Cintia Magno
De maneira inédita, o relatório final da última edição da Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 28), encerrada em dezembro, mencionou a necessidade urgente de adoção de medidas para a eliminação progressiva da energia fóssil a nível global. Em meio às discussões sobre possíveis alternativas que possibilitem avançar nesta pauta, a aplicabilidade do chamado hidrogênio verde, combustível que não gera gases de efeito estufa (GEE) nem na sua produção e nem no seu consumo, vem ganhando força.
O diretor da Associação Brasileira da Indústria do Hidrogênio Verde (ABIHV), Marcel Haratz, explica que há cerca de três a quatro anos começou-se a falar sobre o hidrogênio verde como uma alternativa aos combustíveis fósseis, mas nos últimos dois anos essa discussão foi acelerada a nível mundial, muito em função do que tem acontecido ao redor do globo em relação às mudanças climáticas, mas também em decorrência da busca da redução da pegada de carbono.
Marcel destaca que, no cenário internacional, o hidrogênio verde já tem sido fortemente considerado na Europa como uma alternativa para a substituição do gás natural. “O hidrogênio é um gás inflamável, então, é possível utilizá-lo como uma fonte de combustível, uma fonte de energia. Ele pode substituir o gás natural, mas também pode substituir outros tipos de combustíveis”, explica. “É possível utilizar o hidrogênio verde como substituição de gás natural ou até compondo outros elementos”.
Atualmente, o chamado hidrogênio cinza é produzido através da reforma do gás natural e da reforma de carvão. Logo, quando ele é produzido, há emissão de CO2, que é o principal contribuidor do aquecimento global. Já o hidrogênio verde é produzido sem que haja tal emissão, fazendo dele um combustível limpo.
ALTERNATIVA
Justamente pelo seu processo de produção, e ainda por também não emitir CO2 durante o seu consumo, o hidrogênio verde é considerado uma excelente alternativa para os combustíveis fósseis, porém, o grande desafio que ainda precisa ser encarado para que isso seja uma realidade em grande escala é que é necessário desenvolver todo um mercado e uma indústria voltada para o produto no mundo inteiro.
“Parte já está desenvolvida, mas é preciso criar escala para que possa ser competitivo do ponto de vista de custo de combustível. Obviamente, ao queimar o hidrogênio verde ou queimar o gás natural, o gás natural é mais barato. Agora, quando você é taxado por produtos que emitiram carbono na sua produção, essa conta começa a mudar. Além de, obviamente, ter toda essa questão das mudanças climáticas”, considera. “O que se fala já há muito tempo é que com essa guerra da Rússia com a Ucrânia acelerou o processo de reduzir a dependência do gás russo e isso acelerou todo o processo do hidrogênio verde no mundo inteiro”.
No cenário nacional, Marcel Haratz ressalta que existe um mercado interno no Brasil muito grande para a produção do hidrogênio e que possibilite ao país exportar não apenas o próprio hidrogênio verde, mas também produtos nacionais produzidos com baixa pegada de carbono. “A gente acredita muito no mercado interno, que a indústria brasileira pode se beneficiar de hidrogênio verde para reduzir a sua pegada de carbono e poder ter um produto de baixa pegada de carbono para ser vendido no Brasil ou exportado”, projeta. “Em todos os estudos que aparecem e que consideram onde vai estar o hidrogênio mais barato, o Brasil sempre está na liderança porque tem uma capacidade de produção de energia renovável gigantesca, então, com isso, a gente tem a capacidade técnica de gerar energia barata para produzir hidrogênio verde. Contudo, não basta a gente ter energia barata”.
Os custos, sobretudo com energia, para a produção do hidrogênio verde são, portanto, um grande desafio enfrentado no Brasil. “A energia elétrica representa 60% a 80% do custo de produção do hidrogênio verde, então, quanto mais barata for a energia elétrica, mais competitivo vai ser o seu hidrogênio no mercado internacional”, considera. “Outro ponto fundamental é começar a inserir no Brasil um consumo de hidrogênio verde. Ao longo dos próximos anos ir gradativamente inserindo um pouco na tubulação de gás, um pouco nas indústrias, para que isso comece a gerar uma demanda interna de forma que se estimule a indústria nacional e prestadores de serviço para que se ganhe competitividade”.
Atualmente, já existem algumas iniciativas de produção de hidrogênio verde no Brasil, sobretudo na Região Nordeste do país. “Muitas estão no Porto de Pecém (no Ceará), que é o porto que tem como acionista o Porto de Roterdã, que na Europa tem se colocado como o principal porto de entrada de hidrogênio verde. A gente tem esse potencial de produção para exportar, mas é importante dizer que o hidrogênio verde pode ser um dos grandes, se não for o principal vetor, da neoindustrialização brasileira de baixo carbono”.