Wal Sarges
Lugar de afeto, de aroma e de sabor, o café é um alimento que provoca uma experiência sensorial, resgatando memórias afetivas a quem o consome. Presente em várias partes do mundo, em Belém, há um número cada vez mais crescente de espaços dedicados ao produto.
No bairro do Reduto, em Belém, a loja Bem Cafeinado que fica localizada na Rua 28 de setembro entre as travessas Quintino Bocaiúva e Rui Barbosa, é especializada no café e as diversas categorias emitidas pelo selo ABIC – Associação Brasileira da Indústria de Café, dentre elas, a tradicional, superior, gourmet e especial.
A empresária Liane Dias, proprietária da loja, comercializa café oriundo de vários lugares do Brasil: de Minas Gerais, do Espírito Santo, da Bahia, mas o de Rondônia é especial. “Por ser um produto da Amazônia, tem um sentimento de pertencimento envolvido. A nossa intenção é transformar nossas vidas, enquanto mulheres amazônidas que gostam de café e querem trabalhar com o produto. Assim como gostamos de trabalhar com o produtor direto do campo, lá em Rondônia, que já está há dez anos produzindo qualidade”, diz.
“Da família Bento, eu fui a primeira a comprar café em grande quantidade para fora do estado, que antes já era comercializado pela cooperativa para quem o grão era repassado ainda cru. No meu caso, o produtor vende o grão torrado, que gera valor agregado. Comecei comprando sete pacotes e agora compro 70. Esta é uma forma que eu tenho de valorizar a minha região”, complementa.
Além do café que é produzido em Rondônia, Liane tem em seu empreendimento uma vasta prateleira de produtos que valorizam o trabalho de pessoas daqui da nossa região. “Tem a cerâmica do Marcelo Gil, de Icoaraci, que é quem produz os meus copinhos personalizados; o chocolate da Dona Nena, no Combu, e o chocolate Da Cruz, do Moju, que tem uma fábrica em Ananindeua. Além deles, temos as geleias das nossas frutas, o cupuaçu em calda, as geleias da Amazônia Artesanal”, destaca.
Tudo isso para oferecer uma proposta mais regionalizada ao consumidor, diz a empresária. “Quando as pessoas compram o café, elas são incentivadas a consumirem também produtos da nossa região. É uma forma ainda de observar o café introduzido em produtos de bem-estar e de beleza, como é o caso do sabonete glicerinado e do sabonete de café com buriti, coisa mais linda”, elogia Liane.
Turismóloga de formação, Liane Dias começou o empreendimento físico no ano de 2020, quando a clausura obrigou as pessoas a ficarem em casa e isso as aproximou do café. Mas antes, ela já comercializava o produto no formato on-line entre os amigos.
“Primeiro começou como um hobby. Na época, estavam começando as cafeterias de especialidade em Belém. Eu trazia café para mim e meus amigos pediam para eu trazer para eles também. Quando a pandemia chegou, percebi que era um produto que tinha um nicho de mercado para trabalhar em Belém.”
Sabor e saúde são os itens indispensáveis propostos pelo espaço. “Quando conseguimos juntar as duas coisas, a gente alcança o nosso objetivo, além de fidelizar o cliente. O café de boa qualidade é um fruto que o produtor escolheu no tempo correto de maturação porque depois que tira o café, para a maturação dele – diferente de uma banana, por exemplo, que amadurece mesmo fora do pé da planta. Nesse tempo ideal, o café terá uma doçura natural, sem necessidade de adição de açúcares”, explica.
Cafeterias para todos os gostos
Ambiente agradável para guardar memórias é o Pissolati Café, localizado na Travessa Rui Barbosa, também no bairro do Reduto. O espaço se consagrou no início deste ano como a melhor cafeteria de Belém, eleita pelo Sindicato de Panificação, Confeitaria e Food Service de nosso estado.
O empresário Leandro Pissolati conta que pensou para seu empreendimento algo que tocasse o coração dos paraenses, tendo o DNA italiano e o mineiro como referência para o seu negócio.
