Irlaine Nóbrega
As comemorações juninas estão entre as maiores expressões culturais brasileiras. No Brasil, três grandes celebrações litúrgicas marcam o mês de junho. Durante o período de grande devoção popular são celebradas as memórias de Santo Antônio, no dia 13; São Pedro Apóstolo, no dia 29; e o nascimento de São João Batista, no dia 24. O último festejo é o que dá nome a esse tempo, chamado de “quadra junina”, “festa junina” ou “festa de São João”.
O São João é uma das datas responsáveis por parte do “décimo terceiro” da erveira Mirací Alexandre, que trabalha há 45 anos no Ver-o-Peso, em Belém. É quando os devotos juninos mantêm a tradição de comprar as ervas ou as garrafadas para fazer e tomar o banho cheiroso, responsável por afastar maus sentimentos e atrair os bons, trazendo bem-estar a quem o toma. Hoje a relação com a data é comercial.
“Essa época todas as pessoas vêm atrás do banho, já é uma tradição do paraense. Aqueles que não podem comprar uma porção de ervas, compra o banho pronto, sai mais em conta. Ele traz paz, saúde, prosperidade e harmonia porque no banho de São João vão todas as ervas cheirosas. Esse banho tem uma diferença, ele tem que ir a Erva de São João, que é muito cheirosa e traz muita harmonia e tranquilidade. Independentemente da classe social, todos consomem o banho cheiroso”, conta a feirante de 58 anos.
Para a autônoma Marian Martins, 38, o mês representa um encontro com as tradições culturais paraenses. Natural de Benevides, ela vai do município até a capital do estado para participar do Arraial do Pavulagem e aproveitar as comidas juninas.
“Gosto muito dessa época, principalmente das comidas. Eu sempre costumo ir ao Arraial do Pavulagem, assisto as quadrilhas juninas e aproveito pra tomar mingau de milho. Em Benevides ainda é bem tradicional, quando não tem fogueira de São João na praça, nós fazemos no quintal de casa junto com a família”, disse.
O interesse de Carlos Costa, de 55 anos, pela festa junina veio depois de adulto. Mesmo não sendo devoto de nenhum santo, ele diz que tem um certo apreço por São Pedro, considerado o guardião das chaves do céu. Apesar disso, o período junino é o que garante boa renda na venda de comidas típicas, já que os clientes vão à procura de tacacá, vatapá e maniçoba.
“Meu gosto pela festa de São João já veio depois de adulto porque quando criança eu não tinha muito interesse. Hoje, eu sempre levo minha neta para assistir à quadrilha, quando eu não vou vê-la dançando na festa da escola. Eu gosto muito do colorido da festa junina e das comidas, principalmente o mingau. Assim como eu ganho bastante, é bom gastar um pouco nessa época”, disse o ambulante.
FESTIVIDADES
l As festividades de junho foram muito difundidas na Europa, em países como a França e na região da Bretanha. Isso porque o mês marca as estações do ano e o ritmo de vida do homem do campo com a chegada do solstício de verão, quando a duração do dia se torna maior do que a noite, propiciando boas condições de plantação e colheita no ambiente rural. De origem pagã, essa festa passa a ter sentido cristão com a chegada do cristianismo no continente europeu, que atrelou a comemoração à celebração dos santos católicos.
l “Estamos diante de uma festa diferente das outras do calendário cristão porque, no caso de João Batista, celebramos a vida dele, porque há uma associação entre ele e Jesus, ele é quem prepara o caminho. Então, ele é acolhido com muita alegria pelo pai e pela mãe. O nome de João Batista significa “Deus derramou a sua graça”, uma figura bíblica que fala de vida nova e de salvação”, esclarece o padre João Paulo Dantas, reitor da Igreja das Mercês.
l Com a chegada desses costumes ao Brasil, trazidos pelos colonizadores portugueses, no século XVI, as tradições se misturaram às culturas de povos negros e indígenas ao longo do tempo. De forte teor religioso, a festividade perdeu essa conotação, sendo conhecida mais como uma tradição popular do que religiosa. Essa virada fez com que a festa junina brasileira se relacionasse a símbolos tipicamente rurais, o que explica a fartura de comidas à base de milho, a peculiaridade das danças e brincadeiras.
l “Os cristãos costumavam celebrar essas festas agrícolas em torno de fogueiras, que serviam para preparar os alimentos, para cozinhar, além do sentido romântico, onde se dançava à luz da fogueira. O fogo representa a caridade que ardia no coração de São João Batista, um homem cheio do amor de Deus. Essa realidade foi adaptada no Brasil, ganhou influência indígena, depois dos africanos. Tem a parte culinária que é uma herança dessa tríplice cultura”, revela o sacerdote, que é professor de história da teologia.
l Apesar da mudança de estação ser pouco observada na região dos trópicos, onde estamos localizados, a devoção pelos santos católicos segue muito valorizada, em cada lugar com as suas peculiaridades.
l Em Belém, por exemplo, existe uma tradição do banho de cheiro de São João, que deve ser tomado na passagem do dia 23 para 24 de junho. Nele são maceradas patchouli, pau-de-Angola, priprioca, catinga de mulata, chama, manjerona, vindica, pataqueira, abre caminho, cipó-catinga, arruda e alecrim, ervas cheirosas e atrativas.