
Ser pai ou mãe adotivo é abraçar com o coração antes mesmo de estender os braços. Em um país onde tantos esperam por uma chance de pertencer a uma família, histórias de adoção mostram que o amor pode nascer do encontro, da decisão e da presença. Entre alegrias e desafios, os lares adotivos são exemplos que o vínculo familiar pode ser forjado não somente pelo sangue, mas pela convivência e pelo compromisso diário com o cuidado e o pertencimento.
Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), atualmente, no Brasil, mais de 5,3 mil crianças estão disponíveis para adoção, enquanto mais de 34,1 mil são pretendentes ativos. Ao todo, mais de 38,8 mil crianças já foram adotadas até o início de julho de 2025. No Pará, são 89 crianças disponíveis, sendo 46 em processo de adoção, contra 450 pretendentes ativos. Ao todo, 348 crianças e adolescentes foram adotados desde 2019. Já em Belém, oito pessoas estão disponíveis para adoção, sendo duas crianças e seis adolescentes, e um número de 126 pretendentes ativos.
Entre o perfil de gênero, 53,9% das crianças são do gênero masculino, enquanto 46,1% são do gênero feminino. No perfil por etnia, 78,7% são declarados pardos; 14,6% são pretos; e 6,7% são brancos. Desse número total, 74,2% não tem deficiência, contra 14,6% que têm deficiência intelectual; 9% ™ deficiência física e intelectual; e 2,2% tem deficiência física. A faixa etá mais disponíveis são de adolescentes maior de 16 anos (24); seguidos pelos de 14 a 16 anos (14); de 10 a 12 anos (10); de 12 a 14 anos (9); de 6 a 8 anos (8); de 2 a 4 anos (8); até 2 anos (7); de 8 a 10 anos (5); e de 4 a 6 anos (4).
Victor Antônio, de 17 anos, foi uma das milhares de crianças que passaram pelo processo de adoção no Brasil. Aos quatro meses, o menino foi adotado pelo servidor público Walter Duarte, após um primeiro contato através de uma ação solidária de Natal, em que foram doados brinquedos e cestas básicas para um abrigo da capital paraense. Foi no colo que Walter teve a interação com o garoto, ocasião que, segundo ele, mudou o rumo da sua vida, influenciado pelo forte desejo pela adoção.

Junto a amigos magistrados, ele pediu instruções sobre o processo de adoção legal e com apenas dois meses de “gestação”, entre fevereiro e março, Victor já estava convivendo em família. Foram apenas seis meses até a sentença final, em junho, período em que foi concedida a guarda provisória, prorrogada pelo juiz até a data da decisão oficial. “Eu chamo de gestação porque é muito mais do que uma adoção é algo que você que eu senti de uma forma muito especial, algo bem diferente, eu sentia como fosse meu filho sendo gerado, e acredito que foi assim”, relembra Walter.
Para receber o novo integrante, a casa foi toda preparada para a criança, com roupas, móveis, pintura e decoração especiais. A espera movimentou toda a família, que, no aguardo pelo bebê, se iluminou de felicidade. Foi nesse cenário de acolhimento e amor que Victor foi recebido pelos avós, irmãos e primos de Walter, que o apoiaram na decisão de ser pai solteiro.
“Eu afirmo, com toda certeza, que desde que o Victor nasceu, as minhas saídas foram melhores, meu lazer foi melhor, as minhas viagens foram melhores, os meus Natais, os meus Círios, as minhas festas de famílias foram muito melhores. Ele sempre me ajudou a ser feliz, isso é uma grande certeza. Em nenhum momento eu me arrependi de ter tido ele como filho, só tenho gratidão pelo Victor estar perto de mim, junto de mim”, afirma o pai.
Para Walter, a adoção deu a possibilidade de sentir um amor puro e verdadeiro, jamais sentido anteriormente à chegada do filho. “Quando você começa amar o desconhecido é um desafio muito maior. Amar pode ser até uma escolha, mas eu vou muito além disso. Tive vários relacionamentos na minha vida, mas a paternidade é algo sobrenatural porque você vive o verdadeiro amor de querer se colocar na situação, no sofrimento do outro. Quantas vezes ele foi para o hospital, com essas intercorrências normais de criança, e eu via aplicarem soro nele e eu que queria estar no lugar. Essa experiência eu nunca tive na minha vida com relacionamento interpessoal, mas tive com ele, que me ensinou o que é amar”, refletiu.