“Quando pensei num café, imaginei um produto simples, atrativo, mas sem inventar coisas extravagantes. Buscamos proporcionar o que chamamos de experiência Pissolati, fornecendo uma boa comida, supersaborosa, um custo justo e uma atmosfera propícia para a realização de encontros, sejam os que envolvem amigos, como foi o encontro de uma turma que tem mais de 30 anos de pessoas formadas, sejam de empresários”, orgulha-se Leandro Pissolati, falando sobre espaço que inclui uma sala de reuniões destinada a encontros de negócios, com aparelhos para projeção e outros voltados ao trabalho empresarial.
Uma das tradições de Minas Gerais que o empresário apresenta em seu cardápio em uma versão paraense é o pão de queijo com queijo cuia. “É a receita que foi feita para atender Dom Pedro lá nos primórdios do nosso império. A gente uniu a tradição do pão de queijo mineiro com algo que é daqui e chegamos ao queijo cuia. É diferente e é um dos nossos carros-chefes. ”
Outro item do menu é o cappuccino paraense, elaborado com Castella [creme de castanhas-do-Pará com cacau], farinha de tapioca e castanha-do-Pará caramelizada com chantilly, tendo como destaque o chocolate Gaudens, também produto local, do chocolatier Fabio Sicilia. “Hoje a gente virou um café bistrô. Além de planejarmos uma expansão, temos a intenção de ter outros pratos contendo, por exemplo, carne, que não oferecemos ainda. A gente começou com carinho e amor nas coisas que estamos fazendo, isso faz uma diferença enorme”, diz Pissolati.
REPRESENTATIVIDADE
A artista visual Berna Reale, de reconhecimento internacional, uniu a arte e o próprio ofício no sistema prisional para empreender. Assim, a perita criminal criou, há cerca de um mês, o Tribunal do Café, que fica localizado na Travessa Joaquim Távora, no coração da Cidade Velha, em Belém, num ambiente cercado por instituições ligadas ao âmbito da Justiça. O espaço é todo climatizado, com wi-fi gratuito e um lugar próprio para trabalho, em que a pessoa pode usar seu próprio computador, proporcionando um ambiente corporativo e de convívio entre pessoas desses dois mundos.
O espaço é todo ligado ao tema da Justiça. Mas em vez da imagem da deusa grega Themis de olhos vendados, a logomarca traz uma mulher com um tapa-olhos suspenso, “porque ela enxerga muito bem e toma café, mas vive com sono”, explica a artista. “O bicho de estimação dela é a tartaruguinha e ela está sempre com travesseiro e seu bichinho, sempre lenta. A gente brincou com a temática, com minhas criações artísticas. A lojinha do projeto ‘Chance’, por sua vez, é uma cela, em analogia ao tema. É um espaço que está localizado perto dos tribunais, Vara de Execução Penal, Fórum Cível, Defensoria Pública, entre outros. A maior parte dos frequentadores daqui são pessoas do jurídico e o espaço pode sensibilizar o olhar sobre quem está aqui, disposto a mudar de vida”, considera a empresária.
Nessa linha, tem o café coado, o moca, o chocolate quente e o gelado, o café gelado, além dos cafés básicos. Todos com nomes com referência aos nomes jurídicos. “Temos o Supremo, a Testemunha de Defesa, o Pato que é a Promotora de Justiça. Temos vários itens que acompanham os nossos cafés e os almoços, tudo dentro dessa temática. Temos o Habeas corpus, que é a nossa unha de caranguejo; o Diário Oficial, que é o café pingado. Além do café com leite que sai todo dia, que é a Presunção de Inocência”, detalha.
Há cinco anos, Berna começou com o voluntariado dentro do sistema prisional, trabalhando com menores de idade em uma casa de apoio em Ananindeua. Então, passou a trabalhar com jovens e adultos e no sistema prisional à disposição. Depois de algum tempo, ela voltou a exercer seu trabalho na perícia criminal. “Percebi que o meu projeto com o sistema precisava dar um passo além e passei a trabalhar com mulheres egressas do sistema prisional e que precisam de oportunidade de trabalho”, conta.
