FORÇA, MENINAS!

Como envolver mais mulheres nas Ciências e Tecnologias

Demanda por profissionais em Ciência, Tecnologia, Engenharias e Matemática é crescente, mas há dificuldade de contar com mão de obra feminina

Demanda por profissionais em Ciência, Tecnologia, Engenharias e Matemática é crescente, mas há dificuldade de contar com mão de obra feminina
Demanda por profissionais em Ciência, Tecnologia, Engenharias e Matemática é crescente, mas há dificuldade de contar com mão de obra feminina

A demanda por profissionais altamente qualificados nas áreas STEM (sigla em inglês para ciência, tecnologia, engenharias e matemática) é crescente. De acordo com uma projeção realizada pela Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e de Tecnologias Digitais (Brasscom), o mercado de trabalho brasileiro precisaria contar com quase 800 mil profissionais aptos a preencher vagas nessas áreas. Na contramão disso, porém, apenas 35% das matrículas em STEM na educação superior no mundo são de mulheres, de acordo com a Unesco.

Quando se avaliam os cenários apontados por diferentes estudos a respeito das oportunidades que irão surgir nessas novas áreas do conhecimento e a baixa participação e incentivo de jovens mulheres nas ocupações STEM, não é difícil concluir que as mulheres poderão ser tiradas da corrida pelo emprego do futuro.

A fundadora da organização ‘Força Meninas’, Déborah De Mari, considera que o cenário é grave. “Hoje, no Brasil, as meninas já são 58% de quem ingressa no ensino superior. Apesar disso, quando a gente olha para essas áreas STEM, a gente observa que os números ainda são comparados aos que tínhamos há 20 ou 25 anos atrás. Você tem algumas engenharias em que não se tem mais do que 12% da participação de mulheres e meninas”.

A fundadora da organização ‘Força Meninas’, Déborah De Mari, considera que o cenário é grave
A fundadora da organização ‘Força Meninas’, Déborah De Mari, considera que o cenário é grave

Um estudo realizado pelo ‘Força Meninas’ em 2023 apontou que 62% das meninas dizem desconhecer pessoas que trabalham nas áreas STEM, o que indicaria a falta de representatividade como uma das barreiras para que as mulheres estejam mais presentes nesse campo profissional.

“Essa escolha das meninas e mulheres de não optarem por estudarem nessas áreas ou de não serem incentivadas nessas áreas, as colocam ainda mais distantes de um futuro próspero e de um futuro melhor porque essas áreas vão ser as mais bem remuneradas, vão ser as áreas que vão ter mais oportunidades no futuro. Isso pode aumentar a vulnerabilidade de mulheres e meninas ao longo do tempo”, considera Déborah.

E o quadro, certamente, é ainda mais grave quando se considera a realidade enfrentada por meninas e mulheres que vivem em uma situação mais vulnerável. Outro fator que impacta esta realidade é o geográfico. “A gente fala bastante de conectividade, mas nem todo mundo tem uma boa conexão para estudar gratuitamente pela internet. Muitas vezes, a gente fala com esse olhar muito urbano e focado, sobretudo, na região Sudeste, mas a gente precisa considerar que existem grandes disparidades.

Então, esse dado é ainda mais grave quando a gente olha para os estados das regiões Norte e Nordeste do Brasil, e o agravamento é ainda maior para as meninas que estão em vulnerabilidade”, chama a atenção. “Quando a gente olha uma menina negra, que nasce em uma zona rural, em uma periferia ou em um local de distanciamento geográfico, com certeza ela vai enfrentar ainda mais dificuldades de se colocar no mercado de trabalho, de ter uma renda, de ter um desenvolvimento econômico, se ela tiver desconectada dessas áreas”.

Para superar esse cenário, a fundadora do ‘Força Meninas’ considera que é necessária uma mudança sistêmica. “Desde a primeira infância a gente precisa ter nas escolas uma conexão maior com a conectividade, com as redes sociais, com a inteligência artificial e com todo tipo de tecnologia que vai propiciar uma nova reflexão sobre o futuro. E essa rede social que eu menciono não é como consumo, mas como criação, como desenvolvimento”, avalia Déborah. “Então, a gente precisa cada vez mais que, desde muito cedo, que as áreas de ciência e tecnologia, engenharia e matemática sejam ensinadas e aprendidas como áreas para resolverem problemas do mundo”.

Em outra medida, Déborah De Mari defende que haja um maior incentivo a essas áreas, com os educadores e a comunidade escolar preparados para ter um olhar mais sensível para essa questão de gênero, já que ainda hoje existe um grande estereótipo de que essas carreiras não são femininas. “Desde muito cedo, mesmo que as meninas tenham interesse ou se destaquem em matemática, por exemplo, elas são pouco incentivadas a continuar nessas carreiras. Muitas vezes, essas meninas são convencidas a ir para outras áreas, então, mesmo as boas alunas nessas áreas acabam não escolhendo trabalhar nelas no futuro, o que é preocupante”.

