COMPORTAMENTO

Fast Fashion: o preço da moda rápida em Belém

A produção em massa de roupas causa diferentes impactos no meio ambiente, como poluição de fontes de água e emissão de gases de efeito estufa.

0 a 2024 Preços em conta atraem clientes
0 a 2024 Preços em conta atraem clientes FOTO: RAFAEL ROCHA

Fenômeno que acendeu o alerta para discussão sobre consumo, a fast fashion (moda rápida) atiça o comportamento das pessoas, refletindo a lógica contemporânea da produção e da indústria da moda. Chegamos a um patamar no qual o consumo desenvolvido promovido pelo fast fashion domina espaços importantes que influenciam o comportamento do consumidor, a exemplo das redes sociais na internet.

Desta forma, a fast fashion se concentra na produção de peças em grandes quantidades, o mais rápido possível, correspondendo às tendências de última hora. A moda rápida é marcada pela produção mais acelerada de novos estilos e pelo maior número de coleções produzidas anualmente.

A designer de moda Yorrana Maia afirma que o fast fashion estimula o consumo imediato, ao mesmo tempo que também traz acesso à informação sobre modas, tendências e linguagens do ramo. Ainda de acordo com Maia, apesar da acessibilidade a estas informações, é preciso reconsiderar o impacto desse padrão de mercado.

“Eu acho que as próprias modas começam a se questionar muito pela pressão dos consumidores, que têm uma consciência maior. Sem dúvida, é preciso reavaliar esse modelo de negócio para promover práticas que sejam mais conscientes. Mas isso tem muito a ver com uma visão sistêmica de toda a cadeia produtiva.”

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a mídia de consumo de peças de vestuário por pessoa no planeta chega a ser 60% maior do que há pelo menos 15 anos, e cada peça atualmente dura a metade do tempo que costumava ter de longevidade no passado.

O 12º Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU é intitulado “Consumo e produção responsável”, com a proposta de garantir padrões de produção e de consumo sustentáveis. Até o ano de 2030, uma das metas do ODS é reduzir a promoção da geração de resíduos por meio da prevenção, redução, reciclagem e reutilização.

Além de garantir que as pessoas, em todos os lugares, tenham informação relevante e conscientização para o desenvolvimento sustentável e estilos de vida em harmonia com a natureza. Ou seja, algo que nos faz refletir sobre o padrão de consumo da moda e como o hiperconsumo de roupas pode afetar o meio ambiente.

De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), o tingimento de tecidos é o maior poluidor de fontes de água no planeta. O Pnuma ressalta ainda que a produção de roupas gera entre 2% a 8% das emissões globais de gases de efeito estufa, conforme estatísticas de um relatório de março de 2023.

O hiperconsumo de roupas novas tem impactos socioambientais devido aos passos da cadeia de produção. A indústria da moda é a segunda mais poluente do mundo, atrás apenas da indústria petrolífera. Todos os anos, 92 milhões de toneladas de resíduos têxteis são produzidas globalmente, segundo a pesquisa Pulse da The Fashion Industry, da ONG dinamarquesa Global Fashion Agenda e da empresa de consultoria empresarial internacional Boston Consulting Group.

Um dos exemplos mais evidentes do poder destrutivo da indústria da moda está no Deserto do Atacama, um símbolo do descarte incorreto de roupas localizado no norte do Chile. Há mais de 15 anos, o cartão-postal chileno tem sido alvo de degradações ambientais constantes, acumulando, anualmente, cerca de 60 mil toneladas de resíduos têxteis despejados no local de forma irregular, com peças oriundas dos Estados Unidos, Europa e Ásia.

A Secretaria de Meio Ambiente de Tarapacá, da região norte do Chile, divulga que já são pelo menos 300 hectares com roupas no Atacama, sejam de segunda mão ou peças novas descartadas pela indústria. É uma área equivalente a 420 campos de futebol.

O caso do Deserto do Atacama é o reflexo de um modelo de produção e descarte da indústria da moda que desperta a atenção. Como enfatiza Yorrana Maia, para prevenir cenários desoladores como o do Atacama é preciso pensar em formas de reduzir a produção excessiva, investindo em um design de roupas que seja mais sustentável e duradouro.

“Quando a gente pensa no design, não é só pensar na estética ou na produção daquela peça, mas também pensar no ciclo de vida útil dela e como vai ser descartado”, analisa. “Isso é de responsabilidade de quem está produzindo e de quem está construindo o design daquela roupa.”

Cenário Brasileiro

No Brasil, os números da moda surpreendem. Conforme dados compilados pela Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), o faturamento da cadeia têxtil e de confecção foi de 203,9 bilhões de reais em 2023. No mesmo ano, o total da produção de fabricação, incluindo vestuário, ficou em 8,02 bilhões de peças. Também em 2023, o volume da produção têxtil chegou a dois milhões de toneladas.

