A decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TPA) que determinou medidas cautelares contra o prefeito de Ananindeua, Daniel Barbosa Santos (PSB), e outros investigados revela a existência de um ramificado esquema de corrupção envolvendo recursos públicos municipais, licitações dirigidas e contratos superfaturados. Assinada em 30 de julho de 2025 pelo desembargador Pedro Pinheiro Sotero, a decisão atende a pedido do Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), que aponta fortes indícios de corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, fraudes em licitações e participação em organização criminosa.
De acordo com a decisão, foram autorizadas medidas como afastamento de funções públicas, suspensão de contratos administrativos, quebra de sigilos bancários e fiscais, bloqueio de bens e realização de buscas e apreensões em endereços residenciais e empresariais ligados aos investigados. O MPPA baseou o pedido em um extenso relatório com mais de 300 páginas, produzido pelo Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco), que detalha o funcionamento do esquema criminoso.
O caso envolve diretamente três servidores públicos municipais — incluindo o prefeito Daniel —, além de empresários e representantes de ao menos oito empresas que, segundo a investigação, foram beneficiadas com contratos fraudulentos firmados com a gestão municipal de Ananindeua. O núcleo do esquema operava por meio de direcionamento de licitações, uso de cláusulas restritivas ilegais nos editais e simulação de concorrência, garantindo que empresas previamente escolhidas fossem as vencedoras. Em troca, as empresas realizavam pagamentos indevidos aos agentes públicos, tanto em espécie quanto por meio da aquisição de bens e serviços de interesse pessoal do prefeito Daniel Santos e de seus aliados.
O caso
Os contratos sob suspeita somam dezenas de milhões de reais e envolvem obras de infraestrutura, fornecimento de medicamentos e serviços de engenharia. Parte dos recursos teria sido utilizada para a compra de um complexo rural, financiamento de uma aeronave e aquisição de equipamentos e insumos agrícolas, todos atribuídos ao patrimônio oculto do prefeito, por meio de empresas registradas em nome de terceiros.
Investigação e Acusações
Daniel Santos é acusado de liderar o esquema. Segundo o MPPA, ele teria recebido mais de R$ 5,6 milhões em propinas por meio de empresas contratadas pela prefeitura. Além de ser o beneficiário direto dos pagamentos, o administrador é apontado como o responsável por determinar que seus subordinados favorecessem determinadas empresas nos certames públicos. Em troca, teria recebido pagamentos por meio de depósitos indiretos, quitação de bens de alto valor – como um avião – e até mesmo pagamento de parcelas de uma fazenda adquirida de forma informal.
Outro nome central no caso é o de Danillo da Silva Linhares, empresário e representante das empresas Edifikka Construções Ltda e DSL Construtora e Incorporadora Ltda. Ele é apontado como responsável por realizar pagamentos diretos de propina a servidores da prefeitura, especialmente a Manoel Palheta Fernandes, membro da Comissão Permanente de Licitação, e também por intermediar pagamentos em favor de Daniel Santos. De acordo com os autos, Danillo teria movimentado, em propinas, cerca de R$ 1,7 milhão.
Manoel Palheta Fernandes, por sua vez, é acusado de corrupção passiva. Ele teria recebido pagamentos diretos das empresas vencedoras das licitações que ele próprio ajudou a julgar, além de manter relacionamento constante com os empresários beneficiados. Em conversas interceptadas, Palheta admitiu “viver de comissões”, o que, segundo o MPPA, confirma o recebimento de vantagens indevidas em razão do cargo.
O então secretário municipal de Saneamento e Infraestrutura, Paulo Roberto Cavalleiro de Macedo, também é investigado por seu papel no favorecimento das empresas. Ele teria coordenado os contratos sob suspeita e, segundo mensagens interceptadas, demonstrava preocupação com as irregularidades praticadas, chegando a alertar membros da equipe sobre uma possível operação do Ministério Público.
Outros empresários também foram identificados como participantes ativos no esquema. João Alfredo de Melo Martins Júnior, representante da empresa Martins Engenharia EIRELI, é acusado de corrupção ativa, tendo repassado R$ 284 mil em benefício de Daniel Santos. O mesmo ocorre com Márcio dos Anjos Rosa, representante da Everest Empreendimentos Imobiliários Ltda, que teria contribuído com R$ 350 mil por meio de transações similares.
Silvair Dias Ladeira Júnior, empresário ligado à JR P. Investimentos e à fornecedora de medicamentos Altamed Distribuidora de Medicamentos Ltda, também está na lista de investigados. De acordo com o MPPA, a JR P. Investimentos foi usada para quitar uma parcela da compra de imóvel rural atribuída ao prefeito, o que configura, segundo o órgão, mais um mecanismo de lavagem de dinheiro e ocultação de patrimônio.