PAPEL

Pesquisadora, com atuação voltada a entender e impulsionar carreiras femininas na área de gestão e na ciência, a reitora do Instituto Federal do Pará (IFPA), Ana Paula Palheta, também considera que a representatividade exerce um papel importante para possibilitar que mais meninas e mulheres acessem essas carreiras. “Falando da nossa experiência de Instituto Federal do Pará, nós sabemos que é importante, pra que as meninas e as mulheres tenham um bom desempenho nessa área, que elas reconheçam em outras mulheres, professoras, técnicas administrativas, colaboradoras, mulheres que estão ocupando lugares que elas também desejam, ou então que ao ver mulheres em determinadas posições, elas se sintam motivadas a buscar também realizar a sua vida profissional com excelência, com trabalho, com dedicação e responsabilidade e desse modo superar esses hiatos que nós ainda vivemos”.

Primeira mulher a ocupar o cargo de reitora do IFPA nos 115 anos de existência da instituição, Ana Paula teve seu primeiro contato com a produção científica ainda durante a graduação em Ciências Sociais, através de uma bolsa de iniciação científica do CNPQ. Diferente dela, a pesquisadora lembra que hoje os alunos do IFPA têm a oportunidade de acessar essa área já na educação básica, no ensino médio. “Isso pra gente é uma alegria porque, assim como a ciência e a trajetória acadêmica me marcou e tem conduzido minha vida, minha atividade profissional ao longo do tempo, eu tenho certeza que isso também acontece com os nossos alunos e alunas e a gente tem tranquilidade em proporcionar uma educação que não se restringe à sala de aula, mas que oportuniza e leva os nossos alunos muito além”.

Neste sentido, a reitora destaca que a instituição tem se preocupado em introduzir políticas que, de fato, possam transformar essa realidade, seja através da introdução de políticas de iniciação científica por meio de edital ou, por exemplo, pela criação de uma jornada chamada ‘Meninas na Ciência’ – evento destinado a meninas cientistas que atuam em projetos de pesquisa com atividades de ciência, tecnologia e inovação, do Ensino Médio à graduação. “A gente sabe que as tecnologias, áreas de ciência nas quais os homens atuam mais, ainda são áreas de fronteiras para mulheres e para meninas, mas a gente tem buscado atuar de tal forma que elas se sintam seguras em abraçar essa carreira e também buscar desenvolver o seu maior potencial, se assim o desejarem”.

Já quando se pensa em uma mudança de cenário no contexto global, a pesquisadora considera que as instituições de ensino de modo geral precisam ser espaços cada vez mais democráticos e no qual as meninas se sintam seguras para manifestar o desejo em atuar em uma determinada área, sem que isso seja visto como um problema. “A gente tem o entendimento, pela experiência, de que meninas e mulheres que se sentem seguras, que observam outras mulheres e outras meninas já adiantadas nessa trajetória acadêmica, isso tem um impacto positivo, isso estimula, isso faz com que se acredite no seu próprio potencial”.

Participação de Mulheres nas Áreas de STEM

A UNESCO identificou quatro fatores principais que influenciam a participação, o avanço e o desempenho de meninas e mulheres na educação em STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática). Esses fatores também são considerados áreas estratégicas de intervenção para reverter o cenário crítico de baixa representatividade feminina nesse campo. Os fatores identificados pela UNESCO são:

  1. Fator Individual
    As decisões das meninas sobre seus estudos e suas carreiras em STEM são fortemente influenciadas por fatores psicológicos. Esses fatores afetam seu envolvimento, interesse, aprendizagem, motivação, persistência e compromisso com as áreas de STEM. Além disso, os estereótipos de gênero relacionados a essas áreas ainda são predominantes durante o processo de socialização.
  2. Fator Familiar
    Os familiares desempenham um papel crucial na participação das meninas em STEM. O apoio ou a falta dele pode impactar significativamente no desempenho e na aprendizagem das meninas, dependendo dos valores familiares, do ambiente doméstico, das experiências vividas e dos estímulos recebidos em casa.
  3. Fator Social
    As normas culturais e sociais influenciam a percepção das meninas sobre suas habilidades, seus papéis na sociedade, suas carreiras e suas aspirações de vida. O grau de igualdade de gênero na sociedade também impacta a participação das meninas em STEM, refletindo diretamente nos resultados que elas alcançam nessas áreas.
  4. Fator Escolar
    As diferenças na participação de meninas e meninos na educação em STEM começam a se manifestar ainda na educação infantil, especialmente em brincadeiras que envolvem ciências e matemática. Essas diferenças se tornam ainda mais evidentes nos níveis de ensino mais altos, afetando diretamente as escolhas e as oportunidades futuras das meninas.

Fonte: UNESCO