RIO (AG) – A embarcação de pequeno porte com nove corpos encontrada no Pará levaria de sete a 15 dias para se deslocar da África Ocidental para o norte do Brasil, mesmo sem nenhum tipo de propulsão. A afirmação é do oceanógrafo e professor da UERJ David Zee, que traçou hipóteses sobre a trajetória do barco encontrado no último sábado no Rio Caeté, perto do município de Bragança (PA). De acordo com informações da Polícia Federal, divulgadas nesta segunda-feira, entre os corpos foram encontrados documentos da Mauritânia e do Mali, o que reforça a teoria de que o barco atravessou o Oceano Atlântico.
– Temos dois tipos de circulação que podem deslocar uma embarcação: do ar e da água. Como a embarcação aparentemente não tinha vela, não dá para dizer que o vento é o fator de deslocamento primário. Tem que ser outra coisa: as correntes do mar – explicou Zee.
De acordo com a Marinha, o barco foi fabricado com fibra de vidro, e tem cerca de 13 metros de comprimento. Ele foi encontrado sem motores ou quaisquer sistemas de propulsão e direção. Além disso, não apresenta sinais de danos estruturais, indicando não ter passado por naufrágio.
Segundo o oceanógrafo, a Corrente Equatorial Norte – que movimenta as águas do Atlântico vindas da África Ocidental rumo ao Caribe – seria o fator principal para que o barco tenha sido encontrado em águas brasileiras, caso ele realmente tenha vindo da região. Sem nenhum tipo de propulsão identificada, o professor também rejeitou a ideia de que a embarcação seria originária do Haiti, hipótese levantada na fase inicial da investigação.
– A Corrente Equatorial Norte corre do Brasil para a Venezuela, vinda da África, e segue para o Caribe. Uma embarcação do Haiti não teria condições de chegar ao Brasil sem algum tipo de força motriz – afirmou.
O oceanógrafo Cassiano Monteiro Neto, do Laboratório de Biologia Marinha da UFF, reforçou a opinião de Zee sobre a possibilidade da embarcação ter sido trazida pela Corrente Equatorial Norte. Ele relembrou a jornada do navegante e escritor Amyr Klink em 1984, quando fez a travessia do oceano em um barco a remo.
– O Amyr Klink fez essa jornada a remo, pegando carona na Corrente Equatorial Sul. Essa embarcação que chegou no Pará muito possivelmente foi trazida por essa corrente ou pela Corrente Equatorial Norte – complementou.
No entanto, David Zee não ignora a possibilidade dessa viagem ter ganhado impulso com os Ventos Alísios, que circulam no Equador vindo do continente africano para a América do Sul.
– Os Ventos Alísios vêm da Mauritânia até o Amapá. Estamos em época de El Niño, que pode enfraquecer esses ventos, mas não anula totalmente a força desse impulso – explicou.
Segundo ele, nessa época do ano o El Niño pode estar sendo substituído pelo fenômeno La Niña, que, por sua vez, fortaleceria os Ventos Alísios. Por essa incerteza, o professor atribui às correntes marítimas o fator principal, visto que a embarcação não tinha velas e pouca superfície para ser deslocada pelo vento.
Apesar dos documentos do Mali e Mauritânia, a PF não descartou a possibilidade de haver pessoas de outras nacionalidades. Além disso, a PF afirmou que foram encontrados nove corpos, sendo oito dentro da embarcação e um nono próximo a ela, em circunstâncias que sugeriam fazer parte do mesmo grupo de vítimas.
Um barco à deriva com nove corpos foi encontrado por pescadores no Rio Caeté, nas proximidades de do município de Bragança, no Pará, na manhã deste sábado (13). De acordo com a PF, o barco foi encontrado na região do Salgado, no nordeste do estado. Essa região abrange 11 municípios, como Salinópolis, São João de Pirabas e Terra Alta. Os corpos estariam em estado de decomposição.
O capitão dos Portos da Amazônia Oriental, Ewerton Calfa, relatou a Rede Liberal que a embarcação encontrada era “aparentemente artesanal”. Além disso, o barco não tinha motor, leme nem características que permitam a identificação de sua origem em um primeiro momento. Içada do rio nesta segunda-feira, a embarcação seguiu para perícia no Instituto Médico Legal.
Ao anunciar a abertura de investigações sobre o episódio, o Ministério Público Federal chegou a falar em até 20 mortos, mas retirou a informação de sua nota sobre o tema. Em um primeiro momento, as suspeitas eram de que os tripulantes seriam haitianos, o que não chegou a ser confirmado.