Pará

Desenvolvimento sustentável também passa pelas finanças

Desenvolvimento sustentável também passa pelas finanças

Cintia Magno

A promoção de uma sociedade mais sustentável passa, inevitavelmente, pela conciliação entre o desenvolvimento econômico e o desenvolvimento social e ambiental. Diante do reconhecimento dessa necessidade, o mundo viu surgir um conceito relativamente novo, mas que já segue em pleno funcionamento em todo o país, o das chamadas Finanças Sustentáveis.

A secretária executiva da Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE) e gestora do Laboratório de Inovação Financeira (LAB), Cristiane Viturino, considera que é preciso, inicialmente, contextualizar o cenário que propiciou o seu surgimento.

Ela aponta que, com a celebração do Acordo de Paris em 2015, 196 países se comprometeram a reduzir as emissões de gases do efeito estufa e, para isso, estipularam 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, lastreados em 169 metas. Entre os países que aderiram ao acordo e assumiram o compromisso de reduzir as emissões em até 37% até 2025 e em 43% até 2030 está o Brasil.

Entretanto, o que se observou é que o desafio a ser enfrentado para cumprir efetivamente o acordo passaria também pela questão econômica. “Para alcançar todas essas metas e objetivos, percebeu-se que havia um gap de investimentos da ordem de R$ 6,27 bilhões, ou seja, seriam necessários financiamentos da ordem de US$ 3 trilhões para viabilizar tais investimento e fornecer uma infraestrutura de baixo carbono e atender, de fato, as metas dos ODS”, explica Cristiane. “Então, o financiamento dessa transição passou ser um dos focos principais”.

Esse foco reforçou, portanto, a necessidade de desenvolvimento de instrumentos financeiros que pudessem contribuir com a promoção de um desenvolvimento sustentável, chamando a atenção para princípios que são contemplados, justamente, pela expressão ‘finanças sustentáveis’. “Compreendemos finanças sustentáveis como o conjunto de instrumentos, produtos, veículos, mecanismos e estruturas financeiras e de mercado de capitais e/ou de mitigação de riscos – seguros e garantias – que promovem ou facilitam o direcionamento de recursos para o financiamento de projetos com adicionalidade social, ambiental”, explica Cristiane Viturino.

“Estamos falando de crédito, títulos verdes, sociais ou sustentáveis (verdes e sociais), fundos de investimento, FIDCs, entre outros produtos cujos recursos são destinados a projetos associados a compromissos sociais e/ou ambientais, além de seguros e garantias voltados à mitigação de riscos de financiamentos/investimentos nestes projetos”.

Dentro desse contexto, a secretária executiva da ABDE destaca a necessidade de formação de um ambiente institucional voltado para o diálogo e que considere, necessariamente, a agregação de diferentes atores em busca de soluções para a alavancar esse desenvolvimento. E quando se consideram os diferentes atores, inclui-se também a própria sociedade, que precisa estar informada sobre o tema.

“O desenvolvimento das finanças sustentáveis no país será fundamental para a transição para uma economia de baixo carbono e uma sociedade mais justa e equitativa, e para isto questões como o uso de tecnologia e inovação nos mercados financeiros e de capitais; o desenvolvimento de mercados de crédito de carbono (ou de descarbonização); a maior transparência de informação e o fortalecimento da gestão de riscos ASG, além da a promoção de finanças que promovam a inclusão, diversidade e equidade, entre outros, são essenciais”.

Cristiane reforça, ainda, que a necessidade de superar esses e outros desafios foi o que impulsionou o surgimento do Laboratório de Inovação Financeira (LAB), uma plataforma aberta de participação voluntária que congrega mais de 350 instituições e mais de 1000 membros, entre governo, instituições financeiras públicas e privadas, mercado de capitais, mercado de seguros, academia e demais atores.

“O LAB nasceu de uma parceria da Associação Brasileira de Desenvolvimento – ABDE (entidade representantiva do Sistema Nacional de Fomento); Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID (organismo multilateral), Comissão de Valores Imobiliários – CVM (órgão regulador do mercado de capitais) e da GIZ Cooperação Alemã (Governo Alemão)”, aponta. “O nosso objetivo é compartilhar informações e boas práticas, gerar conhecimento e construir ou induzir a construção de soluções ou de propostas que possam fundamentar a criação de futuras políticas públicas que induzam o investimento. Mas não queremos qualquer investimento. Queremos atrair e promover investimentos qualificados, que gerem emprego e renda e estejam comprometidos com as questões ambientais, sociais e de governança – a famosa sigla ESG – e que gerem de fato não só resultado econômico, mas gerem principalmente o impacto na sociedade no que tange ao social e ambiental”.

