Pará

Há 40 anos, campanha "Diretas Já" teve participação ativa de paraenses

Jader Barbalho, Fafá de Belém e Lula no mesmo palanque pelas Diretas FOTO: reprodução
Jader Barbalho, Fafá de Belém e Lula no mesmo palanque pelas Diretas FOTO: reprodução

Luiza Mello

Há 40 anos, um dos maiores movimentos populares da história do Brasil foi decisivo para o fim da ditadura militar, iniciada com o golpe de Estado de 1964. A campanha das “Diretas Já” (1983/84) pretendia restituir aos brasileiros o direito de votar para escolha do presidente da República. O voto direto virou hino nas ruas de todo país e evidenciou políticos de diferentes legendas políticas na luta pela redemocratização.

A partir de iniciativas pontuais, a campanha se enraizou em entidades e movimentos sociais, tendo à frente lideranças como Ulysses Guimarães, Luiz Inácio Lula da Silva, Miguel Arraes, Fernando Henrique Cardoso, Mario Covas e Freitas Nobre, além dos dez governadores oposicionistas eleitos em 1982, entre eles o atual senador Jader Barbalho, vitorioso na primeira eleição direta para o Governo do Pará.

A campanha de Diretas Já mobilizou os brasileiros pelo direito de votar novamente

Além dele, tiveram ação decisiva os governadores: Franco Montoro (SP), Gerson Camata (ES), Gilberto Mestrinho (AM), Iris Rezende (GO), José Richa (PR), Leonel Brizola (RJ), Nabor Júnior (AC), Tancredo Neves (MG) e Wilson Martins (MS).

“Fomos da safra de governadores da primeira eleição direta e, por iniciativa de Franco Montoro com relação ao processo de retomada das eleições diretas no Brasil, nós governadores do PMDB, nos reunimos  Palácio Bandeirantes, para darmos início a toda uma campanha que acabou por resultar na campanha das Diretas Já, na apreciação da emenda constitucional, na eleição de Tancredo por via indireta, já que a via direta não era possível, enfim, no processo de redemocratização do Brasil”, lembra o senador Jader Barbalho.

EMENDA DANTE DE OLIVEIRA

O então PMDB foi o primeiro partido a aderir ao movimento. O deputado Dante de Oliveira, do PMDB do Mato Grosso, apresentou a proposta de emenda constitucional das Diretas Já, que levou o nome do seu autor e foi colocada em votação no dia 25 de abril de 1984, em sessão do Congresso Nacional.

Antes da votação da PEC, houve uma série de atos públicos, que ficaram conhecidos como “Campanha pelas Diretas Já”. Nas ruas do país, motoristas buzinavam em apoio à proposta. Apoiadores chegaram a Brasília para se manifestar pela aprovação em frente ao Congresso. Outros mostraram seu apoio na galeria no Plenário da Câmara. O Brasil parava para acompanhar um momento decisivo de sua história.

O então presidente João Figueiredo havia decretado estado de emergência no Distrito Federal e em cidades no entorno da capital. Estradas foram bloqueadas, carros que buzinavam nas imediações do Congresso em apoio à emenda eram chicoteados por militares a cavalo.

O movimento cresceu espetacularmente em 1984 e empolga a população, com a realização de comícios em diversas cidades contando com a presença de artistas, intelectuais e lideranças políticas e a participação de multidões nunca vistas no Brasil.

A cantora Fafá de Belém e o locutor Osmar Santos se tornaram as vozes do movimento. Durante 120 dias, comícios pelas “Diretas Já” foram realizados, em diversas partes do país. O primeiro ocorreu em Curitiba, depois novas manifestações foram feitas em cidades como Salvador, Vitória e Campinas. Em abril de 1984, os comícios realizados no Rio (dia 10, na Candelária) e em São Paulo (dia 14, no Vale do Anhangabaú) reuniram a maior quantidade de manifestantes da história do Brasil até então, superando 1 milhão de pessoas, conforme estimativas feitas na época.

MUSA DAS DIRETAS

Fafá foi presença constante nos palanques, participando de 32 comícios e emocionando multidões ao cantar o Hino Nacional Brasileiro. A canção Menestrel das Alagoas, composta por Milton Nascimento e Fernando Brant, se tornou ícone das Diretas Já ao homenagear um dos precursores da defesa pelas eleições diretas, o então senador alagoano, Teotônio Vilela.

Fafá foi presença constante nos palanques, participando de 32 comícios e emocionando multidões ao cantar o Hino Nacional Brasileiro

A cantora relata que, em agosto de 1983, o senador soube da gravação e quis escutá-la. “Quando ele visitou o estúdio, demos altas risadas e lembro dele falar ‘Minha filha, nossas gargalhadas podem fazer o chão desse Brasil tremer”, conta a cantora paraense. Teotonio não chegou a participar da campanha pelas eleições diretas. Acometido por um câncer, ele morreu em novembro de 1993.