Entre os inúmeros desafios, o pai relata o prazer de acompanhar todas as etapas da vida do filho até a juventude.
“Eu acompanhei todas as fases da vida dele. As fases da infância, o início da fase escolar, os primeiros passos, as primeiras falas, e claro que foi ‘papai’. Agora ele está na adolescência, quase na fase adulta, este ano completa 18 anos de muita felicidade. É um menino muito parceiro, muito amigo e muito carinhoso. Eu nunca usei corretivo com ele para nada, porque ele sempre teve muito respeito. Vejo pelos amigos que ele traz em casa, que falam que ele tem um carinho por mim e fala de mim com muito amor. Isso eu tenho certeza que é o maior retorno, toda a convivência que nós tivemos juntos. Eu quero viver um pouco dessa juventude com ele, ver se tornar um grande profissional, já que ele é um menino que tem uma capacidade intelectual muito boa. E o que vier nós vamos estar sempre juntos como amigos, acima de tudo”, finalizou.
Com 17 anos e um futuro pela frente, Victor Antônio agradece pela vida, pela família e pela possibilidade de ser adotado. “Eu agradeço muito o meu pai porque eu tenho certeza que se ele não me adotasse, eu provavelmente não ia estar como estou hoje em dia. Mas eu fico feliz por ter um pai que me ama muito, que se esforça muito pela nossa família. Ser adotado nunca foi um problema pra mim. Quando alguém pergunta alguma coisa, eu sempre respondo numa boa porque eu não tenho vergonha de falar”, afirma o estudante.
PROCESSO
De acordo com a juíza Rubilene Rosário, titular da 1ª Vara da Infância e Juventude de Belém, o processo de adoção de crianças e adolescentes segue duas etapas gerais: o procedimento de habilitação para adoção e a ação de adoção. Sem caráter judicial, a primeira fase diz respeito ao protocolo documental. Sendo assim, o pretendente deve entrar no site do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para fazer um pré-cadastro de adoção com finalidade de estabelecer um perfil do adotado, como idade, etnia e a possibilidade de problemas de saúde.

Após isso, o cadastrado deve comparecer à Vara da Infância e Adolescência ou enviar um e-mail ao órgão com os documentos necessários para dar entrada no processo de habilitação. São eles: certidão de nascimento, de casamento ou união estável, CPF, comprovante de renda e de residência, atestado de sanidade física e mental, certidão de antecedentes criminais e certidão negativa de distribuição cível, critérios estabelecidos pela Lei no 8.069/90 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Uma equipe multidisciplinar é a responsável pela análise da documentação, elaboração de um estudo psicossocial para constatar a capacidade e preparo para o exercício da paternidade ou maternidade, além da visita da família pretendente para averiguação das condições de moradia. Logo após esse momento, os pretendentes participam de um curso preparatório para adoção pela Escola Judicial do Poder Judiciário, de caráter obrigatório, conforme o parágrafo 1 do artigo 197-C do Estatuto da Criança e do Adolescente.
“O curso é muito importante para que as famílias tirem suas dúvidas, conheçam todo o procedimento da adoção, os desafios que vão enfrentar quando adotam uma criança ou um adolescente, a questão dos mitos da adoção e do preconceito. Os pretendentes para adoção tem que entender que essa criança ou esse adolescente é disponibilizado para a adoção, mas vem de um momento da vida que de dor, momento do abandono, da violência, da negligência. São esses fatores que levam uma criança a ser disponibilizada para adoção. Então, tudo isso eles vão conhecer de uma forma mais aprofundada durante o curso preparatório para a adoção”, esclarece a juíza.
