
Cintia Magno
O rico caldeirão cultural que caracteriza a Amazônia é capaz de imprimir autenticidade única a produtos desenvolvidos no bioma, sobretudo se advindos das próprias comunidades tradicionais que historicamente sobrevivem dos insumos obtidos da floresta em pé. É a partir desse entendimento que um projeto de laboratório de produção de chocolates finos e de origem tem percorrido a região para viabilizar um novo modelo de economia para comunidades que, até então, produziam apenas matéria-prima.
Operado pelo Instituto Amazônia 4.0, o projeto Laboratório Criativo da Amazônia (LCA) se traduz na instalação de uma fábrica escola em comunidades representativas da maioria das comunidades da Amazônia. Para que isso seja possível, um modelo foi desenvolvido utilizando tecnologias já existentes e promovendo inovações para eliminar barreiras encontradas no caminho, como as próprias barreiras tecnológicas.
Diretor executivo do Instituto Amazônia 4.0, Ismael Nobre lembra que o mundo passou por grandes revoluções tecnológicas que mudaram a vida das pessoas e que também chegaram às indústrias, levando ao uso de máquinas e processos inteligentes, tudo baseado nas facilidades de comunicação entre as máquinas, os provedores e os usuários. “A partir daí fomos olhar o que existe de inovação e de processos de viabilizações tecnológicas que pudessem tornar viável, de fato, uma economia de valor agregado nos lugares mais inimagináveis, ou seja, nas próprias comunidades que produzem a matéria-prima”, considera.
“Não são coisas que, necessariamente, a gente teve que inventar, como no caso dos painéis solares. Mas outras coisas a gente inventou mesmo. No caso da fabricação dos chocolates, desenvolvemos um software que cuida das máquinas automatizadas e inteligentes, que nós mesmos modificamos”.
A partir do modelo desenvolvido, a fábrica escola chega às comunidades e é abrigada em domos geodésicos alimentados por energia solar e montados em meio à floresta. A primeira comunidade a receber essa primeira fase prática do projeto, em outubro de 2023, foi a Surucuá, na Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, distante cerca de 8h de barco do município de Santarém.
“Independente de a gente ter facilitado muito a produção com a inteligência, ela ainda precisa de gente capacitada. Então, a primeira manifestação prática do projeto é uma escola de produção, que nesse caso foi de produção de chocolate”, explica. “Eles criaram formulações de chocolate que tinham a ver com o conhecimento que eles têm dos produtos que nascem em abundância na região, então, puderam criar algumas barras com características únicas. O chocolate que nós trabalhamos no caso dessa comunidade nem foi de cacau, foi de cupuaçu, o que chamam de cupulate”.
A capacitação teve seis semanas de duração, onde integrantes da comunidade puderam desenvolver e prototipar uma receita, uma estrutura para a barra de chocolate a partir de modelagem 3D e uma embalagem. Ao final do curso, a fábrica escola é desmontada e retirada do local, já que é itinerante, mas além do conhecimento, fica com a comunidade um kit básico de fabricação de chocolate para que continuem desenvolvendo as suas habilidades, incluindo a habilidade de cooperativismo, já que o projeto tem como público-alvo cooperativas e associações e não o empreendedor individual.
“Nessa primeira fase, o trabalho era testar essa fábrica escola em comunidades que fossem muito representativas da maioria das comunidades da Amazônia. Então, nós escolhemos uma comunidade em uma Reserva Extrativista porque é uma unidade de conservação protegida por lei, onde as pessoas têm como vocação, como direito e como dever viver daquela floresta viva. Outro público que a gente pensou são os assentados na Reforma Agrária, que também é um público que vem em grande quantidade e que muitos estão há décadas tentando ter o sonhado sucesso nessa terra, mas ainda com muita pobreza. E temos um terceiro público, que é o público quilombola”.
Ismael Nobre explica que a partir de abril deste ano o projeto da fábrica escola deve chegar às demais comunidades previstas: a Associação das Mulheres Trabalhadoras Rurais de Belterra, a Comunidade Quilombola Moju-Miri e a Comunidade Ribeirinha de Acará-Açu. “São públicos diferentes que a gente quer mostrar como se pode produzir valor agregado na situação que essas comunidades vivem. A gente trabalha com o foco de modelo de desenvolvimento, então, tudo que a gente faz numa região é um processo para chegar a um modelo”.
O modelo a que Ismael se refere é o de uma fábrica que, futuramente, poderia ser instalada em diferentes comunidades da região amazônica. “A Biofábrica 4.0, um projeto nosso, é praticamente a mesma planta da fábrica escola, porém, as máquinas são grandes para chegar na escala que a comunidade vai trabalhar. Essa fábrica contém toda essa modernidade, essa comunicação entre as máquinas e os fabricantes, com internet das coisas. Tudo isso vai estar nessa fábrica 4.0, que é realmente a viabilizadora do processo”, explica.
“E nós estamos trabalhando um modelo para que, no final, essas fábricas não tenham que ter um investimento da própria comunidade porque é muito difícil até para um investidor tradicional ser responsável por um investimento desse. Estamos estudando o conceito da fábrica ser uma espécie de serviço e não uma posse. É claro que alguém teria que pagar essa fábrica e aí nós estamos trazendo para a equação o setor privado, os fundos de investimento que poderiam fazer a parte do recurso e, a fábrica funcionando, ela gera de volta o recurso que foi investido pelo investidor”.
VALOR AGREGADO
De acordo com o Instituto Amazônia 4.0, responsável por operar o projeto do Laboratório Criativo da Amazônia (LCA), a agregação de valor é de até 20 vezes quando se promove o beneficiamento das matérias-primas nas próprias comunidades. A exemplo do cacau e do cupuaçu, as comunidades que hoje vendem o quilo do cacau e do cupuaçu a R$10, poderiam vender o quilo do chocolate produzido por eles, com esses insumos, por R$200 o quilo.