Pará

Denúncia de crime de ódio aumenta até 800%

O réu foi denunciado pelo Ministério Público do Paraná (MPPR) por ter publicado nas redes sociais Facebook e Askfm anúncios nos quais ofertava à venda um homem negro como escravo. Foto: Octavio Cardoso/ Diário do Pará
O réu foi denunciado pelo Ministério Público do Paraná (MPPR) por ter publicado nas redes sociais Facebook e Askfm anúncios nos quais ofertava à venda um homem negro como escravo. Foto: Octavio Cardoso/ Diário do Pará

Cintia Magno

As denúncias de crimes de ódio praticados na internet cresceram 67,7% no ano de 2022, no Brasil. Isoladamente, o aumento no número de denúncias desse tipo de prática chegou a mais de 800% em relação ao ano de 2021, caso do crime de xenofobia, que registrou o maior crescimento dentre todos os crimes de ódio denunciados neste ano.

Os números foram levantados e apresentados pela Central Nacional de Denúncias da Safernet, associação civil que atua na defesa dos Direitos Humanos na Internet no Brasil, e chamam a atenção para a disseminação desse tipo de crime no ambiente virtual, sobretudo em anos eleitorais.

Em funcionamento desde 2006 e coordenada pela Safernet, a Central Nacional de Denúncias recebe denúncias feitas anonimamente por usuários que tiveram algum tipo de acesso a conteúdos que violem direitos humanos e que possuem tipificação na legislação, como é o caso de conteúdos de racismo, xenofobia, LGBTfobia, neonazismo, incitação ao ódio contra mulheres (ou misoginia) e apologia a crimes contra a vida.

Quando recebidas pela central, tais denúncias ficam acessíveis, em tempo real, para as autoridades poderem detectar se, de fato, houve alguma violação prevista em lei e tomar as providências cabíveis.

Das denúncias de crimes de ódio recebidas ao longo de todo o ano de 2022, quase todas apresentaram aumento, com exceção do crime de neonazismo, cujas denúncias recuaram em 81,60%, quando comparadas com 2021. Entre as que tiveram aumento, depois do crime de xenofobia, os maiores crescimentos ficaram com os crimes de intolerância religiosa (crescimento de 455,99%) e misoginia (crescimento de 250,85%).

Considerando o histórico de denúncias recebidas pela Central Nacional de Denúncias, 2022 foi o terceiro ano eleitoral consecutivo em que os crimes de discurso de ódio apresentaram crescimento em relação ao ano anterior. Segundo o gerente de projetos da Safernet, Guilherme Alves, essa tendência já vem sendo observada nos últimos quatro anos.

“A Safernet tem observado uma tendência de aumento nas denúncias envolvendo discursos de ódio na internet desde 2018 e os anos eleitorais são anos em que alguns tipos de discursos de ódio acabam se acentuando”, relaciona.

“Isso tem a ver com o contexto maior da disputa eleitoral, em que nós temos observado o aumento do uso das redes como ferramentas de propagação não só das campanhas, mas também da própria participação das pessoas no processo. E, de fato, o contexto social mais amplo do Brasil, principalmente desde 2018, acentuou também a propagação de discursos de ódio, que vieram inclusive dos próprios dirigentes, de muitas figuras públicas proeminentes”.

Guilherme considera que o cenário apontado pelos números preocupa, mas também pode sinalizar que a população está mais atenta à ocorrência desse tipo de conteúdo na internet.

“A Central acolhe denúncias de pessoas que se deparam com conteúdos que estão na internet que violam direitos humanos e fazem uma denúncia, então, significa que as pessoas estão mais atentas a isso e buscando formas de minimizar a propagação desses discursos na internet. Isso é uma tarefa bastante difícil porque nós sabemos que o volume de conteúdos publicados on-line, principalmente os gerados pelos próprios usuários nas redes sociais, é muito grande, então, é um trabalho de conscientização também para que as pessoas entendam que pode haver algum tipo de responsabilização sobre esses conteúdos, ainda que seja a remoção deles das plataformas”.

 

Quem pratica esses atos na internet pode ser responsabilizado

Usuários que publicam ou compartilham conteúdos ligados a crimes de ódio na internet, ainda que de forma anônima, podem ser responsabilizados criminalmente. Ainda que quem pratique esse tipo de crime tente se esconder atrás de um perfil falso, há maneiras de se reunir o máximo de informações possíveis para subsidiar a denúncia.

A advogada, especialista em direito digital e secretária da Comissão de Direito Digital da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PA), Lorena Pantoja, explica que os crimes de ódio são motivados por preconceito, discriminação e intolerância. Ainda que na legislação não esteja previsto um crime de ódio especifico, estão previstos vários crimes que são gerados em razão de preconceito, de ódio, seja por questão de raça, de gênero, de orientação sexual, etnia ou religião.

