Junho chega e, com ele, é tempo de festas juninas, das bandeirinhas coloridas, das fogueiras acesas, do cheiro de milho cozido, pamonha e canjica. Mas muito além da dança da quadrilha e das delícias típicas, este período carrega uma rica tradição religiosa que atravessa séculos. As homenagens aos santos Antônio, João Batista e Pedro são mais do que celebrações: são manifestações de fé, cultura e resistência popular que formam a identidade de grande parte dos brasileiros.
A origem dessas festas no Brasil remonta à chegada dos portugueses, principalmente pelos jesuítas, que trouxeram consigo tradições religiosas profundamente enraizadas na Europa cristã, é o que afirma o historiador e cientista da religião Márcio Neco.
“A tradição de celebrar os santos juninos vem da Europa, da Antiguidade. Não tem nenhuma relação de origem pagã. Os santos juninos passam a ser comemorados a partir do início do cristianismo. Nós temos relatos de cristãos já comemorando o dia de São Pedro nos primeiros séculos da igreja, posteriormente vai ganhando popularidade outros santos, como São João, que é considerado na tradição cristã o precursor de Jesus, como Santo Antônio e tantos outros”.
Ao desembarcarem no Brasil, essas tradições encontraram aqui um terreno propício, pela coincidência com os costumes dos povos originários, que já realizavam celebrações ligadas ao ciclo da colheita, especialmente do milho. “Daí nós vamos perceber o milho sendo base da culinária das festas juninas. E aí encontra um terreno fértil também porque os jesuítas usaram as festas e esses santos como uma ferramenta de catequese. Vão surgindo tradições devido a essa liberdade dos povos, que são carentes da presença dos religiosos, vão produzindo seus próprios ritos como a questão dos mastros e de outros elementos que aparecem nessas festas”, detalha.
Mas, afinal, por que Santo Antônio, São João Batista e São Pedro se tornaram tão populares e queridos pelos brasileiros? Márcio explica que os santos também foram se adaptando às realidades culturais dos locais onde eram venerados. “Santo Antônio, por exemplo, já foi aqui considerado Santo das Batalhas, com espada, chapéu e condecorações militares. Com o tempo, foi se transformando na figura que conhecemos hoje [o santo casamenteiro]”, acrescenta sobre o Santo, do dia 13.
Isso para dizer que os santos passam por profundas transformações. Celebrado no dia 24, “São João Batista, que é o único santo que celebramos o dia do seu nascimento – porque os outros são celebrados no dia de sua morte – aparece na cultura popular como um menino segurando um cordeirinho, lembrando que, segundo a tradição cristã, ele é primo de Jesus. Essas ressignificações que vão tendo no Brasil”.
Sobre São Pedro, o historiador revela que sua popularidade tem relação direta com a atividade pesqueira no período colonial brasileiro. Celebrado no dia 29, “pouco mencionado, mas na verdade, é São Pedro e São Paulo celebrados juntos. São Pedro é o Santo Pescador. A atividade econômica, sobretudo no Brasil colonial, vai fazer com que haja essa identificação desses pescadores. Até hoje ele é venerado em muitos locais onde a pesca é a base da economia. Além disso, São Pedro é aquele que, segundo a tradição, tem as chaves, representando o poder daquele que comanda, que governa”.
Um dado curioso revelado por Márcio é que as festas não começam no dia 13, como muitos pensam, com Santo Antônio, mas no dia 12, com Santo Onofre, considerado o padroeiro dos solitários, que viveu como um eremita no deserto durante 60 anos. “A véspera do casamento é o namoro, não é? Então, o Dia dos Namorados, dia 12”, comenta.
“Santo Onofre é aquele que acende as primeiras fogueiras. E as festas juninas não terminam no dia 29, só terminam com São Marçal, no dia 30, quando se acende a fogueira de paneiro para afugentar os maus espíritos, sobretudo no Maranhão e alguns interiores do Pará”, detalha sobre Marçal, declarado padroeiro dos Bombeiros e santo que livra a humanidade do fogo.
MEMÓRIA
Outra curiosidade cheia de simbolismo, segundo Neco, é que as fogueiras dos santos possuem formatos diferentes, cada uma com um significado próprio. “A fogueira de Santo Antônio é quadrada, um chiqueirinho, uma prisão, justamente por ele ser o Santo casamenteiro; a de São João, que é o precursor de Jesus, tem a sua fogueira no formato de um cone, justamente aquele que aponta para Jesus; e São Pedro tem o formato de triângulo, por ele ser o chefe da igreja e o triângulo simboliza a Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo”.
E se as fogueiras, as quadrilhas e as comidas são os elementos mais visíveis da festa, há também um forte simbolismo nas bandeirinhas. Elas não são meramente decorativas, como muitos imaginam, mas religiosas. “Antigamente bandeiras grandes com o rosto dos Santos eram confeccionadas e colocadas de molho na água e depois retiradas para serem penduradas. E as pessoas às vezes pegavam essa água das bandeiras que ficaram de molho com o rosto dos santos e também costumavam tomar banho. O banho também tem esse aspecto religioso”, lembra.
Com o tempo, as grandes bandeiras foram substituídas pelas bandeirinhas pequenas que conhecemos hoje, mas o sentido religioso permanece. Neco também pontua que o encontro de música, dança e comida das celebrações dos santos juninos acontecem também em outros países.
“Temos na Rússia, Canadá e em tantos outros países em que esse período de São João é comemorado, porém de formas com expressões culturais diferentes, muito às vezes ainda herdadas, com elementos provenientes do paganismo, daquelas culturas anglo-saxônicas”.
Mas a festa junina como é conhecida no Brasil, em cultura e memória, “tem uma maneira peculiar de fato de comemorar, dada essas interações que aconteceram entre os povos originários, entre os escravizados, entre sobretudo os portugueses que para cá vieram e por meio dos padres jesuítas”, de forma única.