CULTURA E TRADIÇÃO

História e cultura são destaque em visita guiada no Teatro da Paz

Construído em pleno período áureo do Ciclo da Borracha, o Theatro da Paz resiste ao tempo como um dos maiores símbolos do esplendor cultural da Região Norte.

O Theatro da Paz foi fundado em 15 de fevereiro de 1878, inspirado no Teatro Scala de Milão (Itália), tem características grandiosas, acústica perfeita, lustres de cristal, piso em mosaico de madeiras nobres, afrescos nas paredes e teto, dezenas de obras de arte, gradis e outros elementos decorativos revestidos com folhas de ouro.   Foto: Irene Almeida/Diário do Pará.
O Theatro da Paz foi fundado em 15 de fevereiro de 1878, inspirado no Teatro Scala de Milão (Itália), tem características grandiosas, acústica perfeita, lustres de cristal, piso em mosaico de madeiras nobres, afrescos nas paredes e teto, dezenas de obras de arte, gradis e outros elementos decorativos revestidos com folhas de ouro. Foto: Irene Almeida/Diário do Pará.

Construído em pleno período áureo do Ciclo da Borracha, o Theatro da Paz resiste ao tempo como um dos maiores símbolos do esplendor cultural da Região Norte. Aos 147 anos, o theatro foi fundado em 15 de fevereiro de 1878 e inspirado no Theatro alla Scala de Milão, na Itália, e sua imponência é imediatamente perceptível: pisos em mosaico de madeiras nobres, pinturas com técnica francesa engana-olhos, esculturas, lustres de ferro inglês e detalhes revestidos com folhas de ouro. 

O Theatro da Paz foi fundado em 15 de fevereiro de 1878. Foto: Irene Almeida/Diário do Pará.

Mas o que poucos visitantes sabem é que, por trás da beleza visível, há um universo de histórias, curiosidades e segredos revelados apenas durante a visita guiada que acontece das terças-feira a domingo, mas especialmente às quartas-feiras de forma gratuita.

Quem entra no Theatro da Paz pela primeira vez raramente esconde a expressão de surpresa. Ele é a primeira casa de espetáculos erguida na Amazônia e, hoje, é reconhecido como o maior theatro da Região Norte do Brasil. Dos degraus de mármore às luminárias de cristal, passando pelas colunas imponentes e o imenso lustre do salão principal, tudo no edifício histórico convida à contemplação. A visita guiada é uma oportunidade de caminhar por parte da memória viva da Belle Époque em Belém, com histórias que vão além da estética luxuosa e revelam também as marcas de desigualdade deixadas por esse período.

Logo ao entrar, os visitantes são recebidos por um guia no hall de entrada, onde há explicações sobre o contexto de construção do prédio e os símbolos presentes em sua fachada. Os arcos das portas são ornamentados com ferro fundido inglês; no chão, mosaicos centrais com pedras portuguesas são colados uma a uma com uma cola artesanal feita da bexiga da gurijuba – um peixe amazônico; nas paredes e no teto, pinturas remetem às artes gregas. 

Esculturas em bronze francês dividem espaço com bustos em mármore de Carrara que homenageiam nomes como José de Alencar e Gonçalves Dias – “não porque eles fizeram uma obra específica para o theatro, mas porque eles ajudaram a construir o imaginário de que nós [povo local] éramos importantes de fato importantes”, explica a guia Stefany Nascimento, acadêmica de Turismo.

Foto: Irene Almeida/Diário do Pará.

O grupo é conduzido pelo Corredor de Frisas, porta principal de acesso ao salão de espetáculos, onde abriga o famoso espelho em cristal francês – neste momento, o ambiente passa por reformas –. Em seguida, ao salão principal, que conserva a configuração original do século XIX, onde estão o palco, as frisas, os camarotes e um teto pintado em afresco pelo artista italiano Domenico de Angelis. A pintura é dividida em quatro atos e carrega mensagens sutis – e provocadoras – sobre colonização, ciência e identidade amazônica.

Acompanhada por um grupo de turistas atentos, a guia Stefany revela fatos surpreendentes a cada passo. Um deles, é o que parece papel de parede nas paredes é, na verdade, pintura feita à mão com a técnica francesa “trompe-l’oeil”, já que o clima úmido de Belém não comporta o uso de papel de parede por muito tempo. 

Durante a visita, que dura cerca de 45 minutos, o ponto alto é, de fato, a Sala de Espetáculos, que originalmente possuía 1100 lugares, hoje comporta 744 assentos. Lá, vê-se as cadeiras que conservam o estilo da época, em madeira e palhinha – apenas as palhinhas trocadas conforme necessidade de manutenção; o restante, mantém-se ao original –. A pintura em afresco do teto central, com elementos da mitologia greco-romana fazendo uma alusão ao Deus Apolo conduzindo a Deusa Afrodite e as musas das artes à Amazônia. 

