Se o paraense se apaixona, se casa, está interessado por alguém ou se é infiel, pode ter certeza de que ele tem um jeito bem específico de expressar isso. Quem nunca ficou encegueirado ou virou canoa por alguém? Ou tem um amigo que não pode namorar que já quer se amigar?
Na ciência, essas expressões são chamadas de “fraseologias”, construções linguísticas formadas por, no mínimo, duas palavras, que se instituem pelo uso, pela frequência e não pedem permissão da gramática normativa para existir. Uma forma de resistência, já que as fraseologias emergem de um contexto social que deve ser valorizado, como explica a professora Carlene Salvador, do curso de Letras-Língua Portuguesa, da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), campus Belém. A professora coordena o projeto de pesquisa “Banco de Dados fraseológicos do Pará” e já reuniu mais de duas mil fraseologias no estado.
“Muitas vezes essas expressões nascem a partir de um grau de informalidade e se fazem entender completamente, com uma linguagem que chega na população, que a identifica, mas que são discriminadas pela norma culta. O que se percebe é que as fraseologias emergem independente do nível de formação do falante e algumas extrapolam a bolha de onde costumam emergir”, diz.
Quando o assunto é relacionamento, ela explica que o paraense tem formas específicas e objetivas de se expressar. “Fraseologismos são revestidos de dois troncos, a metáfora e metonímia. Então o falante vai buscar, nessas unidades, refletir como é o seu dia a dia, como são seus sentimentos, atividades no trabalho. Ele vai representar nessas unidades essa configuração mais regional, que é como a fraseologia representa parte da vida desse indivíduo, quando ele diz, por exemplo, “tu é canoa”, é porque a ponta da canoa é guiada por alguém que não está na ponta, mas atrás. O falante vai usar unidades que estão dentro do seu campo lexical”, diz.
Já outras fraseologias surgem como uma forma de fugir do comum e ser original. “Algumas fraseologias da nossa região são muito relacionadas à sexualidade. E esse caráter metafórico eu vejo como um sentido de burlar um tabu, de ser direto em uma unidade que trata desse assunto. Há formas consideradas ‘mais sensíveis’ de falar sobre o ato sexual. Mas quando o paraense usa fraseologias ao invés de dizer “fazer amor”, por exemplo, é uma forma de sair do tabu”, diz.
Dependendo da região, algumas fraseologias são mais frequentes ou recebem influências de outros estados. “Existem expressões ditas em Belém que não são frequentes no sul do Pará e vice-versa. As comunidades linguísticas se comportam de forma diferente de acordo com a localização geográfica. O território implica no falar e na valorização da língua”, diz Carlene Salvador.
Estudo das Fraseologias Paraenses
Mesmo rica na forma de se expressar, a professora explica que na região Norte ainda há uma escassez de trabalhos na área fraseológica.
“Nós queremos institucionalizar essas fraseologias, estudá-las, colocá-las em dicionários. Essas expressões são deixadas à parte, porque são consideradas apenas como gírias. E não são simplesmente gírias, são nossa cultura. O estudo que estamos fazendo não é apenas uma contribuição para a linguística, mas uma valorização cultural da parte descritiva, não só normativa. É preservação da língua, daquilo que só tem aqui, e emergiu daqui”, diz a professora.
O projeto tem três fases: coleta, análise e catalogação. E 22 municípios já tiveram o mapeamento realizado.
5 fraseologias para entender o jeito paraense de amar:
“Tu já quer” – se interessar por alguém ou algo rapidamente
“Tá encegueirado” – estar muito apaixonado, cego de amor
“Tu é muito canoa” – pessoa guiada pelo parceiro, que se deixa levar
“Bora se amigar” – proposta de morar junto, “juntar os panos”
“Levaram a moleca do irmão” – traição, alguém ficou com a parceira de outro
Texto: Vanessa Monteiro, jornalista, Ascom Ufra.