Pará

Como eram as primeiras procissões do Círio

Imagem mais antiga do Círio que se tem notícia. Trata-se de uma iconografia que reproduz a romaria de 1878, publicada na Revista Puraquê foto: UFPA
Imagem mais antiga do Círio que se tem notícia. Trata-se de uma iconografia que reproduz a romaria de 1878, publicada na Revista Puraquê foto: UFPA
Imagem mais antiga do Círio que se tem notícia. Trata-se de uma iconografia que reproduz a romaria de 1878, publicada na Revista Puraquê foto: UFPA

Cintia Magno

A emoção indescritível de sentir a força da fé da multidão que toma as ruas de Belém seguindo os passos de Maria de Nazaré será sentida pelos paraenses pela primeira vez depois do período de dois anos sem que o Círio de Nazaré pudesse sair às ruas, em decorrência da pandemia da Covid-19. Ainda que o percurso e até mesmo os tradicionais locais de parada para homenagens sejam velhos conhecidos dos devotos que costumam acompanhar a procissão, nem sempre o Círio teve a mesma configuração vista hoje. No primeiro Círio de Nazaré que se tem registro, realizado em 1793, até mesmo o local de saída era diferente.
A escritora e pesquisadora sobre o Círio de Nazaré, Mízar Klautau Bonna, aponta que a ideia de realizar o primeiro Círio em homenagem à Nossa Senhora de Nazaré partiu de uma autoridade, o fidalgo português Francisco de Souza Coutinho, que havia chegado a Belém no ano de 1790 com o objetivo de exercer as funções de Capitão Geral do Rio Negro e Grão Pará. “Viu a devoção crescendo lá para as bandas da ‘Cidade Nova’, pois Belém terminava quase na esquina da Assis de Vasconcelos. Decidiu ir lá e, empolgado com a feira que aqueles devotos realizavam no largo capinado em frente de uma pequena ermida, aonde se divertiam depois de rezas diante da Imagem, prometeu incrementar essa feira, marcando para o dia 8 de setembro de 1793 sua realização”, conta. “Com tudo organizado, meses antes ele adoeceu. Então, prometeu à Senhora de Nazaré, causadora daquela movimentação, que se ele se recuperasse, levaria a Imagem para o Palácio na véspera, e no dia 8, em romaria junto com o povo, retornaria à Ermida”.
Mízar conta que o fidalgo conseguiu recuperar a saúde e, no dia 07 de setembro de 1793, junto com o Capelão do Palácio do Governo, foi até a Ermida e levou a Imagem de Nossa Senhora de Nazaré para a sede do Governo. No dia seguinte, suspendeu o trabalho às 16h e se colocou em romaria a caminho da Ermida. “Avisou que levassem archotes e lamparinas, pois iam caminhar no escuro do tortuoso caminho que chamavam de Estrada para o Maranhão, e que de estrada nada tinha”, lembra a pesquisadora. “Era caminho de terra pisada e rodados de carroças, entre sítios”.
A organização deste que foi o primeiro Círio de Nazaré do Brasil foi possível porque, segundo aponta Mízar Bonna, em 1790 já havia sido dada a licença, tanto da Rainha de Portugal, como do Papa, para que realizassem, em Belém, uma procissão em nome da devoção que crescia. “No carro do Governador, que era uma Sege, o Capelão com a Imagem no colo, como era uso na Europa, e o Governador ia sentado ao lado levando uma vela do seu tamanho. Esse tipo de promessa usamos até hoje: uma vela fina presa numa vara, para não quebrar, feita na medida da pessoa para a qual foi feita a promessa”.
À época, o Capelão, o Padre José Roiz de Moura, foi o responsável por carregar a imagem durante a procissão porque a Diocese estava vacante, ou seja, sem Bispo. O primeiro Círio foi realizado em uma quarta-feira e, assim que chegaram à Ermida com a Imagem de Nossa Senhora, uma missa foi celebrada. Segundo apontam os historiadores, foi registrada a presença de aproximadamente 10.000 devotos, número bem diferente dos mais de 2 milhões de fiéis que acompanham o Círio nos dias de hoje. “O percurso foi mais ou menos o de hoje, só que com o crescimento da devoção e a realização do Círio, as autoridades capricharam e nos deram a bela Avenida Nazaré, uma reta sensacional da Assis de Vasconcelos até a antiga Independência, chamada hoje de Magalhães Barata e onde ficava o Igarapé Murutucu, recanto onde Plácido encontrou a Imagem”, explica a pesquisadora Mízar Bonna. “O Círio sobrevive cada ano mais extraordinário porque iniciou com uma promessa de fé e um gesto de agradecimento à mãe de Jesus”.

MARCOS HISTÓRICOS
Confira alguns marcos históricos do Círio de Nossa Senhora de Nazaré.
1793
O primeiro Círio de Nossa Senhora de Nazaré saía da capela do Palácio do Governo em direção até onde hoje se encontra a Basílica Santuário de Nazaré. O trajeto foi mantido até o ano de 1882. A partir de então, o bispo Dom Macedo Costa e o então presidente da província Justino Ferreira decidiram que a procissão passaria a sair da Catedral da Sé, percurso mantido até hoje.
1854
O Círio passa a ser realizado sempre no período da manhã. Até esta data, a procissão poderia ser vespertina ou até mesmo noturna, porém, em função das chuvas que acometiam a procissão, decidiu-se por fixá-la no período da manhã.
1901
No início da tradição, o Círio não tinha data certa para ocorrer, podendo ser realizado nos meses de setembro, outubro ou novembro. Em 1901, porém, o bispo Dom Francisco do Rêgo Maia determinou que a procissão seria realizada sempre no segundo domingo de outubro.
2000
Ocorre a procissão que é considerada o Círio mais longo da história. Na ocasião, a Imagem Peregrina de Nossa Senhora de Nazaré chegou à Basílica Santuário às 15h45. A corda foi mantida atrelada à Berlinda durante todo o percurso.

Fonte: Dossiê do Círio de Nazaré – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).