O consumo consciente ganha força nas conversas do dia a dia, especialmente com a aproximação da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30) em Belém. Em tempos de emergência climática, cada decisão do consumidor pode ser um passo – ou um retrocesso – na luta por um futuro mais sustentável. Na ponta do consumo, escolher onde e o que comprar se tornou, para muitos, uma forma de ativismo cotidiano.
Optar por empresas que respeitam o meio ambiente, cobrar transparência e evitar o desperdício são atitudes que começam no carrinho de compras e se estendem além dele. “Quem são as empresas por trás dos produtos que consumimos?”, “elas respeitam o meio ambiente?”, “produzem de forma ética?” são algumas perguntas que estão cada vez mais presentes no cotidiano do consumidor – que não quer apenas preço, mas responsabilidade ambiental e transparência.
O advogado Gustavo Pinheiro da Silva, especialista em Direito Civil e mestre em Direito do Consumidor, explica que a legislação brasileira oferece respaldo para esse tipo de cobrança, já que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) garante, como direito básico, o acesso à informação. “Embora a lei de 1990 ainda não se utilizava essa expressão de consumo sustentável, uma expressão mais moderna e que vem hoje na esteira das novas tendências mundiais, principalmente com a questão do meio ambiente que se associa a outras áreas do direito”.
Mas o CDC continua abordando sobre a utilização adequada de informação de produtos e serviços. “A interpretação moderna desse tema já alcança a oferta correta de produtos e serviços cada vez mais sustentáveis. ‘O que a gente tem por ideia de sustentabilidade?’ É a utilização correta que não faz mal para a natureza, que não cause uma utilização desenfreada e desnecessária de determinado produto ou serviço”, acrescenta.
Portanto, essa exigência de clareza vale tanto para produtos quanto para serviços, tendo que deixar explícito quais são os componentes daquele determinado produto. De acordo com Gustavo, as empresas tem “sempre a determinação, o dever de transparência. É um princípio também do direito do consumidor”.
E quando a empresa tenta parecer “verde” só no marketing, sem de fato adotar práticas sustentáveis, o famoso greenwashing, o advogado afirma que, embora o CDC ainda não tenha especificamente previsão sobre isso, o intuito do Código, no geral, é que aja a possibilidade de coibição da propaganda enganosa. “Esse problema das propagandas enganosas que pregam ser sustentáveis é cada dia mais presente. Porque as empresas querem aproveitar a onda de surfar na onda da sustentabilidade sem muitas vezes ser”, avalia.
“O CDC, no próprio artigo 37, considera como prática que não é aceita a propaganda enganosa ou abusiva. Então, pode e deve ser combatido por todos: pelo Poder Judiciário, pelos consumidores, pelo Procon, pelo Ministério Público – peça fundamental nessa defesa, porque ele que está ali fiscalizando a atuação das empresas, como é que elas podem estar enganando e pode, inclusive, abrir procedimento de ajustamento de conduta e ação civil pública contra essas empresas”, pontua.
PREOCUPAÇÃO
Ainda segundo o especialista, “o consumidor tem que também cumprir esse papel”, de ser um consumidor consciente, e alguns já demonstram essa preocupação no dia a dia. A nutricionista Rafaela Andrade, de 32 anos, conta que no local onde trabalha a sustentabilidade faz parte da rotina. “Nós fazemos parte do selo verde. Ao invés de usar embalagens descartáveis, servimos os alimentos diretamente em pratos de louça”, conta.
Essa consciência vai além da rotina de trabalho e, também, se torna um estilo de vida. “Além disso, reaproveitamos alimentos que normalmente seriam descartados, como cascas de frutas e talos de vegetais, para fazer bolo, geleia, ou colocar no arroz e no feijão. É uma prática que levo também para casa. O meio ambiente, o clima, tudo, agradecem”, afirma.
O jovem empresário Esdras Nunes, 23 anos, dono de um negócio de chopp gourmet, aposta na valorização do artesanal como uma forma de consumo mais responsável. “Eu corro atrás de coisas artesanais, que não são tão industrializadas. Esses produtos vêm com uma potência caseira, com componentes de mais qualidade. Tem toda uma produção única, com participação humana. Isso faz diferença”.
Para ele, pagar um pouco mais caro por produtos com esse perfil vale a pena. “Tudo que é bom mesmo, de qualidade, tem o seu preço. E hoje o consumidor busca isso. Quando uma marca te oferece ecologia, sustentabilidade, isso aparece no resultado final. Embalagem biodegradável, canudo diferente… tudo isso conta. É um ganho para o empreendedor e para o consumidor”, frisa. Ele acredita que uma forma de conscientizar um estabelecimento é, sem dúvidas, a avaliação do consumidor, ponto é imprescindível. “O consumidor que dá opinião, que faz avaliação, contribui praticamente em 90% para o crescimento de qualquer segmento”, considera.
A estudante de farmácia Audry Leão, 21, também compartilha dessa preocupação. Ela conta que costuma pesquisar sobre a origem dos produtos que consome, mesmo que nem sempre isso seja fácil. “A gente tenta buscar informações sobre a produção, se tem coleta seletiva, se os materiais são recicláveis. Mas nem sempre as empresas deixam isso claro”, comenta. Por outro lado, ela relata que o acesso a feiras de produtos naturais, feitos com insumos ecológicos e embalagens recicláveis, inclusive com rótulos produzidos em papel kraft, “tudo é pensado para ser sustentável”. E até mesmo os materiais escolares que utiliza são feitos com papel reciclado.
Na hora das compras, a preocupação continua. Audry faz feira em mercados onde não são oferecidas sacolas plásticas, o que incentivou a prática de levar as próprias bolsas ou caixas.
“Mesmo em locais que ainda têm sacola, eu costumo levar a minha. É uma forma de evitar esse consumo exagerado”. A mudança de hábito começou no ano passado, e, para ela, vai além da praticidade: é uma questão de responsabilidade coletiva. “É um cuidado com o meio ambiente. A COP 30 está aí para isso, focar na sustentabilidade, não é só o lixo que preocupa, mas também os microplásticos que ainda consumimos, por conta da alta produção de plástico e de insumos”, diz.