Ronaldo da Silva de Souza, sócio da R. Souza & Cia Ltda, é outro empresário acusado de corrupção ativa. Ele teria procurado espontaneamente o MP para relatar a exigência de vantagens indevidas feitas por Daniel Santos, incluindo o pagamento de combustível, maquinário agrícola e parte da aeronave utilizada pelo prefeito.
Empresas Envolvidas
Ao todo, oito pessoas jurídicas são alvo da investigação. A Edifikka Construções Ltda aparece como a principal beneficiária de contratos com o município, totalizando mais de R$ 88 milhões entre 2022 e 2023. A empresa, que teria como único cliente a Prefeitura de Ananindeua nesse período, é acusada de atuar com licitações direcionadas e foi usada, segundo o MP, para pagar propinas e ocultar valores ilícitos.
A DSL Construtora e Incorporadora Ltda, também controlada por Danillo Linhares, segue o mesmo padrão de atuação e responde por fraudes similares. Ambas estão no centro do esquema.
A Agropecuária JD EIRELI, registrada em nome de Daniel Santos, é apontada como instrumento para a ocultação de bens, sendo utilizada como fachada para registrar propriedades adquiridas com dinheiro de origem criminosa.
Outras empresas usadas como canais de repasse de recursos incluem a R. Souza & Cia Ltda, Martins Engenharia EIRELI, Everest Empreendimentos Imobiliários Ltda, JR P. Investimentos Ltda e a Altamed Distribuidora de Medicamentos Ltda. Esta última, que atua no fornecimento de insumos à rede pública de saúde de Ananindeua, está diretamente ligada a Silvair Dias Ladeira Júnior e, segundo o MPPA, faz parte do mesmo grupo empresarial da JR P. Investimentos.
Operação Aqueronte e Desdobramentos
Não é de hoje
Parte dos nomes que figuram nesta nova decisão do TJPA, no entanto, já eram conhecidos da Justiça paraense. Ainda em 2024, uma operação do Ministério Público do Pará apurou o desvio de mais de R$ 109 milhões das secretarias de Saúde e de Saneamento de Ananindeua, por meio de fraudes em licitações envolvendo construtoras e servidores públicos. O caso foi alvo da Operação Aqueronte, também conduzida pelo Gaeco.
Na manhã de 6 de agosto daquele ano, foram cumpridos nove mandados de busca e apreensão em Ananindeua e Belém, expedidos pela Vara de Combate ao Crime Organizado. Ninguém foi preso, mas a Justiça determinou medidas como o afastamento de funções públicas e a suspensão de pagamentos relacionados a contratos considerados irregulares. O processo corre sob sigilo.
Entre os investigados já citados anteriormente, o prefeito Daniel Santos aparece como figura central não apenas no atual caso, mas também como peça-chave em investigações paralelas. Ele é suspeito de envolvimento em três frentes: o esquema de fraudes no Instituto de Assistência dos Servidores do Estado do Pará (Iasep) – que teria desviado R$ 261 milhões para o Hospital Santa Maria, do qual foi sócio até 2022 -, e a própria Operação Aqueronte, que aponta fraudes em licitações na gestão municipal. Embora não figure formalmente como denunciado neste segundo caso, a maior parte dos investigados são aliados diretos ou ex-servidores de sua confiança.
Entre os nomes relacionados à Operação Aqueronte estão o médico e empresário Elton dos Anjos Brandão, ex-sócio de Daniel Santos e apontado como chefe do grupo que operava o esquema do Iasep. Os dois são vizinhos em um condomínio de alto padrão em Ananindeua. Também foi implicado o ex-diretor de Planejamento Estratégico da prefeitura de Ananindeua, Ed Wilson Dias e Silva, suspeito de fazer a ponte entre o núcleo empresarial e os órgãos públicos. Ele também ocupou cargos de confiança no gabinete da presidência da Alepa quando Daniel Santos foi presidente, e chegou a ser barrado como candidato a vice-prefeito.
Outros nomes ligados diretamente à montagem e execução das fraudes são os de André Luiz Oliveira de Miranda, apontado como coordenador da quadrilha dentro do Iasep; Manoel Palheta Fernandes, citado tanto na Aqueronte quanto na nova decisão como figura central nas fraudes em licitações; Danillo Linhares, dono das principais construtoras beneficiadas; e Paulo Roberto Cavalleiro de Macedo, ex-secretário de Saneamento.
A lista inclui ainda Dayane Silva Lima, secretária de Saúde de Ananindeua, cuja pasta foi diretamente atingida pela operação, embora ela não tenha sido afastada; Antônio Gilberto Alves de Lima Júnior, ex-sócio de Manoel Palheta e representante legal das empresas beneficiadas; e Fernando Frota de Lima Neto, enteado de Palheta, que também atuou como representante da DSL em licitação considerada fraudulenta.
A nova decisão do Tribunal de Justiça do Pará se soma, portanto, a um histórico de investigações que apontam para a existência de um sistema reiterado de desvio de recursos públicos, centrado na máquina administrativa da Prefeitura de Ananindeua.