João Vital
Especial para o DIÁRIO
O “abadá” que veste os Pretinhos do Mangue, no carnaval de Curuçá, não vem de uma
lama qualquer. Esse barro fino, escuro e de odor marcante é retirado do solo úmido,
salgado e rico em nutrientes do maior corredor de manguezais do mundo. São 679
quilômetros contínuos de mangue, do Pará até o Maranhão, segundo o Instituto de
Estudos Costeiros, da Universidade Federal do Pará (UFPA) – e Curuçá é uma das
pérolas desse colar.
Com cerca de 40 mil habitantes e a duas horas e meia de Belém, a cidade, conhecida
pelo “carnaval ecológico” e seus foliões lambuzados de tijuco, quer mostrar que a folia
é apenas parte de seus muitos atrativos. Nos últimos seis anos, Curuçá revitalizou
prédios históricos e praças, pavimentou e ajardinou ruas, construiu orlas com vistas
para belas paisagens e começou a oferecer destinos que o turista nem imaginava
existir no mapa.
Praias de areia branca entre o mar e o mangue, revoadas de garças e guarás, trilhas na
floresta, lagos, igarapés de águas cristalinas, viveiros de ostras, carimbó de raiz – todos
os recursos naturais e a rica tradição da cultura popular do município estão sendo
reunidos pela Prefeitura local no mais novo Inventário da Oferta Turística de Curuçá.
É um levantamento e uma espécie de guia sobre o que de melhor a região oferece:
roteiros de passeios, calendário de eventos – do carnaval dos Pretinhos do Mangue ao
consagrado Festival do Folclore, no mês de julho – e a relação de tudo o que a cidade
dispõe em termos de infraestrutura urbana e turística, incluindo hotéis, bares,
restaurantes, artesanatos e feiras.
“Curuçá é outra. Hoje, a cidade tem mais capacidade e mais estrutura para receber o
turista. Pessoas de outros estados e até de outros países já vieram a Curuçá para curtir
o nosso carnaval ecológico”, diz o curuçaense Edmilson Campos dos Santos, o Cafá,
presidente do Pretinhos do Mangue desde o ano 2000.
Criado em 1989, o bloco só deixou de animar as ruas de Curuçá durante a pandemia.
No Carnaval de 2021, para não deixar a data passar em branco, um grupo de cinco
pessoas da diretoria saiu às ruas apenas para plantar 68 árvores, número de vidas
perdidas para a Covid, no município. “O carnaval deste ano é o momento de celebrar a
vida e de refletir sobre o que passou, por isso nosso tema é ‘Abre alas que o Pretinho
voltou’. Voltou com alegria e saúde”, adianta Cafá.
YANOMAMI – A defesa do meio ambiente e da cultura é a principal bandeira do bloco,
que este ano incluirá em seus destaques uma faixa pedindo socorro e justiça aos índios
Yanomami. A expectativa é que o público deste Carnaval supere os 10 mil brincantes
registrados em 2019.
ECOTURISMO
A vocação natural para o ecoturismo, em plena Amazônia Atlântica, é outra credencial
do município. Curuçá abriga a reserva extrativista Mãe Grande, com 370 km², gerida
pelo ICMBio, e o primeiro mosaico municipal de Unidades de Conservação da Natureza
(UCs) da região Norte, reunindo o Parque Natural Lago Rio Quente, a Área de
Preservação Ambiental (APA) Membeca/Valério, e o Refúgio da Vida Silvestre Rancho
Fundo, com um total de 360 hectares.
As UCs, criadas pela Prefeitura em 2019, garantem a preservação e o ordenamento do uso de um lago de cerca de um quilômetro de extensão, na entrada da cidade, e de uma área irrigada por dois igarapés, com grande incidência de animais silvestres e flora preservada, ambos de exuberante beleza cênica.
Dois bosques de árvores frondosas arejam o centro de Curuçá: o Bosque do Centenário, na área da feira e do mercado municipais, e o Bosque da Igualdade, palco do tradicional Festival do Folclore, que ocorre no mês de julho – uma grande festa popular, com shows, grupos folclóricos, exposição de artesanatos e barracas de comidas típicas.
No mês de novembro, o Bosque da Igualdade se integra à iluminação do cemitério São Bonifácio nas homenagens ao Dia de Finados, com bandas de música e barracas de venda de flores e de manicuera – mingau à base de mandiocaba e arroz.
Gastronomia cabocla
A Barraca do Pescador é a mais saboreada e uma das mais concorridas novidades do
mapa turístico de Curuçá. Inaugurado em julho de 2022, o espaço recria o ambiente
rústico das casas de praia de pescadores, com fogão de lenha, rede, esteira de palha,
candeeiro e um cardápio à base de peixe assado na hora (o conhecido “avuado”), camarão ao alho e óleo, caranguejo, mexilhão, açaí e… cachaça.
A barraca foi construída sobre o rio e se conecta à orla da cidade por uma charmosa ponte de madeira. A paisagem do mangue em noites de luar é a parte do cardápio para saborear
com os olhos.
“É um atrativo turístico e um ponto de cultura alimentar que vem despertando interesse de toda a região e de turistas de vários locais. Você tem a oportunidade de degustar pratos feitos na hora, preparado por famílias de pescadores. Acredito que seja o único lugar na região que ofereça esse serviço no modo tradicional, com preços que variam de R$ 10,00 a R$ 45,00”, anuncia o secretário de Turismo do município, Henrique Campos, um apreciador e incentivador das tradições curuçaenses.
