Pará

De Marabá a Lisboa, a história (inesperada) de Hallisson

Foi o paraense Hallisson Xavier quem estreou o piano que, desde o dia 4 de abril, está disponível ao público na mais movimentada estação de metrô do Porto, em Portugal.
Foi o paraense Hallisson Xavier quem estreou o piano que, desde o dia 4 de abril, está disponível ao público na mais movimentada estação de metrô do Porto, em Portugal.
Vilma Reis, especial de Portugal para o Diário do Pará

Foi o paraense Hallisson Xavier quem estreou o piano que, desde o dia 4 de abril, está disponível ao público na mais movimentada estação de metrô do Porto, em Portugal. Só que o Hallisson vive distante 300 quilômetros do local da cerimônia de inauguração, ele mora em Lisboa e foi levado pelo próprio CEO da empresa que presenteou aquela estação com um piano público.

Para completar o prestígio, o paraense tocou uma música da sua própria autoria. Quem testemunhou esse momento do Hallisson, ali na cidade do Porto, dando até entrevistas, não imagina que tudo começou no Natal passado.

Com a progressiva leva de brasileiros para Portugal, cresce junto o já conhecido “Natal do Sós”, como chamam o serão de 24 de dezembro os imigrantes que vivem longe de casa à procura de melhores salários (e não só). Segundo o governo português, cerca de 400 mil brasileiros vivem legalmente em Portugal e representam mais ou menos 40% da população estrangeira. Em fevereiro de 2023, vindo de Marabá, Hallisson Xavier começou a fazer parte deste contingente e a sua primeira celebração natalina tomou as redes sociais pelo inusitado: ele não tinha onde (nem com quem) passar a noite de Natal e resolveu “jantar música”.

Foi o paraense Hallisson Xavier quem estreou o piano que, desde o dia 4 de abril, está disponível ao público na mais movimentada estação de metrô do Porto, em Portugal.

 

Para além do Natal, esta história envolve um piano em Lisboa, colocado numa estação de metrô pela Critical Software, a maior empresa portuguesa de tecnologia. É comum, em algumas estações de trem ou metrô ao redor do mundo, pianos serem colocados à disposição dos passageiros. Se você souber tocar é só chegar, sentar e dar início a um concerto para aqueles que estão chegando ou partindo. No piano da estação de Entrecampos, centro da capital portuguesa, uma câmera registra tudo o que acontece ali e foi através das imagens (e do som) que a Critical viu o Hallisson tocar, faltava pouco para a meia-noite de 25 de Dezembro de 2023.

Mas antes de contar o resto da história, é preciso apresentar o Hallisson e como ele chegou até ali. Nascido em Marabá há 32 anos, próximo da famosa Feira da 28, ele é um dos quatro filhos do bombeiro Eudes Lima e da costureira Solange Xavier. O avô foi um dos primeiros comerciantes de Marabá. Cícero Lima teve um açougue que também servia de lojinha local de secos e molhados. Na família todos cantam e tocam, tem trompete, flauta, violão e piano. Tudo aprendido de maneira autodidata, ninguém vive profissionalmente da música. Mas o Hallisson mudou isso.

Nascido em Marabá há 32 anos, próximo da famosa Feira da 28, ele é um dos quatro filhos do bombeiro Eudes Lima e da costureira Solange Xavier.

“Eu sempre me senti bem com a música nas novelas, filmes, videogame. Colocava meu ouvido mais atento e sentia que a música me deixava de um jeito diferente. Gosto de perceber música no som da cidade, nos carros, buzinas, mas eu não era músico, eu só me sentia bem com esses sons. Fui uma criança muito antissocial, tinha vergonha de todo mundo, ia mal no colégio, até que a música chegou e tudo mudou. Consegui me comunicar com as pessoas, já tinha coragem para falar com aquela menina que eu gostava. Me desenvolvi socialmente através da música e aquele contínuo sentimento e solidão dentro de mim, diminuiu”, explica Hallisson.

Ele conta ainda que sempre pensou em emigrar, morar num lugar diferente daquele onde nasceu. Em Marabá, Hallisson trabalhava numa escola chamada Bateras Beat Music School. Os professores diziam que o seu talento musical poderia ser o seu passaporte. Surgiu a oportunidade de trabalhar, nesta mesma escola, mas numa filial que abriria em Portugal e ele se candidatou, foi aprovado e viajou, estava tudo apalavrado. Só que não aconteceu.

A escola não abriu, ele não quis voltar com a decepção debaixo do braço. Bateu o desespero. Ele não conhecia ninguém, não tinha sustento, ficou realmente sozinho: “Mas eu vim preparado para tudo, fiquei na rua, mas arranjei um quarto, depois um emprego de motorista. A seguir trabalhei numa empresa que constrói bancos para automóveis e também estive numa fábrica de chapéus. Hoje dou aulas de música e as coisas estão se encaixando”, diz.

Hallisson está há dez meses em Portugal e eis que chega o Natal. O tempo frio mais a solidão vira receita pronta para um dia triste. Ele passou o dia e a tarde segurando o choro, nas chamadas telefônicas com a família o disfarce de tranquilidade funcionou, mas ele não conseguia ficar sozinho no quarto, preferiu enfrentar o frio, saiu sem rumo. Na cidade, tudo fechado e os bares, restaurantes e lanchonetes que estavam abertos só serviam quem tinha feito reserva. Ele lembrou do piano na estação de metrô, partiu para lá.

Chegou, sentou, tocou – um consolo: “Eu disse pra mim mesmo, quer saber, vou encher a barriga de piano, vou jantar música”. De repente, um entregador de aplicativo chega com uma encomenda e o Hallisson pensou que era apenas alguém que queria pedir uma música…

“Ele olhou pra mim e eu pra ele, tudo bem estranho, e ele me entregou um lanche completo, o que eu chamo de X-Tudo e falou em inglês, mas eu só falo português! A coisa complicou e eu só consegui entender melhor quando ele mostrou a mensagem que estava no pedido: entrega esse lanche para o rapaz no piano.”

Do outro lado da câmera que, em tempo real, passava a cena pela internet, estava alguém da Critical, o benfeitor. Ele também estava preocupado, com medo que o entregador não fosse rápido, que o Hallisson fosse embora sem receber o lanche, que não houvesse, efetivamente, Natal. O que aconteceu depois não aparece no vídeo, está na memória do Hallisson:

“Recebi o pacote, continuei tocando, terminei a música e fui pra um canto. Chamei um outro rapaz sozinho que estava ali, dividi o sanduíche com ele e pensei: acabou de acontecer um milagre…  não foi o lanche, foi me sentir cuidado. Alguém estava literalmente prestando atenção em mim.”