Após o curso, os autos são encaminhados para o Ministério Público, um dos principais interessados em preservar as garantias dos direitos da criança e do adolescentes. Caso o órgão não se oponha à adoção pela família, é dada a sentença de habilitação para adoção. Uma vez habilitado, o pretendente é cadastrado no Sistema Nacional de Adoção (SNA). Finalizada esta fase, inicia-se a segunda etapa do processo, marcado pela espera pelo perfil da criança pretendida no cadastro inicial.
“Temos crianças esperando no espaço de acolhimento, aguardando serem adotadas, mas não temos famílias com perfil que queiram adotar essas crianças. Temos que entender que a adoção é uma família para uma criança, não o contrário. O Estatuto da Criança e Adolescente vem para garantir direitos à criança e ao adolescente e não ao adulto. O que demora é essa espera para que apareça a criança do perfil que foi colocado no cadastro. Normalmente, o brasileiro quer adotar crianças até quatro anos de idade. A preferência é que seja bebê, recém-nascido. Agora, se você tem uma criança acima de quatro anos, dificilmente encontra uma família que queira adotar”, revela a doutora Rubilene Rosário.
Achado a criança no perfil desejado, é dado início na segunda etapa: a ação de adoção. O prazo máximo para conclusão é de 120 dias, podendo ser prorrogado uma única vez por igual período. Ainda segundo a juíza, para adotar uma criança ou adolescente é preciso ter idade mínima de 18 anos, independente do estado civil, respeitando a diferença de 16 anos entre o pretendente e a criança acolhida.
“O critério objetivo é que o pretendente não esteja respondendo a nenhum processo criminal e tenha condições mínimas de subsidiar a educação, habitação, saúde, moradia dessa criança. Não vai se permitir que uma criança vá morar na rua onde a família não tem onde morar ou os pais estão desempregados. Isso tudo é avaliado no processo de habilitação para adoção. Só passa para a segunda fase do processo quem é habilitado. As principais dificuldades que envolvem a adoção está na falta de informação. Muitas pessoas, por falta de conhecimento, têm dúvidas sobre a documentação, sobre o estado civil, ou até sobre a orientação sexual. Nada disso é impeditivo. Existem pessoas que até têm vontade de adotar e acham que não vai conseguir e por isso não entra. Tem outras que não sabem o caminho”, explica.
Como adotar uma criança no Brasil: passo a passo
O processo de adoção é gratuito e deve ser iniciado na Vara de Infância e Juventude mais próxima de sua residência. A idade mínima para se habilitar à adoção é 18 anos, independentemente do estado civil, desde que seja respeitada a diferença de 16 anos entre quem deseja adotar e a criança a ser acolhida.
Nas comarcas em que o novo Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento tenha sido implementado, é possível realizar um pré-cadastro com a qualificação completa, dados familiares e perfil da criança ou do adolescente desejado.
Para atender todas as exigências legais para constituir uma família adotiva, confira os passos necessários:
1º) Você decidiu adotar
Procure o Fórum ou a Vara da Infância e da Juventude da sua cidade ou região, levando os seguintes documentos*:
1) Cópias autenticadas: da Certidão de nascimento ou casamento, ou declaração relativa ao período de união estável;
2) Cópias da Cédula de identidade e da Inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF);
3) Comprovante de renda e de residência;
4) Atestados de sanidade física e mental;
5) Certidão negativa de distribuição cível;
6) Certidão de antecedentes criminais.
*Esses documentos estão previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente, mas é possível que seu estado solicite outros documentos. Por isso, é importante entrar em contato com a unidade judiciária e conferir a documentação.
2º) Análise de documentos
Os documentos apresentados serão autuados pelo cartório e serão remetidos ao Ministério Público para análise e prosseguimento do processo. O promotor de justiça poderá requerer documentações complementares.
3º) Avaliação da equipe interprofissional
É uma das fases mais importantes e esperadas pelos postulantes à adoção, que serão avaliados por uma equipe técnica multidisciplinar do Poder Judiciário. Nessa fase, objetiva-se conhecer as motivações e expectativas dos candidatos à adoção; analisar a realidade sociofamiliar; avaliar, por meio de uma criteriosa análise, se o postulante à adoção pode vir a receber criança/adolescente na condição de filho; identificar qual lugar ela ocupará na dinâmica familiar, bem como orientar os postulantes sobre o processo adotivo.
