No dia 18 de março de 2020, o governo do estado confirmou o registro do primeiro caso de Covid-19 no Pará. Na época, o paciente tinha 37 anos de idade e era do sexo masculino. Dois meses depois, no dia 7 de maio, Belém e mais nove cidades paraenses entraram em lockdown. O Pará foi o segundo estado do país a adotar a medida contra o coronavírus.
Com o bloqueio, apenas supermercados, farmácias, feiras e bancos seguiram funcionando. Cerca de 30 barreiras foram montadas somente em Belém para fazer a abordagem das pessoas e orientá-las sobre as restrições, pois quem desrespeitasse as medidas de proteção estava sujeito às advertências e multas. As outras cidades que entraram em lockdown juntamente com a capital paraense foram Ananindeua, Marituba, Benevides, Santa Bárbara do Pará, Santa Izabel do Pará, Castanhal, Santo Antônio do Tauá, Vigia de Nazaré e Breves.
Naquele 7 de maio, em boletim divulgado pela Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa), às 21h, foram confirmadas 78 novas mortes pela doença, subindo para 488 o número de óbitos no total. Mais 411 casos de Covid-19 também foram confirmados, totalizando no dia 5.935 casos no Pará.
Impactos da Pandemia no Cotidiano
Cinco anos depois, o DIÁRIO ouviu trabalhadores no bairro da Pedreira, com faixas etárias distintas, que foram impactados diretamente pela pandemia, com a mudança de rotina. As lembranças são as mais diversas, desde perda de clientes, diminuição das vendas até infecção pelo SARS-CoV-2, vírus causador da Covid-19, assim como aprendizados que tiveram diante da situação.
Atravessar uma pandemia e um lockdown sendo feirante não foi fácil para Betânia Almeida, 49 anos. Acostumada a uma rotina intensa de trabalho nos diferentes turnos com a venda de itens, como farinha de tapioca, a feirante se sentiu confusa diante de um cenário que nunca tinha passado anteriormente. “Quando a Covid chegou foi desesperador. Eu perdi muitos clientes, muitos porque não podiam ou não queriam sair de casa, e outros porque morreram com a doença”, relembra a feirante que tem quase 30 anos de atuação no ramo.
Na época, Betânia contraiu Covid, o que a deixou mais insegura quanto à pandemia. “Eu tive sintomas como dores de cabeça muito fortes. Pensei que fosse morrer. Pedia a Deus para me curar disso”, relata. Consequentemente, diante daquele contexto, as vendas despencaram. “Imagina você depender do público para as vendas e de repente os clientes sumirem. Foi um período bem complicado. Eu vi também que houve muita imprudência das pessoas, que não respeitavam as recomendações de segurança”.
O relato de Fabiana Monteiro
Com sintomas mais graves da doença, a autônoma Fabiana Monteiro, 30, que trabalha com a comercialização de ovos, viu a rotina mudar drasticamente com a nova realidade imposta pelo SARS-CoV-2. “Eu tive muita dor de cabeça, dores no corpo todo e falta de ar. Foi muito complicado aquele momento para mim e para muitas pessoas”, recorda a trabalhadora que já atua há sete anos no negócio.
No lockdown, Fabiana explica que precisou reorganizar a agenda, pois a feira onde trabalha passou a fechar às 13h com a medida. Além disso, com a redução do público comprador, outro ponto destacado pela autônoma é que os clientes tinham medo de tocar nas mercadorias, ressaltando o receio deles de se contaminar com o vírus da Covid-19. “Muitos clientes se isolaram e outros nem chegavam perto. Eles faziam os pedidos de dentro do carro e assim levávamos. Foi bem difícil, mas passou”, afirma.
Covid-19 na feira: histórias de perda, criatividade e resistência no Pará
O silêncio que tomou conta das ruas de Belém durante o lockdown, decretado em 7 de maio de 2020, ainda ecoa na memória dos trabalhadores que dependem do movimento das feiras para sobreviver. Cinco anos depois, o DIÁRIO ouviu feirantes do bairro da Pedreira, que relembram como a pandemia transformou não só a rotina, mas também a forma de vender, conviver e sobreviver.
“Tive que virar entregador para não parar”
Para Inácio Paiva Lima, 56 anos, vendedor de farinha de mandioca desde os anos 1990, a pandemia veio como um susto — e um grande desafio. Ele lembra que precisou pegar autorização da prefeitura para continuar buscando a farinha em Bragança, em meio a barreiras nas estradas e vigilância policial.
“Tive Covid. Foram dias com dor de cabeça e sem olfato. Mas o pior foi ver os clientes sumirem. A feira fechava cedo, e quase ninguém vinha. Aí comecei a fazer entrega nas casas. Eles pediam do carro e eu levava. Cheguei a fazer delivery até de noite.”
A solução improvisada salvou o sustento — e se transformou em aprendizado que segue até hoje.
“A fruta estragava e a gente perdia dinheiro”
Aos 19 anos na época, Gabrielle Alves viu o medo tomar conta da família. Asmática, ela contraiu a Covid-19 e perdeu o olfato e o paladar. O que mais preocupava era o risco de contaminar os idosos da casa.
“Redobramos os cuidados. Máscara, álcool em gel… mas foi um sufoco.”
Vendendo frutas em família, Gabrielle viu a procura despencar.
“As frutas estragavam. Não tinha movimento. Mas a gente aprendeu a fazer entrega, foi a única forma de manter alguma renda. Isso ficou como lição.”
“Quebrei. Gastei a poupança inteira para pagar fornecedor”
O impacto foi ainda mais duro para Antônio Raposo, 57, vendedor de camarões. Sem clientes, sem movimento, ele precisou usar todas as economias guardadas para quitar dívidas com os fornecedores.
“Eu quebrei. Gastei tudo que tinha. E mesmo assim, alguns clientes nunca me pagaram.”
Antônio não teve Covid, mas viu colegas da feira morrerem.
“No dia 1º de maio de 2020, foram cinco feirantes que morreram de uma vez. Fiquei três dias sem sair de casa, de tanto medo.”
Hoje, ele voltou a vender camarões na mesma barraca. O sorriso voltou, mas a memória ficou.
“Tem gente que me deve até hoje. E eu cobro”, diz, com um tom entre a brincadeira e a verdade.