Ainda de acordo com a Abit, o País está entre os quatro maiores produtores de malhas do mundo e se encontra entre os cinco maiores produtores e consumidores de denim do planeta. O denim é um tipo de tecido de algodão que serve de base para a confecção de jeans e outras peças, como jaquetas e saias.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que o setor têxtil e de confecções teve participação de 5% no PIB industrial brasileiro no ano de 2022. Porém, os dados econômicos e de produção mascaram outras realidades.

Desde a plantação da fibra para o tecido até a saída das indústrias, uma única peça jeans pode consumir cerca de 5,2 mil litros, conforme o relatório “Fios da Moda: Perspectiva Sistêmica Para Circularidade”, publicação nacional pioneira para analisar, qualitativamente e quantitativamente, os impactos das três fibras mais utilizadas na fabricação de roupas: algodão, poliéster e viscose. Enquanto as peças de algodão levam de 10 a 20 anos para se decomporem na natureza, alguns tecidos sintéticos demoram entre 100 e 300 anos e o poliéster pode levar até 400 anos.

O relatório realizado pelo Instituto Modefica, em parceria com o Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e a agência de circularidade Regenerate Fashion, ressalta a importância de se pensar o ciclo de vida de uma peça de vestuário, desde a produção até o descarte, e as consequências das escolhas do consumo desenfreado com a pressão da indústria da moda.

Cerca de quatro milhões de toneladas de resíduos têxteis são descartados a cada ano pelos domicílios brasileiros. Em 2024, cada residência do País descartou em cerca de 44 quilos de roupas e calçados. Os números são da consultoria internacional S2F Partners, um hub de inteligência especializado em economia circular e gestão de resíduos.

Economia e Moda Circular

Nos últimos anos, o conceito de economia circular e moda circular vem ganhando força gradativamente em resposta ao consumo irresponsável. Quando nos referimos à economia circular é importante entendermos que este modelo de produção e consumo se baseia nos princípios de eliminação de resíduos e poluição, manutenção de produtos, materiais de uso e regeneração de sistemas naturais.

No contexto da indústria fashion, a moda circular é vista com uma abordagem em qual vestuário e têxteis são idealizados, produzidos e consumidos com o objetivo de reduzir o desperdício, a poluição e o uso de recursos naturais, como preconiza o 12º ODS da ONU.

“É preciso pensar em formas de ampliar políticas públicas que incentivem uma economia circular, além de trazer mais educação e consciência para que todo mundo que está ligado a essa cadeia tenha responsabilidade compartilhada, tanto o governo, como as marcas e consumidores”, comenta a designer de moda Yorrana Maia.

Afinal, a cadeia de produção de roupas, conforme dados mostrados anteriormente, possui impacto importante no meio ambiente, com a poluição de água e emissões de gases para efeito de estufa, resultando no modelo de produção da indústria da moda baseada em fast fashion, o que faz com que as peças sejam consideradas produtos fornecidos e de pouca duração.

Maia destaca também que a moda circular contribui para que as roupas tenham um ciclo de existência mais sustentável, estendendo o uso das peças e evitando o descarte no meio ambiente. “Quando prolongamos a vida (da roupa), temos uma necessidade menor de produção de novos materiais-primas. Então, é de fato um novo olhar sobre o consumo baseado nessa reutilização.”

Uma forma consciente de se vestir, promover a moda circular, apoiar pequenos negócios e diminuir o hiperconsumo é adquirir roupas de segunda mão em diversos brechós, sejam online ou presenciais.

Segundo estudo do Boston Consulting Group, as roupas seminovas representam 12% das peças presentes na guarda-roupa da população brasileira, número que deve subir para 20% neste ano. O volume representa 24 bilhões de reais em movimentação no País. Além dos brechós, as peças de segunda mão também podem ser encontradas em plataformas digitais, como Enjoei, Repassa, Troc e OLX.

A quantidade de brechós no Brasil reafirma a importância da atividade. Conforme o Painel de dados de Registro de Empresas do Governo Federal, a partir da base do Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) atualizado até o mês de abril deste ano, o Brasil possui atualmente 22.209 estabelecimentos ativos nesse segmentos, entre empresas, microempresas e empresas de pequeno porte.

Ainda no cenário nacional, de acordo com dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), com base no Painel de Abertura dos Pequenos Negócios do Data Sebrae, foram registrados 4.328 novos negócios do ramo em 2024, entre Microempreendedor Individual (MEI) e Micro e Pequena Empresa (MPE).

O número representa um aumento de 26% no período de 2020 a 2024, quando foram abertos 3.418 estabelecimentos no Brasil em 2020. Neste ano, já são 2.339 negócios abertos no território nacional, conforme o Data Sebrae, com dados atualizados em maio deste ano. A tendência é que o setor continue em ascensão. Vale ressaltar que os números do Governo Federal e do Data Sebrae não abrangem brechós informais.