Pará

Erveiras esbanjam simpatia e vendem poções contra todos os males

Beth Cheirosinha Foto: Irene Almeida/Diário do Pará.
Beth Cheirosinha Foto: Irene Almeida/Diário do Pará.

Trayce Mello

“Venha cá, meu amor!” O pedido, que soa como um canto, vem de um pedaço do Complexo do Mercado Ver-o-Peso entre o Mercado de Ferro e o Solar da Beira. Às margens da baía do Guajará, estão cerca de oitenta barracas de erveiras.

Patrimônio cultural do Pará, as erveiras preservam crenças populares. Utilizando plantas, raízes e ervas da Amazônia, essas mulheres garantem o sustento de suas famílias com um sorriso no rosto para os turistas que visitam a feira.

Pelo local, é possível perceber a aglomeração em torno das erveiras. Sejam turistas curiosos ou compradores assíduos, as pessoas se concentram em torno das barracas, que também chamam a atenção de quem nunca esteve no local. Há ervas e raízes secas expostas em cestos, mas o que mais se destacam são as centenas de vidrinhos com líquidos coloridos amarrados por barbante, com preços que variam de 10 a 30 reais.

E são para atrair, entre outras coisas, prosperidade e amor. Mais interessantes são os rótulos amorosos, alguns com dizeres românticos, como “Agarradinho”, e também com toques de drama (“Chora nos Meus Pés”). Isso sem falar nos outros casos de família: “Amansa Nora”, “União do Casal”, “Afasta Homem Liso”. Todos esses vidros existem há muitos anos.

A erveira Nazaré dos Santos, de 78 anos, conta que aprendeu a trabalhar com as ervas e perfumes por meio da sua sogra. “Ela que me ensinou esse conhecimento. Eu vinha pra cá depois do colégio, eu tinha 18 anos. Eu chego aqui por volta de 7h para arrumar a barraca. Todas as terças-feiras chega uma nova remessa de ervas”, afirma a erveira que trabalha há 60 anos na feira.

A erveira Nazaré dos Santos Foto: Irene Almeida/Diário do Pará.

“As nossas ervas vêm dos nossos interiores, como de Boa Vista, Marituba, Barcarena, entre outros. Os produtos que os clientes mais compram no dia a dia são a andiroba, copaíba, os óleos e as ervas. Mas as ervas e os banhos de cheiro tem mais saída na época de São João”, acrescenta Nazaré.

Trabalhando com ervas há mais de 50 anos, Bernadette Freire, mas conhecida como Beth Cheirosinha, informa que o trabalho de erveira é um conhecimento passado de geração para geração pelas famílias que vivem dos produtos com as ervas medicinais. “Eu trabalho com as ervas medicinais há mais de 50 anos. Essa atividade, ela era da minha avó, que passou conhecimento para minha mãe, da minha mãe passou para mim. Agora eu já estou passando esse conhecimento para filhos e netos. Já estamos na quinta geração da família trabalhando com ervas”, conta Beth Cheirosinha.

“Essas plantas e ervas vêm do interior do Pará. Lugares como Abaetetuba, Barcarena, Boa Vista, Genipaúba, Acará e Mosqueiro. Quem deu o nome para as ervas foram os índios, não foi nós que demos. O que a gente cria são as porções para fazer os atrativos, como por exemplo “Chama dinheiro”, “Chama freguês”, “Vai buscar quem tá longe”, entre outros. Tudo quem prepara somos nós erveiras”, explica.

“Eu também preparo os coquetéis para quem tem problema de gastrite, refluxo e gordura no fígado. Além disso, temos as garrafadas para inflamação de mulher, problema no útero e para livrar de cisto, mioma, corrimento e anemia”, complementa.

Segundo a erveira, os clientes sempre voltam para agradecer os resultados. “Já teve muitas histórias de pessoas que conseguiram alcançar seus desejos ou que foram curadas. Primeiro de tudo, a pessoa precisa acreditar no poder das ervas, ter fé e fazer o passo a passo direitinho. Não tem dinheiro no mundo que pague receber esses depoimentos. Por conta do meu trabalho, já conheci vários estados do Brasil”, comenta Beth Cheirosinha.

DIA

. Foto: Irene Almeida/Diário do Pará.

Mais à frente na Banca Chave de Ouro, Marcia Cardoso, 44, diz que tudo começou com seu pai. “A banca era do meu pai, ele que começou aqui e trouxe a minha mãe para cá. Ela aprendeu tudo, só ela tem 55 anos de mercado. A gente chega aqui por volta das 6h para organizar tudo. As nossas mercadorias chegam dia de terça-feira, quinta-feira e sábado. As ervas algumas nós produzimos e outras a gente compra de Icoaraci, Ponta de Pedras e Boa Vista”, comenta.

“Os fregueses procuram mais as ervas, as essências, óleo de andiroba e copaíba, os xaropes para tosse, asma e pulmão. As ervas também são usadas para fazer chá, como para problemas de estômago gastrite e para os banhos de cabeça contra gripe e resfriados. Por conta do nosso clima, As pessoas procuram bastante nesse período do ano”, esclarece.

A erveira explica que as essências que prometem realizar pedidos são criadas por meio de uma mistura de saberes derivados das culturas ribeirinha, indígena e africana, utilizando óleos, cascas, frutos e raízes típicos da Amazônia. “Aqui, já escutamos muitas histórias. A gente fica muito feliz em saber que deram certo. É o nosso trabalho sendo reconhecido. Também recebemos muitos turistas, que ficam encantados com os nomes das essências e dos perfumes. Alguns levam só como lembrança ou para decorar”, diz.