Pará

Lendas urbanas sempre cruzaram imaginário popular em Belém

Conheça as lendas urbanas de Belém que atravessam gerações: histórias de fantasmas, assombrações e tradições do povo belenense.

Muitos contos de visagens e assombrações sempre assustaram os moradores da capital, como a da moça do táxi e do Igarapé das Almas, sendo um hábito cultural do belenense o de contar histórias
Muitos contos de visagens e assombrações sempre assustaram os moradores da capital, como a da moça do táxi e do Igarapé das Almas, sendo um hábito cultural do belenense o de contar histórias Foto: Irene Almeida/Diário do Pará.

Na Belém dos tempos em que ainda não havia chegado acesso à internet e sequer televisão, passeavam pelo imaginário do povo belenense visagens e assombrações que cruzaram gerações através das histórias contadas, à noite, nas portas das casas. Os casos narrados na época davam conta de fantasmas que passeavam de táxi pela cidade, perambulavam próximo a igarapés e até mesmo rezavam diante de cruzeiros. São frutos do imaginário popular que, de alguma forma, também ajuda a contar parte dos 409 anos da cidade das mangueiras.

Ainda que as histórias de visagens e assombrações que remetam a lendas, o hábito de recontá-las guarda uma memória real sobre uma forma de comportamento da população de Belém num passado não muito distante. O historiador Márcio Neco considera que o belenense é muito habituado a ouvir as histórias dessas lendas e isso não é à toa.

“Algumas lendas urbanas passam para a história como se fossem um objeto da criação do imaginário popular. O que às vezes a gente nem desconfia é que algumas dessas histórias surgem, de fato, a partir de um acontecimento e de uma memória que fica quase esquecida, mas que não tem a ver com lendas”, considera.

“Na tranquilidade do passado, nós tínhamos uma ou duas emissoras de rádio, nós tínhamos somente cinemas, festas eram pontuais e esporádicas, então, as pessoas à noite tinham o hábito de conversar nas portas das casas sobre vários assuntos, fazendo quase uma revisão do dia e, entre tantos assuntos, quase todas as noites, surgiam as histórias das visagens e das assombrações”.

O professor considera, ainda, que com a chegada da modernidade através da televisão, da internet e dos próprios shopping centers, eles acabaram tomando um pouco o lugar desses personagens lendários, mitológicos e imaginários. Porém, em Belém, de alguma forma essa lógica foi um pouco diferente. “Particularmente nesta nossa cidade de 409 anos, as lendas em Belém resistem ao processo da urbanização, da tecnologia. Surgiu a urbanização e o que aconteceu é que os espaços e as edificações passaram a ser, no nosso imaginário popular, visagentos e assombrados. Nós temos aqui em Belém hospitais, palacetes, quartéis, temos casarões, temos prédios antigos, praças que nem existiam quando já circulavam as lendas urbanas e que, quando passaram a existir, foram incorporados nesse imaginário popular nosso como visagentos”.

Um dos exemplos de como essas lendas urbanas conseguiram resistir através do tempo e das mudanças é o caso da famosa lenda da mulher do taxi. O professor destaca que ela iniciou de forma oral, passou para os livros e hoje já existem até mesmo vídeos na internet que recontam a história através dos tempos. “Isso tem ajudado a perpetuar não só a dela, como outras lendas que têm na cidade. Essas lendas urbanas são transmitidas oralmente através das narrativas que as pessoas usam de fatos reais e misturam com fatos fictícios, acerca das histórias misteriosas, sobrenaturais e que povoam o imaginário daquelas que ouvem”.

Márcio Neco explica, ainda, que as lendas, geralmente, não têm um autor específico, mas integram o campo de estudo da folclorística. “Elas começam a surgir e as lendas urbanas têm sempre uma base de verdade, só que as histórias circulam com variações e atribuições diferentes em tempos e lugares, não sendo verdadeiras. Então, essas lendas vão circulando não só em Belém, mas em outros lugares, com variações. E hoje essas lendas que eram contadas somente de forma oral têm encontrado uma maneira de se propagar na história e no imaginário popular através das redes sociais”.

Dentre os registros feitos das lendas urbanas de Belém, a obra do escritor Walcyr Monteiro, que viveu entre 1940 e 2019. Preocupado justamente em não deixar histórias tão ricas se perderem no tempo, o autor paraense registrou-as pela primeira vez, ainda em 1972, em publicações individuais no extinto jornal “A Província do Pará” e, com a boa repercussão dos contos, o trabalho resultou na reunião das 25 histórias no livro ‘Visagens e Assombrações de Belém’, que teve sua primeira edição lançada em 1986.

No livro, Walcyr faz questão de ressaltar que nenhuma das histórias registradas foi inventada por ele. Cada uma delas era contada pela própria população da cidade. Passadas quase quatro décadas desde a primeira edição da publicação, as histórias narradas ainda hoje despertam curiosidade entre os moradores da capital paraense.

Lendas Urbanas de Belém

Moça do Táxi

Em uma noite, por volta das 22h, um taxista em Belém pegou uma passageira na avenida Independência, que pediu para ser levada até a avenida José Bonifácio, em frente ao cemitério de Santa Izabel. Ao chegar, a mulher pediu ao taxista que, no dia seguinte, fosse até o endereço de sua família, indicado em um pedaço de papel, para receber pelo serviço.

No dia seguinte, ao chegar ao local e reconhecer a moça pela foto, o taxista foi informado que ela já havia falecido. A passageira era Josephina Conte, uma jovem que morreu aos 16 anos, e sua sepultura fica no Cemitério de Santa Izabel, no bairro do Guamá.

O Estranho Caso do Dr. X

Essa história conta sobre um médico de Belém, nos tempos da borracha, que, certa noite, foi acordado por um homem pedindo ajuda para um parto. O médico seguiu o homem até um misterioso local, onde foi levado com os olhos vendados para um quarto luxuoso, decorado no estilo do século XVII. O caso permanece envolto em mistérios, tanto sobre as pessoas que ele ajudou quanto sobre o estranho local.

O Igarapé das Almas

O “Igarapé das Almas” ficava onde hoje é o canal da avenida Visconde de Souza Franco. Muitas das visagens e aparições relatadas em Belém aconteciam nesse local, que ficou famoso por ser cenário das assombrações dos cabanos — combatentes da Cabanagem — que, em vida, teriam escondido suas armas ali.

Uma das histórias mais conhecidas é a de “A Porca do Reduto”, em que uma porca misteriosa surgia e desaparecia após percorrer o bairro, correndo em direção ao igarapé.

Noivado Sobrenatural

Durante uma tempestade, um rapaz conheceu uma moça e a pediu em noivado. No entanto, ele logo descobriu que a mulher já havia falecido. A aliança que ele lhe entregou foi encontrada diante de uma lápide com a data de sua morte: 1918.


Fonte: Livro “Visagens e Assombrações de Belém”, de Walcyr Monteiro. As histórias foram coletadas entre 1969 e 1972.