Pará

Dia do Feirante: entre uma venda e outra estão muitas histórias

Nildo Moreira, 45 anos, afirma que a sinceridade é a alma do negócio. Foto: Ricardo Amanajás / Diario do Pará
Nildo Moreira, 45 anos, afirma que a sinceridade é a alma do negócio. Foto: Ricardo Amanajás / Diario do Pará

Ana Laura Costa

Os mais de 4.799 feirantes que atuam nas 32 feiras livres e 17 mercados municipais de Belém, são os homenageados desta sexta-feira (25), Dia Nacional do Feirante. Por amor, sobrevivência, herança familiar ou habilidade, esses profissionais tão importantes no dia a dia da população e na economia paraense, também oferecem muito mais do que aromas frescos, alimentos de qualidade, conversas amistosas e outras especiarias. Suas trajetórias de trabalho e histórias de vidas, incomuns de serem ouvidas no falatório das feiras usado para atrair a clientela, prontamente são contadas quando lhes é dada a oportunidade.

ORGULHO
Aos 14 anos, o feirante Antônio Raposo deu o primeiro passo na profissão. Seu primeiro box de venda de mariscos (camarão) foi ao lado da Seccional Urbana da Pedreira, na avenida Pedro Miranda. Hoje, aos 52 anos, orgulha-se em dizer que foi o primeiro feirante da família, já que com o ofício conseguiu ajudar a sustentar os irmãos e criou os filhos.

“Um amigo da família trabalhava com mariscos e foi daí que comecei e estou aqui até hoje, já são 40 anos. Tudo o que tenho hoje começou com o meu trabalho aqui, na Feira da Pedreira. Participei da primeira reforma do mercado e agora já vou presenciar a segunda, são muitas histórias”, afirma.

Antônio Raposo começou a trabalhar aos 14 anos e hoje tem um box na Feira da Pedreira
Foto: Ricardo Amanajás / Diario do Pará

Com o avanço da tecnologia que influencia nas formas de se comunicar e vender, Antônio revela que segue o mesmo ritmo no ramo. Antenado, o “Camarão do Antônio” é divulgado com carro-som nas ruas da Pedreira e também nas redes sociais. Mas o bom e velho “boca a boca” não pode ser substituído, diz ele. Tranquilo, o feirante dispensa os gritos para chamar atenção da clientela, já que os produtos de boa qualidade fazem isso sozinhos.

“Hoje meus clientes são amigos de anos e anos. Quando vem alguém estranho, é sempre indicado por algum conhecido. Não costumo gritar para vender, um bom atendimento e um bom produto falam por si só, daí os clientes sempre voltam”, conta.

Para melhorar ainda seu ambiente de trabalho, ele não cita infraestrutura, mas empático como é, sugere capacitações aos colegas do ramo. “Cursos de capacitação para os feirantes que trabalham com mariscos é algo importante para melhor lidar com o público. Já dei essa ideia, educação muda as coisas”, completa.

FAMÍLIA
O Nildo Moreira, de 45 anos, também inventou a roda em família, mas o fruto não cai tão longe da árvore. De uma família de lojistas e comerciantes, o fruteiro ressalta que “trabalhar com o público é de família”. Tudo começou quando o feirante tinha por volta de 18 a 20 anos. Na alameda Barão, na Pedreira, ele estreava com um carro de frutas sortidas como laranja, banana e acerola.

Carismático e atencioso, Nildo ressalta que passou o tempo de ‘ludibriar’ os clientes para vender produtos como estratégia, usada por alguns. “A relação que a gente tem com os clientes, com as pessoas que trabalham aqui, é que embeleza as feiras de Belém. Esse contato sincero com o público é muito importante, assim como atender as necessidades de cada um, com os produtos todos fresquinhos ”, destaca.

Enquanto conversa, duas clientes assíduas se aproximam para comprar frutas na banca. Ele aproveita e conta como as conquistou. “Essa aqui (aponta para a freguesa) era cliente de supermercado, agora só compra aqui, assim como essa outra que mora longe mas foi indicada por uma amiga”, revela.

