo educacional
Por meio da presença desse profissional na sala de atendimento educacional especializado, nas classes inclusivas que tenham alunos surdos e nas escolas que têm classes bilíngues, que trabalham com a Libras e com a língua portuguesa específica para surdos.
No campo jurídico
Atua em audiências, fóruns, julgamentos, em delegacias.
No campo da saúde
No atendimento em hospitais, acompanhando os médicos, enfermeiros, em palestras e conferências.
No campo dos eventos artísticos e culturais
No campo político
No contexto religioso
Nas reuniões, cultos, celebrações.