Pará

Cotas para mulheres vítimas de violência são importantes

Denise Mendes lembra que ainda existe uma relação de poder desigual entre homens e mulheres

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Denise Mendes lembra que ainda existe uma relação de poder desigual entre homens e mulheres FOTO: divulgação

Luiz Flávio

No mês no qual a luta da mulher pela igualdade de direitos ganha mais destaque, a Advocacia-Geral da União (AGU) disponibilizou um novo modelo de contrato de serviços com mão de obra, já com a previsão de que a administração pública exija da empresa contratada que no mínimo 8% das vagas de funcionários sejam preenchidas por mulheres vítimas de violência doméstica.

A obrigatoriedade do percentual mínimo está prevista em decreto assinado pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, no último dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher. A iniciativa integra um pacote de medidas anunciadas pelo governo federal para promover a inclusão e a proteção das mulheres.

Junto com a decisão, e como forma de tornar célere sua implementação, a Secretaria de Gestão do Ministério da Gestão e Inovação e a AGU, por meio da Câmara de Modelos de Licitações e Contratos da Consultoria-Geral da União e o Departamento de Coordenação e Orientação de Órgãos Jurídicos (Decor), se comprometeram a disponibilizar um modelo atualizado que poderá ser utilizado não só pelos gestores públicos federais, mas por estados e municípios.

Na entrevista a seguir a advogada Denise Mendes, especialista em compliance, Relacionamento Institucional de Governo e sócia do escritório Pinheiro & Mendes Associados, esclarece pontos da nova medida e os avanços do mundo jurídico, que são como um guarda-chuva protetivo à mulher.

P Houve avanços nas legislações para que se cumpra, de fato, o previsto na Constituição, envolvendo a garantia de acesso a direitos básicos. Com o crescente debate sobre os direitos da mulher, qual a importância de ampliar o incentivo de retorno ao mercado, especificamente, a mulheres vítimas de violência?

R Historicamente, existe uma relação de poder desigual entre homens e mulheres. Em razão disso, as mulheres sofrem com a violência em diversos níveis e a restrição de ocupação de espaços. Nesse sentido, o mercado de trabalho é um dos mais afetados. É preciso, portanto, reconhecer essa desigualdade e, em seguida, adotar medidas eficazes para o posicionamento do público feminino no mercado de trabalho para a independência individual, econômica e financeira, sobretudo da mulher vítima de violência doméstica, que, muitas vezes, revelam violências e dependências financeiras com relação ao parceiro.

P Como mulher, estar no centro da discussão e mudanças da nova lei de licitações, ajuda a garantir mais políticas pró-mulheres?

R A nova lei de licitações e contratos (lei n.º 14.133/2021) é uma norma de extrema relevância para o direito público no país, que vem consolidando pensamentos firmados no âmbito do Poder Judiciário e dos Tribunais de Contas. Dessa forma, é importante o debate e o estudo para a adequação ao novo regramento. Nesse sentido, cursos de capacitação e aperfeiçoamento vêm sendo realizados e, para fins de representatividade e ocupação de espaços, é significativa a participação de mulheres nos fóruns de discussão. Fazer parte de momentos que discutem assuntos que repercutem em sociedade também é um meio eficaz de ocupar espaços e viabilizar igualdade e paridade de gênero.

P O que essa Lei muda, na prática, na realidade da mulher vítima de violência?

R O artigo 25, §9º, I, da nova lei de licitações e contratos dispõe sobre a exigência de percentual mínimo da mão de obra responsável pela execução do objeto da contratação seja constituído por mulheres vítimas de violência doméstica. O decreto 11.430/2023, promulgado recentemente, especificou o percentual mínimo de 8% das vagas para esse público específico. São, portanto, mecanismos relevantes para o posicionamento do público feminino no mercado de trabalho, especialmente no que toca a situação de mulheres que precisam ser reinseridas, quando afastadas por motivos de violência doméstica.

P Que outras legislações e ferramentas existem, atualmente, que contribuam com a reinserção da mulher vítima de violência na sociedade?

R O Superior Tribunal de Justiça adotou, no ano passado, a cota de 4% para mulheres em situação de vulnerabilidade econômica decorrente de violência doméstica e familiar nos contratos de serviços prestados de forma contínua. Igualmente, existem mobilizações no poder legislativo para que empresas que contratem mulheres vítimas de violência domésticas recebam incentivos. No escritório Pinheiro e Mendes Advogados, por exemplo, nós também buscamos adotar medidas nesse sentido e foi por isso que lançamos o edital de advocacia pro bono, para a prestação de serviços jurídicos gratuitos para duas instituições sociais que trabalham especificamente com mulheres em situação de vulnerabilidade.

P Como construir um cenário acolhedor para essa mulher vítima de violência dentro de uma empresa?

R É importante que a mulher seja ouvida e tenha um espaço seguro de trabalho. Dessa forma, os programas de compliance, ouvidoria e auditoria interna precisam reconhecer as especificidades do público feminino, fornecendo instrumentos para relatar eventuais abusos. No nosso escritório temos a liderança feminina e mulheres sendo mais de 50% do percentual de colaboradores.

P Na condição de advogada, como você avalia, hoje, a disseminação dos direitos dessas mulheres? O ambiente já é considerado mais seguro e informativo quando essa mulher busca ajuda?

R A legislação brasileira, sobretudo a lei Maria da Penha (Lei n.º 11.340/2006), é o marco normativo no combate à violência contra mulher, prevendo mecanismos para acolhimento. Porém, na prática, a sociedade civil e as instituições ainda precisam avançar no mesmo nível, rompendo com paradigmas patriarcais e machistas. Existe um percurso que ainda precisa ser percorrido. Avançamos. Mas ainda não chegamos lá.

P No que trabalhar para que possamos garantir outros avanços na proteção à vida da mulher?

R Muito se fala na violência contra a mulher e a necessidade de protegê-la. Entretanto, ainda precisamos reconhecer que a violência não se concretiza apenas por agressões físicas. A violência psicológica, com falas agressivas, que ferem a autoestima e podem influenciar no desenvolvimento de transtornos mentais, é uma realidade. Urge a necessidade de trabalharmos o acolhimento e o discurso da sociedade civil e das instituições.

Denise Mendes lembra que ainda existe uma relação de poder desigual entre homens e mulheres
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