“Alguns exemplos de crimes que a gente tem e que podem vir desse discurso de ódio estão a apologia a crimes contra a vida; a exposição de imagens íntimas, onde comumente as vítimas são mulheres; tem questões de intolerância religiosa; questões relacionadas ao neonazismo; a gente vai ter a questão do racismo também e, inclusive, recentemente houve uma alteração na lei de antirracismo, em que a injúria racial é equiparada ao crime de racismo, fazendo com que a pena para a injúria racial seja maior”.

Para esse conjunto de crimes previstos na legislação, a advogada destaca que as penas variam de detenção a reclusão em até 5 anos, penas consideradas relativamente baixas, quando comparadas com outros conjuntos de crimes previstos na legislação brasileira. Apesar disso, o que tem se observado é um esforço legislativo para tornar mais rígidas as penalidades de crimes praticados por meio da internet.

“A nossa legislação, no que diz respeito aos crimes informáticos, tem melhorado. A gente teve pequenas evoluções, mas ainda tem muito a melhorar nesse novo contexto de tecnologia, de uso de redes sociais”, considera Lorena.

“Todo esse contexto de crimes de ódio, historicamente, está muito ligado ao preconceito contra grupos minorizados, preconceitos historicamente enraizados na nossa sociedade, e a nossa legislação tem tentado dar uma importância maior quando esses crimes são realizados na internet porque a gente sabe que uma vez que cai na internet, viraliza muito rápido. Às vezes você não tem controle do que é compartilhado, não se tem controle de até onde vai”.

PENA

Um exemplo deste esforço está no agravamento da pena para alguns crimes quando os mesmos são praticados através da rede mundial de computadores ou em redes sociais. Um exemplo apontado pela advogada é o do crime contra a honra, cujo artigo 141 do Código Penal, no seu parágrafo segundo, traz uma cláusula que prevê a aplicação da pena em triplo, caso o crime seja cometido ou divulgado em quaisquer modalidades de redes sociais da rede mundial de computadores.

“Nós temos também uma legislação que trata dos crimes relacionados ao preconceito de raça e etnia, que é a Lei 7.716/89, e a nova lei incluiu também esse aumento de pena. Caso os crimes de injúria em razão de raça, cor e etnia seja realizado por meio de publicação em rede social, rede mundial de computadores, a pena aumenta para 2 a 5 anos e multa. Então, o nosso legislador até tenta fazer uma melhora com base no que a gente tem no nosso Código Penal, com base em leis específicas, mas as penas ainda são relativamente baixas”.

PROVAS

Para que tais punições previstas em lei possam ser aplicadas, é fundamental que a vítima de crimes de ódio praticados na internet denuncie o ocorrido, se municiando do máximo de provas que conseguir levantar. A advogada Lorena Pantoja, esclarece que apenas o print da publicação ou conversa pode não ser suficiente para provar o ocorrido.

“O que acontece é que o print é passível de ser manipulado, teoricamente. Então, é importante que tenham outras informações que ajudem a comprovar que aquele print é real, que é o que a gente chama de metadados. Para além do print, é interessante que tenha, por exemplo, o link da publicação; a hora que aquele post foi feito ou em que momento aquele e-mail foi enviado; a geolocalização para saber de onde aquilo foi postado; para além do IP do computador, o log de acesso e aí já é uma questão mais técnica, mas é importante que a gente tenha acesso também”.

DENÚNCIAS

Denúncias de crimes de ódio na internet recebidos pela Safernet

2017 – 24.356 denúncias

2018* – 72.041 denúncias

2019 – 25.818 denúncias

2020* – 52.918 denúncias

2021 – 44.131 denúncias

2022* – 74.025 denúncias

*Anos eleitorais

CRESCIMENTO

Crimes de ódio que registraram o maior crescimento no número de denúncias 2018 (crescimento em relação a 2017)

1 – Misoginia – crescimento de 1639,50%

2 – Xenofobia – crescimento de 595,50%

3 – Neonazismo – crescimento de 262,10%

2020 (em relação a 2019)

1 – Neonazismo – crescimento de 740,70%

2 – Racismo – crescimento de 147,80%

3 – Xenofobia – crescimento de 111,20%

2022 (em relação a 2021)

1 – Xenofobia – crescimento de 874,10%

2 – Intolerância religiosa – crescimento de 455,99%

3 – Misoginia – crescimento de 250,85%

Fonte: Central Nacional de Denúncias da Safernet.

CRIMES

A Central Nacional de Denúncias da Safernet recebe denúncias de 10 crimes. Além dos 7 crimes de discurso de ódio (racismo, xenofobia, LGBTfobia, neonazismo, incitação ao ódio contra mulheres ou misoginia, intolerância religiosa e apologia a crimes contra a vida) e aqueles envolvendo imagens de abuso e exploração sexual infantil, a Safernet também recebe denúncias de maus tratos contra animais e tráfico de pessoas na internet.