
Dados do MapBiomas divulgados em abril deste ano mostram que mais de 3 mil sítios arqueológicos em todo o Brasil sofreram algum nível de perda de vegetação nativa entre 1985 e 2022. A maior concentração dessas áreas afetadas está na Amazônia Legal e na Caatinga, biomas que reúnem não apenas enorme diversidade ecológica, mas também milhares de registros históricos da presença humana ancestral. Em estados como o Acre, por exemplo, 87% dos sítios catalogados já foram impactados direta ou indiretamente pelo desmatamento.
Sob o solo das florestas preservadas da Amazônia encontram-se rastros da história humana que remontam aos séculos XVII e XVIII. Sítios arqueológicos inteiros, com cerâmicas, estruturas de moradia e objetos domésticos, testemunham a presença de comunidades tradicionais e os processos de resistência que marcaram a ocupação do território. Mas esses vestígios vêm sendo apagados silenciosamente pelo avanço do desmatamento, que ameaça tanto a biodiversidade quanto a memória cultural do país.
Com o apoio de iniciativas como o projeto AWA, da Carbonext, esses locais ganham uma nova perspectiva de proteção. Desenvolvido em parceria com a Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombo de Gurupá (ARQMG), o projeto AWA é referência em conservação florestal com protagonismo comunitário. Além de manter em pé mais de 66 mil hectares de floresta nativa, o projeto tem atuado na sinalização e valorização de áreas identificadas pelos próprios quilombolas como de relevância arqueológica, assegurando que não apenas a floresta, mas também a história, siga preservada.
Essas áreas afetadas muitas vezes não demarcadas ou desconhecidas fora das comunidades locais, estão sob risco constante de degradação por queimadas, abertura de áreas para agricultura e avanço de frentes ilegais. Na maioria dos casos, trata-se de danos silenciosos, que ocorrem sem alarde: estruturas de barro que se desmancham, utensílios que viram escombros e narrativas que desaparecem sem registro. Preservar o meio ambiente, nesse contexto, é também um ato de proteção ao patrimônio cultural e histórico do país.
Criado em 2022, o AWA é o primeiro projeto brasileiro do mercado voluntário de créditos de carbono gerido integralmente por uma população quilombola. A palavra “AWA”, em quimbundo, significa “Espírito da Terra” — e não por acaso. O projeto busca integrar a conservação da vegetação nativa à valorização das práticas tradicionais das comunidades do território de Gurupá, no Pará. Com mais de 2.300 moradores distribuídos em 11 comunidades, o AWA protege mais de 66 mil hectares de floresta amazônica ameaçada por desmatamento.
Durante o diagnóstico inicial do projeto, as comunidades foram convidadas a identificar áreas de importância cultural, espiritual e social. “Foi unânime: todas apontaram os sítios arqueológicos como prioridade”, relata Lana Farias, coordenadora de Comunidades da Carbonext.
“Eles mostraram objetos encontrados em atividades comuns, como roça e coleta. Garrafas de cerâmica intactas, panelas de barro, utensílios domésticos. Em um dos casos, a peça encontrada foi datada de cerca de 1800. Trata-se de uma bilha, peça usada pela comunidade para colocar água e o gole (cachaça e outras bebidas). Nosso papel como projeto é apoiar a sinalização dessas áreas e promover ações de valorização cultural, garantindo que esse conhecimento seja respeitado e transmitido às próximas gerações.”
Comunidades contam as próprias histórias
Entre as comunidades do projeto, o povoado de Nossa Senhora de Nazaré, no rio Jocojó, tem papel central. Formada por descendentes de pessoas escravizadas que fugiram do Gurupá-Mirim no século XIX, a comunidade é um exemplo vivo de resistência e reconstrução. A história local foi registrada em detalhes no livro de pesquisa comunitária elaborado por Regiane Machado dos Santos, liderança da região.
“A floresta que hoje é preservada guarda também os caminhos de fuga, os locais de refúgio, os vestígios das casas e dos utensílios usados por nossos antepassados. Cuidar dessa terra é cuidar da nossa história”, diz Regiane.
No relato, é possível reconstruir o percurso de Alípio, escravizado que descobriu o acesso ao atual território do Jocojó ao subir numa árvore alta para encontrar terra firme do outro lado do igarapé. A partir dali, surgiram os primeiros núcleos da comunidade, onde até hoje vivem famílias que mantêm tradições culturais como festas religiosas, ladainhas em latim, mutirões de limpeza do rio e a oralidade como instrumento de educação. Os sítios arqueológicos, identificados dentro da floresta, reforçam esse elo com o passado.
A Carbonext é uma das principais desenvolvedoras brasileiras de projetos REDD+ — modelo que visa a Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal. Seus projetos combinam tecnologias de monitoramento remoto com ações em campo e protagonismo comunitário, atuando em frentes como gestão territorial, geração de renda, educação ambiental e valorização cultural.
Atualmente, os projetos da empresa abrangem centenas de milhares de hectares na Amazônia Legal, contribuindo para a preservação da biodiversidade e o fortalecimento das populações tradicionais.
No caso do AWA, a presença do projeto ajuda a garantir que os sítios arqueológicos sejam conhecidos, respeitados e mantidos como parte da história coletiva. Mais do que carbono, o que se protege é uma teia de vida, cultura e memória que a floresta ainda abriga — e que merece seguir existindo.