Em uma das cenas, a deusa Diana aparece dilacerando uma onça pintada sob o olhar de uma série de povos originários acompanhando esse processo de caça dela, numa crítica simbólica ao avanço violento da colonização. Em outra, destaca-se a figura de uma mulher cabocla, de pele escura e traços indígenas, recebendo de um anjo um papiro onde se lê a palavra “ciência”. A inscrição, invisível para as elites que se sentavam longe, mas visível aos escravizados que não sabiam ler, é um protesto silencioso de De Angelis sobre as imposições culturais e a desigualdade da época.

Sobre as delimitações entre andares, é possível entender a lógica social da época: os barões da borracha ocupavam os melhores lugares, enquanto os escravizados ficavam espremidos nas galerias superiores apenas para servir. “Esse andar superior era chamado de paraíso, mas na verdade era o inferno, de tão quente e superlotado que ficava”, explicou Stefany.

A pintura, feita com ingredientes naturais como clara de ovo, urucum, gengibre e açafrão, jamais foi restaurada. “Justamente a alta umidade de Belém é o que ajudou a conservá-la”, frisa a guia. Outro destaque da visita é o fosso localizado sob o palco, onde ensaia a OSTP – Orquestra Sinfônica do Theatro da Paz. Com mais de 58 mil litros de água correndo em uma cisterna subterrânea, o sistema garante uma acústica singular, considerada a melhor da América Latina. “O som se propaga com precisão por três fatores: o formato em U da sala, inspirado na La Scala de Milão; as estruturas em ferro que sustentam a arquitetura; e o espelhamento sonoro criado pela água sob o piso. O sistema também servia, no passado, para resfriar o ambiente e combater incêndios”, detalha Stefany.

BANHO DE HISTÓRIA

Entre os curiosos estava a médica paraense Maria das Graças Gonçalves, de 60 anos. Foi no Theatro da Paz, inclusive, que ela colou grau em medicina, em julho de 1989. Moradora de Goiânia, no Estado de Goiás, aproveitou uma nova visita a Belém para, só agora, décadas depois, conhecer de fato a história do theatro. O que mais lhe impressionou na visita foi “descobrir que a pintura do teto não era feita com tinta comum, mas com pigmentos naturais, como urucum. É, assim, magnifico. Eu sempre falo: quem vem a Belém precisa visitar o Theatro da Paz”, disse.

Já a professora universitária Nilzete Meyer, de 44 anos, viajou de Fortaleza com o marido Hércules Oliveira, para apresentar a Belém aos filhos Ana Sefisa, de 10 anos, e Luí, de apenas 4. Dez anos antes, ela e o esposo já haviam visitado o Theatro da Paz, quando ela ainda estava grávida da filha Ana Sefisa. Nilzete também se encantou com o simbolismo das pinturas e o uso de pigmentos naturais. “É tudo muito simbólico. Cada canto conta uma história, seja bonita, mas também dura. É um banho de história e cultura. Aqui, nada é por acaso”, resumiu. 

Nilzete Meyer, 44, professora universitária – acompanhada da família: Hércules Oliveira, 45, Ana Sefisa, 10 anos e Luí de 4 anos. O Theatro da Paz foi fundado em 15 de fevereiro de 1878, inspirado no Teatro Scala de Milão (Itália). Foto: Irene Almeida/Diário do Pará.

“DA PAZ”

O nome do Theatro da Paz surgiu em alusão ao fim da Guerra do Paraguai, contemporânea à sua construção. Inicialmente, o local foi batizado como Theatro Nossa Senhora da Paz, mas a escolha não agradou a um bispo da época, que considerava inadequado atribuir o nome de uma santa a um espaço voltado ao entretenimento e sem vínculos religiosos. Por isso, o nome foi encurtado e adotou-se a forma atual: Theatro da Paz.

SERVIÇO

A visita guiada ao Theatro da Paz pode ser feita de terça a sexta-feira, com saídas a cada hora a partir das 9h até às 12h e 14h às 17h – sendo a das quartas-feiras gratuita; já no sábado e domingo, de 9h às 12h; as segundas-feiras o espaço fecha para manutenção. Para participar, basta chegar com pelo menos 15 minutos de antecedência e comprar o ingresso – que custa R$10 a inteira e R$5 a meia – na bilheteria localizada dentro do próprio theatro. A visita comporta cerca de 60 pessoas.

Para grupos acima de 6 (seis) pessoas, é necessário o agendamento através do e-mail [email protected]. Os ingressos são vendidos exclusivamente na bilheteria do theatro. Para mais informações, o público pode verificar as informações em www.theatrodapaz.com.br.