A Barraca do Pescador funciona de quarta-feira a domingo, para o jantar, a partir das 18h, mas no carnaval abrirá somente para almoço e visitação, até às 15h. O espaço também
recebe escolas, e os alunos sentam para ouvir histórias de pescador, causos e palestras
lúdicas sobre educação ambiental.
Para falar de Curuçá da boca para dentro é preciso experimentar também o caldo de
ostras no tucupi, o hambúrguer de camarão com maionese de açaí, a salada de camarão com castanha-do-pará, a ova de tainha assada, a gó moqueada… Iguarias do gênero foram apresentadas em dois festivais gastronômicos, o Sabor Curuçá, reunindo cozinheiros locais, chefs de cozinha convidados e um público que surpreendeu os organizadores. “Foi um mar de gente. Em cerca de três horas, a comida acabou”, recorda o chef curuçaense Léo Modesto.
Para Modesto, que ganhou projeção nacional no programa Mestre do Sabor, a cozinha de raiz amazônica “está ligada à memória afetiva, à vivência familiar, e tem um potencial gigantesco. Nossas características de município do interior, com mangue, rios e igarapés influenciam muito a gastronomia de raiz, que deve andar junto com o turismo de experiência”, ensina o chef.
Passeios no rio com degustação de turu
A secretaria de Turismo de Curuçá colocou no mesmo barco a culinária de raiz e o
ecoturismo. Organizou passeios nos rios com paradas para degustação de turu in
natura, moluscos retirados de troncos de árvores caídas. A experiência, que encantou
os turistas, é uma forma de incentivar empreendedores locais a investir no setor.
Passeios de barco a praias habitadas por pescadores, com recepção e almoço servido
por famílias nativas, é outra maneira de estimular o empreendedorismo local e
fomentar o turismo de base comunitária.
O secretário Henrique Campos acredita na vocação do município para o segmento do
turismo de natureza, pesca, sol e praia, gastronômico, histórico e cultural. “Dentro de
um planejamento, estamos trabalhando a infraestrutura turística e urbana para
oferecer oportunidades e condições aos empreendedores do produto Curuçá”,
informa.
Em parceria com a Secretaria de Turismo do Estado e SENAR, a Secretaria de
Turismo de Curuçá já ofereceu 15 cursos que atendem a cadeia do turismo. Neste mês
de fevereiro, começam dois cursos técnicos de Guia de Turismo e de Hospedagem.
PRAIAS – Saindo do porto de São João do Abade, o rio Muriá e seus afluentes
conduzem a pelo menos quatro praias banhadas pelo oceano Atlântico: Romana,
Arrombado, Areuá e Paxicú. Juntas, somam mais de 15 quilômetros de areia branca e
fina, manguezais, lagos, currais de pesca e muitos pássaros atraídos pelos peixes.
A viagem de barco para essas praias dura cerca de uma hora e meia, ou menos de meia hora em lanchas mais possantes. O turista acostumado com barraquinhas, restaurantes e
guarda-sol na praia precisa esquecer essas comodidades. Nas lindas e rústicas praias
do litoral curuçaense só existem barracas de pescadores. É preciso levar o que comer e
beber – ou garantir antecipadamente com o barqueiro e pescadores o peixe para assar
na praia, e usufruir dessa experiência memorável.
Lugares para assistir espetáculos da natureza
São quatro as opções para contemplar os rios de Curuçá, o pôr do sol e as noites de
luar: orla do Abade, orla da Cidade, orla da Vila de Coqueiro e orla de Nazaré do
Mocajuba, todas com praça, calçadão, ciclovia, estacionamento e trapiche – além de
área de feiras e exposições, no Abade, e quadras de esportes, na Cidade.
A Prefeitura de Curuçá estima que investiu, nos últimos seis anos, em parcerias ou com
recursos próprios, cerca de R$ 14 milhões em obras e serviços que beneficiam direta
ou indiretamente o turismo local. A urbanização das orlas, a restauração de prédios
históricos e as ruas iluminadas e monitoradas por câmeras de segurança mudaram o
perfil da cidade. A rede hoteleira cresceu. De acordo com os números do Inventário
Turístico de Curuçá, existem hoje na cidade sete hotéis e pousadas, sete bares e sete
restaurantes.
Para estimular o turismo de base comunitária e o turismo de natureza, a Prefeitura de
Curuçá trabalha na criação de um parque ambiental, na urbanização de mais três orlas
– nas comunidades de Caratateua, Beira Mar e Murajá – e no novo e temático Portal
da Cidade, com inauguração prevista para o final de fevereiro. É com investimentos
dessa natureza, que o município pretende atrair empreendedores das áreas de
hotelaria e alimentação, ainda carentes na cidade.
Os horizontes abertos pelo novo Governo brasileiro na área do turismo e a escolha de um paraense, Jader Filho, para o Ministério das Cidades, animam o prefeito Jeferson
Tarrafa (MDB), que atravessa, com elevado índice de aprovação, seu segundo
mandato.
“A expectativa é positiva. Com o Governo do Estado aliado e alinhado com
todos os entes federados, a tendência é dar certo”, analisa a o prefeito, que
considerou “excelente” a nomeação de Jader Filho. “É um grande conhecedor dos
problemas do Estado e irá contribuir muito, principalmente ajudando o Pará com
problema de saneamento básico, que é inerente à pasta”.