Mas sua voz embalou as esperanças de milhões de brasileiros. O cantor Wagner Tiso, que fez o arranjo para a canção Menestrel das Alagoas, tocada em todos os palanques, colocou a voz de Teotônio Vilela no final da canção: “É a melodia do povo. Sinto-me dentro dela porque venho fazendo de minha vida o roteiro da liberdade”, cravou o senador alagoano antes de falecer.

Com Menestrel das Alagoas, a cantora paraense ficou conhecida como a “musa” das Diretas Já. “Eu nunca quis o título de musa das Diretas, foi o próprio povo que foi dando esse nome. As pessoas me chamavam e eu ia aos comícios, e cantava. Conheci o Brasil ao lado de Ulysses Guimarães “, lembra. “O Ulysses Guimarães foi o cara que teve uma nobreza e um desprendimento pela pátria ao abrir mão da sua candidatura para a indicação do Tancredo Neves”, relata Fafá.

“Conheci parlamentares que olho hoje e não vejo no Congresso Nacional. Acho que essa é a grande diferença entre aquele Congresso de 82, 84 e o Congresso Nacional de hoje. Eu via nos olhos desses homens e mulheres uma relação com a política, com o novo Brasil, um Brasil mais justo. E hoje eu vejo isso nos olhos de muitos poucos”, desabafa Fafá.
Outra personalidade paraense que também se fez presente na luta pelo voto direto foi o jogador Sócrates que, juntamente com Fafá, Chico Buarque, Milton Nascimento, Beth Carvalho, Martinho da Vila, entre outros artistas, levou sua voz para os palanques das Diretas Já. Durante a mobilização da população para a aprovação da emenda Dante de Oliveira, o “Doutor” discursou para milhares de manifestantes. A presença mais marcante de Sócrates se deu na maior das manifestações, no dia 16 de abril de 1984, para mais de um milhão de pessoas no Vale do Anhangabaú.

ALIANÇA DEMOCRÁTICA

Essa mobilização, contudo, não impediu que a Emenda das Diretas fosse derrotada no Congresso Nacional no dia 25 de abril, ao faltarem 22 votos para a sua aprovação. A sessão para a votação da emenda à Constituição começou na manhã do dia 25 de abril, e só terminou às 2h do dia 26, com a rejeição da emenda. Um dos motivos da derrota foi a ausência de 113 deputados, que faltaram à sessão por pressão do regime militar da época.

Com a rejeição da Emenda Dante de Oliveira, dissidentes do partido governista da época (PDS) formaram a Frente Liberal e se uniram ao PMDB, partido de oposição, criando a Aliança Democrática. Com a determinação de Ulysses Guimarães, a Frente Liberal lançou a chapa Tancredo Neves/José Sarney para a eleição indireta de 1985, realizada pelo Colégio Eleitoral. Em 15 de janeiro de 1985 a Aliança Democrática derrotaria o PDS na eleição no Colégio Eleitoral, obtendo 480 votos de um total de 686. O candidato do regime militar, Paulo Maluf, foi derrotado.

Ulisses Guimarães, Jader Barbalho e Tancredo Neves, desfilando em carro aberto após eleição de 1982
FOTO: REPRODUÇÃO

Tancredo adoeceu na véspera da posse e não chegou a governar. Morreu em 21 de abril de 1985, depois de passar por sete cirurgias. Sarney, que já atuava interinamente, tornou-se o titular do cargo. O voto direto finalmente veio com a Constituição de 1988 e foi concretizado no pleito que elegeu Fernando Collor de Mello no ano seguinte.

ROCK E DEMOCRACIA

Logo após a conquista da redemocratização no Brasil, surge, em 1985, o primeiro festival no Brasil a contar com artistas de renome nacional e internacional: o “Rock in Rio” Realizado em uma grande estrutura de 250 mil m², chamada de Cidade do Rock, o evento atraiu um público de 1,38 milhão de pessoas.

“O festival refletia e estimulava o clima de esperança e expectativa da população, principalmente da juventude, graças ao processo de redemocratização vivido pelo país naquele momento”, revela o Memorial da Democracia, museu virtual que conta a luta pela redemocratização.

“Discursos que encarnavam a esperança popular sobre a nova situação política do país foram marcantes em várias performances do “Rock in Rio”. No dia 15 de janeiro, o Kid Abelha e os Abóboras Selvagens subiram ao palco anunciados como os artistas do “primeiro show da democracia brasileira”. Carregando uma bandeira nacional, provocaram gritos de “Brasil! Brasil!” em uma plateia de mais de 300 mil pessoas”, revela o Memorial.

“O rock foi a forma que a juventude encontrou para botar para fora os seus sentimentos”;  e “Para os reacionários, o rock vinha ameaçar seus caducos e carcomidos preconceitos e valores”, define .