Com dois funcionários trabalhando na banca hoje em dia, Nildo se dá o luxo de chegar um pouco mais tarde, mas no celular as notificações dos clientes não param de chegar e, claro, ele corre para atendê-los da melhor forma possível, sua marca registrada. “A gente atende no WhatsApp. O cliente fala o que quer, a gente vai encontrar a fruta na medida certa. Aí eles não tem surpresa, porque já confiam no trabalho”, afirma.

Essa confiança que pessoas muitas vezes desconhecidas têm no trabalho do feirante, parecem ser seu combustível para trabalhar cada vez melhor e amar o que faz.

“Sinceridade é a alma do negócio. Tudo o que a gente faz, a gente faz porque gosta. E para mim, atender o público é uma delas. Então, não há melhor recompensa do que a satisfação de quem consome do meu trabalho”.

 

Mais que um destino de vida, uma profissão cheia de orgulho, muito amor e dedicação

Entre os 1.193 feirantes que atuam em todo o Complexo do Ver-o-Peso, segundo dados da Secretaria Municipal de Economia (Secon), divulgados em março deste ano, José Raimundo, de 58 anos, também tem muita história para contar.

Com menos de um ano de idade, chegou a Belém vindo de Abaeté. Com o falecimento do pai, o avô decidiu trazê-lo à capital para criá-lo. Com 11 anos, começou a vender os mesmos produtos comercializados hoje: mastruz, tucupi, cheiro verde, cebolinha, abacate, entre outros. “Daqui tirei tudo o que tenho, primeiramente agradeço a Deus, em segundo, ao trabalho que exerço até hoje”, salienta.

Com menos de um ano de idade, chegou a Belém vindo de Abaeté. Com o falecimento do pai, o avô decidiu trazê-lo à capital para criá-lo. Com 11 anos, começou a vender os mesmos produtos comercializados hoje: mastruz, tucupi, cheiro verde, cebolinha, abacate, entre outros. Foto: Ricardo Amanajás / Diario do Pará

Atualmente, ele conta com a ajuda do sobrinho, que chega às 6h30 na banca e larga por volta de 12h. Mas desde às 9h seu José está lá. “A idade chega e não dá para a gente tá acordando tão cedo, né?”, diz.

Sentado, ele mexe com os possíveis clientes que transitam diariamente no mercado, mas afirma que não costuma usar o “gogó” como ferramenta de marketing. Espirituoso, ele usa a fé. “Deus é nossa força, nossa fortaleza. Sem ele, nada podemos fazer. Eu sento aqui e peço para Deus mandar os meus clientes, tenho poucos fidelizados, mas sempre aparecem. Eu oro e Deus envia o freguês”, disse pouco antes de uma cliente antiga chegar para realizar o pagamento e tirar um sorriso sincero de seu rosto.

TERAPIA
Outro simpático feirante é seu Orivaldo da Silva Santos, de 66 anos e 44 anos de profissão. Ele confessa que já tentou vestibular 3 vezes e na juventude sonhou em ser advogado. A profissão que exerce atualmente foi, no começo, uma maneira de sobrevivência, mas hoje é terapia. “Eu digo que preciso e gosto disso daqui, recentemente precisei me ausentar por 70 dias e foi horrível para mim”, diz.

Orivaldo Santos, 66 anos, diz que quem souber garimpar na feira, ganha. Foto: Ricardo Amanajás / Diario do Pará

“O destino me jogou para cá e fico muito alegre com isso, daqui tirei meu sustento, fui ajeitando as coisas e em time que tá ganhando, não se mexe. Fiz amizades com um e com outro e é o que sempre falo: isso aqui é um garimpo, quem souber garimpar ganha”, conta.

Orivaldo trabalha com condimentos para a preparação de maniçobas e feijoadas. Comunicativo e gentil, ele ganha a clientela de forma orgânica. Nenhum cliente passa por ele sem receber atenção e simpatia mesmo que não leve nada.

“Já atravessei três transformações nessa feira e estamos na expectativa da quarta. Eu amo fazer isso e fazer parte disso, foi isso que me fez ser quem sou hoje. Nós, feirantes, nascemos com um dom. Vivi a minha vida toda disso e me faz bem”, finaliza.