Ainda que grandes desafios ainda venham sendo enfrentados, Cristiane reforça que as finanças sustentáveis já estão na prática e em pleno vapor. “Já temos produtos, linhas de créditos, títulos sustentáveis, fundos especializados em projetos de investimentos sustentáveis. O que ocorre é que a gente vem aprimorando esse processo”, pontua.

Como exemplo disso, ela ressalta que o Sistema Nacional de Fomento – formado por 34 instituições financeiras de desenvolvimento, entre bancos públicos, bancos de desenvolvimento, bancos estaduais, bancos cooperativos e agências de fomento – desembolsou mais de R$ 436 bilhões para projetos com adicionalidades que contribuem para atingir um ou mais dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável entre 2020 e o 1º semestre de 2021.

Quando se trata do interesse do mercado financeiro pelas finanças sustentáveis, o vice-presidente da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (ANBIMA), Cacá Takahashi, considera que a demanda por esse tipo de solução apresenta uma tendência de crescimento no país.

“As finanças sustentáveis ganham cada vez mais espaço na agenda dos mercados financeiro e de capitais. De acordo com uma pesquisa que realizamos em 2021, 87% das instituições financeiras afirmaram que a pauta ESG ganhou mais relevância frente ao ano anterior e 90% das casas disseram que a sustentabilidade ganharia ainda mais relevância para o mercado de capitais nos 12 meses seguintes”.

Para ele, essa tendência se relaciona ao potencial de redução de riscos e de volatilidade de uma carteira de investimentos, considerando que companhias com boas práticas ESG tendem a uma maior geração de valor a longo prazo, podem sofrer menos com escândalos e outros eventos que impactam negativamente o valor dos ativos ou o potencial de pagamento de uma dívida, por exemplo. Além disso, o vice-presidente da ANBIMA destaca que considerar os critérios ESG é uma maneira de alinhar os investimentos com os interesses da sociedade.

“Por isso, acreditamos que não só as finanças sustentáveis ganharão mais importância nos mercados financeiro e de capitais como também há uma tendência de consolidação e padronização do conceito e do que é considerado como investimento sustentável”.

Na prática, Cacá Takahashi aponta que o mercado já dispõe de instrumentos financeiros para viabilizar a alocação de capital para o financiamento de atividades e projetos sustentáveis. “São atividades que promovam a transição para uma economia de baixo carbono, uso eficiente dos recursos naturais, conservação da biodiversidade, entre outros temas, por meio de emissão e distribuição de títulos de dívida verdes, climáticos, sociais e ligados à sustentabilidade”, exemplifica.

“Outra maneira é a estruturação e a distribuição de fundos de investimento que têm um objetivo de sustentabilidade declarado. Nesse contexto, lançamos, em janeiro de 2022, um conjunto de regras de autorregulação para identificação de fundos com objetivo de investimento 100% sustentável, os chamados fundos IS (Investimento Sustentável), e para aqueles que não têm esse objetivo como principal, mas consideram as questões ESG em seu processo de gestão”.

TENDÊNCIAS

Tendências no mercado das

finanças sustentáveis no Brasil

01 – Aumento das emissões de títulos verdes e de títulos atrelados a metas ESG.

02 – Maior participação dos bancos via empréstimos e letras financeiras.

03 – Crescentes cobranças dos investidores e da sociedade em geral.

04 – Curva de aprendizagem e difusão das melhores práticas ASG (Ambientais, Sociais e de Governança) no setor financeiro.

05 – Ampliação das iniciativas regulatórias para reduzir as exposições aos riscos ASG (Ambientais, Sociais e de Governança).

06 – Suporte às emissões de títulos via instrumentos de blended finance.

Fonte: “O mercado de finanças sustentáveis no Brasil em 2022: Produtos, tendências, perspectivas e vozes do mercado”. Disponível em: https://labinovacaofinanceira.com/wp-content/uploads/2022/03/FiBraS-Mercado-FinSustentaveis_2022.pdf

PARA ENTENDER

FINANÇAS SUSTENTÁVEIS

l As Finanças Sustentáveis referem-se à integração dos aspectos de sustentabilidade nos processos de tomada de decisão, nas políticas e nos arranjos institucionais dos atores do mercado financeiro, contribuindo para a mitigação dos riscos Ambientais, Sociais e de Governança (ASG) e o desenvolvimento de uma economia sustentável. Nesse sentido, as finanças sustentáveis compreendem qualquer serviço ou produto financeiro que integre critérios de sustentabilidade nas suas características.

Fonte: “O mercado de finanças sustentáveis no Brasil em 2022: Produtos, tendências, perspectivas e vozes do mercado”.

Boas práticas ESG são importantes para a imagem das empresas no mercado atual, segundo Cacá Takahashi foto: reprodução