4º) Participação em programa de preparação para adoção
A participação no programa é requisito legal, previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), para quem busca habilitação no cadastro à adoção. O programa pretende oferecer aos postulantes o efetivo conhecimento sobre a adoção, tanto do ponto de vista jurídico quanto psicossocial; fornecer informações que possam ajudar os postulantes a decidirem com mais segurança sobre a adoção; preparar os pretendentes para superar possíveis dificuldades que possam haver durante a convivência inicial com a criança/adolescente; orientar e estimular à adoção interracial, de crianças ou de adolescentes com deficiência, com doenças crônicas ou com necessidades específicas de saúde, e de grupos de irmãos.
*Sempre que possível e recomendável, a etapa obrigatória da preparação incluirá o contato com crianças e adolescentes em acolhimento familiar ou institucional, a ser realizado sob orientação, supervisão e avaliação da equipe técnica.
5º) Análise do requerimento pela autoridade judiciária
A partir do estudo psicossocial, da certificação de participação em programa de preparação para adoção e do parecer do Ministério Público, o juiz proferirá sua decisão, deferindo ou não o pedido de habilitação à adoção.
Caso seu nome não seja aprovado, busque saber os motivos. Estilo de vida incompatível com criação de uma criança ou razões equivocadas (para aplacar a solidão; para superar a perda de um ente querido; superar crise conjugal etc.) podem inviabilizar uma adoção. Você pode se adequar e começar o processo novamente.
A habilitação do postulante à adoção é válida por três anos, podendo ser renovada pelo mesmo período. É muito importante que o pretendente mantenha sua habilitação válida, para evitar inativação do cadastro no sistema. Assim, quando faltarem 120 dias para a expiração o prazo de validade, é recomendável que o habilitado procure a Vara de Infância e Juventude responsável pelo seu processo e solicite a renovação.
O prazo máximo para conclusão da habilitação à adoção será de 120 dias, prorrogável por igual período, mediante decisão fundamentada da autoridade judiciária.
6º) Ingresso no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento
Com o deferimento do pedido de habilitação à adoção, os dados do postulante são inseridos no sistema nacional, observando-se a ordem cronológica da decisão judicial.
7º) Buscando uma família para a criança/adolescente
Quando se busca uma família para uma criança/adolescente cujo perfil corresponda ao definido pelo postulante, este será contatado pelo Poder Judiciário, respeitando-se a ordem de classificação no cadastro. Será apresentado o histórico de vida da criança/adolescente ao postulante e, se houver interesse, será permitida aproximação com ela/ele.
Durante esse estágio de convivência monitorado pela Justiça e pela equipe técnica, é permitido visitar o abrigo onde ela/ele mora; dar pequenos passeios para que vocês se aproximem e se conheçam melhor.
É importante manter os contatos atualizados, pois é por eles que o Judiciário entrará em contato para informar que há crianças ou adolescentes aptos para adoção dentro do perfil do pretendente. O sistema também fará comunicações por e-mail, caso seja cadastrado.
8º) O momento de construir novas relações
Caso a aproximação tenha sido bem-sucedida, o postulante iniciará o estágio de convivência. Nesse momento, a criança ou o adolescente passa a morar com a família, sendo acompanhados e orientados pela equipe técnica do Poder Judiciário. Esse período tem prazo máximo de 90 dias, prorrogável por igual período.
9º) Uma nova família
Contado do dia seguinte à data do término do estágio de convivência, os pretendentes terão 15 dias para propor a ação de adoção. Caberá ao juiz verificar as condições de adaptação e vinculação socioafetiva da criança/adolescente e de toda a família. Sendo as condições favoráveis, o magistrado profere a sentença de adoção e determina a confecção do novo registro de nascimento, já com o sobrenome da nova família. Nesse momento, a criança/adolescente passa a ter todos os direitos de um filho.
O prazo máximo para conclusão da ação de adoção será de 120 dias, prorrogáveis uma única vez por igual período, mediante decisão fundamentada da autoridade judiciária.
Fonte: Corregedoria Nacional de Justiça (órgão integrante do CNJ)