Ela criou o projeto “Chance” formalmente para manter financeiramente o empreendimento. Com duas vertentes, o projeto possibilita que mulheres egressas do sistema prisional tenham a oportunidade do primeiro emprego de carteira assinada na Grande Belém. Assim como tem mulheres que trabalham com a produção de artesanato e moram na região do Marajó. Neste braço do projeto, as artesãs bordam, pintam e montam artigos que são feitos de forma sazonal, como a fabricação de imagens de Nossa Senhora de Nazaré e das árvores de Natal, que ganhará uma exposição na própria lojinha do Tribunal do Café. “A gente dá todo o material, ela precifica o produto a partir das horas de produção, e a gente coloca para vender. Pelo Natal, serão as árvores feitas de tecido que estarão à venda no Café”.
Larissa Senado tem 23 anos e o Tribunal do Café é seu primeiro emprego com carteira assinada. “A Berna é uma pessoa muito boa. Quando ela disse que queria me dar essa oportunidade, agarrei com todas as forças. Recebia o auxílio social, mas vi no emprego uma oportunidade de crescimento para mim e de uma vida melhor para o meu filho”, comenta a garçonete.
O barista Vitor Cadete, 23, é negro e atuou com Berna Reale em outro projeto dela chamado “Ginástica da Pele”, desenvolvido com cem meninos que foram abordados pela polícia indevidamente por causa da cor da pele e por causa do lugar onde moram. Ele fez curso especializado pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) e hoje inventa diversos tipos de café. “É muito importante esse olhar dela [Berna] de que nós podemos fazer algo bom. Depois do curso, já penso em buscar mais conhecimento”, afirma.
Com sabores de África direto para Belém
Com dificuldades para conseguir emprego, por não dominarem tão bem o português, os estudantes intercambistas Forziath e Ange-Carlos Zantangni, ambos do Benin, país da África ocidental, resolveram fazer da herança cultural uma oportunidade de negócio. Depois de passarem por um curso de barista (especialista em café) oferecido a estrangeiros, começaram a projetar um lugar para apresentar os sabores de sua terra natal.
Assim nasceu o projeto do Dankie Coffee, onde oferecem produtos de origem africana e brasileiros também. “Por exemplo, temos a Malva pudding, que é um bolo sul-africano feito à base de geleia de damasco, servido com calda de baunilha, temos o bolo de especiarias, que também é africano, feito de anis, cravo, gengibre, canela, noz moscada. Temos o Bunny chow, refeição africana à base de carne e pão, bacon e molho de tomate com temperos africanos, e também coisas brasileiras, como coxinha”, lista Carlos.
Há nove meses em funcionamento, no bairro de São Brás, o espaço conseguiu cativar uma clientela bem diversa, diz Carlos. “Vêm pessoas de todas as classes sociais, religiosas etc…e amantes da cultura africana e em busca de sabores novos”, diz ele, lembrando que o espaço é também uma loja de produtos africanos, como roupas, acessórios, café importado da Etiopia, e chocolate africano.
Há algumas semanas, o espaço foi alvo de um assalto e os jovens empreendedores viram a força da mobilização nas redes sociais para ajudar a restabelecer a cafeteria, impulsionando a divulgação da casa, brunchs para arrecadar recursos.
“Sinceramente estarmos nos sentindo muito gratos a todos que ajudaram e ficamos surpreso pela reação da nossa comunidade. Isso nos ajudou imensamente a superar essa fase do Dankie. Até hoje estamos sem palavras para agradecer todos que nos ajudaram de qualquer forma”.
A gratidão está expressa, na verdade, desde o nome que ele Forziath escolheram para o lugar. “Dankie significa ‘obrigado’ numa língua africana antiga, que se chama Africans. Queremos agradecer a todo o povo brasileiro e paraense pelo acolhimento.”